Um
tapa. Bastou um tapa para mostrar quão medíocre é
o brasileiro. À saída da cadeia, o ex-árbitro
de futebol Edílson Pereira de Carvalho foi agredido por um
motorista de táxi por ter roubado o Corinthians.
Que maravilha! É claro que esse cidadão tinha de agredir
aquele sem-vergonha corrupto. Está sobrando emprego no País,
todo mundo está comendo pelo menos três refeições
diárias, não há mais crianças abandonadas
e a impunidade acabou. Então, por que aquele filho
da mãe foi dar esse exemplo terrível para toda
a nação? Por que ele foi macular o único setor
onde não existem conchavos, falcatruas, corrupção?
Afinal, no futebol só existe gente honesta, não é?
Observe que interessante: a revista que levantou a lebre sobre a
máfia do apito não cobre futebol. Não
viaja às expensas da CBF e não tem canal de televisão
que explora os direitos de transmissão de jogos dos principais
campeonatos nacionais. Em outras palavras, não come na mão
do sr. Ricardo Teixeira, presidente da CBF. O que estava fazendo,
então, toda a imprensa que cobre o futebol neste país
que não descobriu que havia um esquema para fabricar resultados?
Para qual lado estavam olhando os repórteres que diariamente
enchem páginas inteiras de lero-lero sobre a paixão
nacional, que não viram toda essa sujeira?
O que chama a atenção nessa história é
o fato de que, depois da denúncia, todos os jornalistas da
chamada imprensa esportiva se mostraram indignados, estupefatos,
incrédulos, como se o futebol estivesse num Olimpo, intocável
pela corrupção e absolutamente livre de corruptos.
Ora, vão plantar batatas. Tomem vergonha na cara e admitam
o que todo mundo já desconfiava. Não me venham agora
com essa de marido traído. Se em outros países onde
a impunidade beira o zero já houve escândalos envolvendo
o futebol, por que o Brasil estaria livre?
A regra é clara. A frase, imortalizada pelo ex-árbitro
e atualmente comentarista Arnaldo César Coelho, é
uma tremenda balela. Se a regra fosse clara, não deveria
dar margem a interpretações. Se a regra fosse clara,
todos os árbitros deveriam adotar o mesmo critério
para trabalhar, o que não acontece. E é aí
que está o problema.
Freqüentemente se discute em mesas-redondas televisivas e de
bar a adoção de regras e sistemas eletrônicos
que ajudassem os árbitros a reavaliar suas decisões
em lances polêmicos. Os românticos dizem
que seria o fim do futebol, das discussões acaloradas, da
paixão pelo esporte. A Fifa alega que só adota regras
e equipamentos que possam ser usados em todo o mundo. A verdade,
porém, é que isso não interessa. E não
interessa porque, ajudados pela tecnologia, os árbitros não
poderiam mais cometer as barbaridades que cometem e, com isso, os
resultados não poderiam mais ser manipulados.
Os americanos são fanáticos pelo futebol americano.
Os estádios estão sempre lotados, a final do Super
Bowl é transmitida para todo o mundo e os direitos de transmissão
custam dezenas de milhões de dólares. Pois bem, além
de vários juízes em campo, o futebol americano ainda
conta com um juiz de cabine, que fica no alto do estádio
e que, ajudado pela tecnologia, pode vir a interferir nos lances
mais polêmicos e até mudar a decisão dos árbitros
de campo. Tudo isso exibido em cores num telão para todo
o estádio. Não me consta que desde que adotaram esse
sistema caiu a audiência televisiva ou os estádios
ficaram mais vazios e os clubes passaram a ter prejuízos.
Quem acompanha futebol certamente tem gravado na memória
uma lista de partidas em que seu time foi garfado. Em
finais, então... Não cabe aqui discutir se os árbitros
erraram realmente ou foram aliciados por apostadores, dirigentes
de clubes ou presidentes de federações. O fato é
que não é de hoje que se discute esse problema e a
imprensa esportiva nunca apurou com rigor a existência de
esquemas ou fraudes. Quem assistiu ao filme Boleiros viu claramente
como isso acontece. Os defensores do status quo do futebol brasileiro
alegavam que aquilo era ficção. Agora todo mundo sabe
que compra de árbitros não era apenas
fruto da mente doentia de um autor mal informado ou, o que é
pior, mal-intencionado.
Em toda essa história, que, sinceramente, a mim não
surpreendeu nem um pouco, a única coisa que me deixou indignado
foi a atitude do torcedor ao agredir o ex-árbitro. Motorista
de táxi, esse infeliz escancarou para o mundo a imbecilidade
de toda uma nação. Aposto que não só
os corintianos, mas todos os torcedores brasileiros se sentiram
vingados. A denúncia diz que as quantias recebidas pelo ex-árbitro
giravam entre R$ 10 e R$ 15 mil por partida. Dizem que o mensalão
girava em torno dos R$ 30 mil. O ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Severino Cavalcanti, caiu porque cobrava propina do empresário
que explorava o restaurante daquela Casa. Você viu alguém
tentar dar um tapa num dos políticos envolvidos nessa onda
de corrupção que assola o Congresso Nacional?
Opa, devagar aí! Não estou pregando violência.
Creio na justiça e estou seguro de que este país tem
leis mais que suficientes para punir criminosos, sejam eles de colarinho
branco ou não. Mas o que chama a atenção nessa
história é o fato de que Paulo Maluf foi preso acusado
de desviar milhões de dólares dos cofres públicos,
dinheiro que também provinha dos impostos pagos pelo motorista
de táxi corintiano já que se trata de um paulistano
, e garanto que nem passou pela cabeça dele ir à
Polícia Federal dar um tapa na cara do ex-prefeito.
O fato é que nós, brasileiros, somos assim. Corruptores
e corruptos o tempo todo. Vejo pessoas indignadas com o que está
acontecendo no Congresso e agora na arbitragem do futebol, mas que
confessam sem o menor constrangimento que já deram propina
para guarda rodoviário livrá-lo de multa. Quem não
conhece pequeno, médio ou grande empresário que já
não pagou propina para fiscal? Quem não conhece pelo
menos uma pessoa que teve de comprar a própria
carteira de habilitação ou a de um filho?
Bem, mas isso já é outra história. Por enquanto,
vamos limpar a sujeira que emporcalhou o futebol. Afinal, ele é
o ópi..., ops!, a alegria do povo, não é? Vamos
botar esse Edílson, o único ladrão, safado
e corrupto que existe no futebol brasileiro, na cadeia, que é
o lugar dele, e vamos continuar torcendo. Afinal, 2006 é
ano de Copa do Mundo. De eleição também, mas
quem é que se importa com esse pequeno detalhe se, agora,
o que está literalmente em jogo é a honra nacional?
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