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O congresso mostrou que precisamos pensar a partir de novos paradigmas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Temos de desenvolver valores éticos que nos conduzam rumo ao altruísmo




Em Vitória e Vila Velha, no Espírito Santo, entre os dias 6 e 12 de setembro, ocorreu o 2o Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, ocasião em que estivemos presentes para apresentação de trabalho acerca da formação de docentes alfabetizadores que realizamos na Faculdade de Educação da USP, com apoio do CNPq. O evento contou com a presença de estudiosos nacionais e internacionais, além de renomados pesquisadores que, ao longo de suas carreiras acadêmicas, têm se dedicado a pensar a educação em seu sentido amplo, pensar o papel da universidade e sua abrangência na formação humana. Dentre eles, podemos destacar Basarab Nicolescu, Gaston Pineau, Patrick Paul, Hélène Trocmé-Fabre – os quatro vindos da França – e Ubiratan D’Ambrósio (Brasil). O evento contou ainda com importantes participações de estudiosos do Canadá, Chile, África do Sul e Dinamarca, além de um grande número de pesquisadores de diferentes universidades dos Estados brasileiros. Ao final, foi aprovado o documento “Mensagem de vitória”, que sintetiza a mensagem do encontro e em breve estará disponível na Internet para todos os interessados (www. cetrans.com.br ).

A nosso ver, esse congresso é um marco, tanto do ponto de vista de sua relevância para a construção de uma nova forma de pensar as relações humanas e a relação homem-conhecimento-natureza como no que diz respeito à reunião de pessoas com formações tão distintas e interesses de vida aparentemente tão específicos, reunidas por vários dias, convivendo e pensando juntas com um interesse comum: a transdisciplinaridade.

Sem dúvida ele é um marco na abertura para uma nova maneira de pensar a formação acadêmica e não-acadêmica em seus diferentes níveis e especificidades. Sobretudo pela possibilidade de se pensar um mundo melhor, considerando a articulação dos conhecimentos oriundos da arte, da ciência, da técnica e da espiritualidade, possível por esse novo tipo de pensamento, o pensamento transdisciplinar.

De acordo com Basarab Nicolescu, foi Piaget, na década de 70, quem falou sobre a transdisciplinaridade, referindo-se a um conhecimento sem fronteiras estáveis entre as disciplinas. Nas palavras de Nicolescu, a separação do sujeito observador, que resultou no padrão de conhecimento objetivo, concedeu-lhe liberdade, desenvolvimento, mas com conseqüências de toda a ordem para si mesmo e para o mundo atual.

Nesse contexto, de um modo explícito, tratamos dos maremotos, dos furacões e tempestades assustadoras que vivemos e, ainda, referimo-nos aos massacres étnicos na África, à ocupação do Iraque, aos incêndios ocorridos nos hotéis que abrigam imigrantes africanos em Paris, aos carros-bomba que explodem no Oriente Médio, aos assassinatos como o do jovem brasileiro no metrô de Londres e ao roubo das economias da família de descendentes de japoneses em São Paulo, completado por assassinatos em série dos seus membros. Falamos também, ainda que em escala reduzida, porém regida pela mesma ética e moralidade, do plástico que envolve uma bala que é lançado por um motorista na estrada, assim como da diretora de uma instituição que não permite que o professor a ela subordinado se desenvolva como profissional e pessoa.

Essas ações, em nível mundial, ou as que se dão nos pequenos grupos inseridos no sistema econômico atual, são regidas pelo individualismo possessivo, fruto de uma cultura consumista, em que seres humanos se vêem inseridos em praticamente todos os acontecimentos da realidade, os quais têm deixado de surpreender e empolgar muitas das pessoas que estão à nossa volta.

Nesse contexto, de hedonismo e consumismo desenfreados, conforme muitos autores descrevem (Lasch, Boaventura Souza Santos e Z. Bauman), o Congresso de Vitória convoca-nos a uma releitura do mundo e convida-nos ao encontro com a esperança.

Feitas essas considerações, não é difícil observar a importância do referido congresso, que assinala com veemência a importância da mudança de paradigma que tem regido a vida em nossos tempos e que nós, neste artigo, fazemos algumas reflexões acerca da vida universitária. Dito de outro modo, esse encontro fez-nos pensar a respeito do encaminhamento da vida universitária a partir da transdisciplinaridade.

Sabemos que a produção do saber na Universidade, de um modo geral, tem-se baseado na lógica cartesiana. Contudo, a transdisciplinaridade pede uma nova lógica. Uma lógica em que o sujeito se insere em seu campo de pesquisa e ação. Com isso muda-se o olhar, porque muda a posição do sujeito, pois ele passa a estar inserido no contexto que antes via de fora apenas com olhos de observador.

Cabe ressaltar que encontramos consenso entre os pesquisadores estrangeiros na observação de que no Brasil a aplicação da transdisciplinaridade está mais adiantada do que em outras partes do mundo. E, aqui, ações transdisciplinares estão sendo desenvolvidas em diferentes contextos. A apresentação dos trabalhos deixou evidente a flexibilidade, a criatividade e a abertura dos brasileiros para esse novo tipo de pensamento. Hélène Trocmé-Fabre disse-nos que, na França, as poucas trocas dificultam a aceitação da inter-relação entre diferentes áreas do conhecimento. Já no Brasil, disse, esse transitar por e entre diferentes áreas acontece de forma mais aberta e há muita força e vivência presentes na articulação, compreensão e produção de novos conhecimentos.

Falou-se muito sobre uma nova lógica, a lógica da inclusão que, diferentemente da lógica aristotélica, afirma a existência de um elemento que é “A” e “não-A” ao mesmo tempo, ou seja, no par “A” e “não-A” incluí um terceiro elemento. Recomendamos, nessa direção, a leitura de obras de Lupasco para que se compreenda a lógica do terceiro incluído como formalizável e formalizada, multivalente, não-contraditória e que para ser de fato compreendida requer o entendimento de diferentes níveis da realidade, assim como do desenvolvimento de um pensamento complexo.

E assim, nas palavras de Nicolescu, o papel do terceiro explícito ou secretamente incluído no novo modelo transdisciplinar de realidade não é, afinal, tão surpreendente, já que as palavras três e trans têm a mesma raiz etimológica: o três significa a transgressão do dois, o que ultrapassa o dois. A transdisciplinaridade é a transgressão da dualidade opondo os pares binários: sujeito/objeto; subjetividade/objetividade; matéria/consciência; natureza/divino; simplicidade/complexidade; reducionismo/holismo; diversidade/unidade. Essa dualidade é transgredida pela unidade aberta englobadora tanto do Universo quanto do ser humano.
Sendo assim, questionamo-nos: o que significa adotar a perspectiva transdisciplinar na universidade, seja no âmbito da pesquisa, da ação ou do ensino?
Do nosso ponto de vista, significa: respeitar o vivo. Sim, respeitar aquilo que é vivo e assim:

1) Buscar parcerias com diferentes unidades, departamentos etc., para a compreensão do mesmo fenômeno natural, social, psíquico em suas diferentes dimensões e interfaces, considerando as interações e as interdependências dos fenômenos.

2) Ao invés da busca científica da “causa-efeito”, procurarmos, em nossos trabalhos, compreender o contexto em que os fenômenos ocorrem.

Nesse sentido ainda, a Universidade e as agências de pesquisa, assim como a sociedade em geral, precisam valorizar as ciências consideradas humanas que trabalham na perspectiva da lógica do terceiro incluído, que, por isso, ao longo da nossa história, têm sido colocadas em posição inferior.

Além disso, a burocracia e o conhecimento das leis, decretos e portarias precisam ser colocados para que a vida de docentes, discentes e funcionários se manifeste na direção de se cuidar do ambiente em que esses seres humanos vivem. Os procedimentos burocráticos, tão bem estudados e entendidos por Weber, não podem continuar a ser “capoeiras” para que alguns grupos se encontrem em reuniões para marcar a próxima reunião, para tirar o ar da sobrevivência necessária à vida universitária.

Porém, não podemos nos deter aqui caso optemos por uma atitude transdisciplinar perante o mundo. Isso porque nós – professores, alunos, graduandos, graduados, diretores, chefes etc. – somos vivos e, por isso, precisamos nos compreender como um dos pontos que compõem este universo e que, da mesma maneira que, ao estudarmos este ou aquele fenômeno, levamos em consideração vários olhares, ao nos relacionarmos entre nós, partes da Universidade, temos que modificar o modo como nos entendemos a fim de favorecer a vida, seja ela física, intelectual, psíquica ou de qualquer outra natureza. Sendo assim, uma atitude transdisciplinar na Universidade implica o reconhecimento da promoção da vida e não apenas da sobrevivência dos seus componentes e daqueles que a Universidade alcança além de seus muros.

O professor Ubiratan nos lembra que precisamos mudar os fundamentos de nossa civilização. Necessitamos, ele nos diz, desenvolver valores éticos que nos permitam sair do individualismo rumo ao altruísmo, da dependência humana para a interdependência entre os seres humanos. Precisamos iniciar uma jornada em direção a uma civilização planetária.

Nilce da Silva é professora da Faculdade de Educação da USP e coordenadora do Projeto Acolhendo Alunos em Situação de Exclusão Escolar e Social (www.projetoa colhendo.ubbi.com.br). Dalva Alves é diretora do Núcleo de Estudos Superiores Transdisciplinares (www. nest.org.br ).

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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