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Graças à ação geológica ao longo de milhões de anos, de uma região desértica
surgiram, sob grande parte do Sul e Sudeste brasileiros e países vizinhos, áreas de
arenito que retêm a água da chuva e dos rios, formando um imenso reservatório

U
m imenso bloco rochoso submerso em grande parte do território brasileiro, parecido com uma “esponja gigante” que absorve as águas superficiais das chuvas. Assim se caracterizam os arenitos da Formação Botucatu, que originaram um dos maiores aqüíferos subterrâneos do mundo, o Guarani. Ao contrário do que muitos imaginam, o Guarani não é um grande lençol d’água ou um curso aquoso sob o solo, mas uma espessa camada arenítica encharcada de água. E quanta água. Suficiente para abastecer toda a população brasileira por cerca de 3 mil anos. Desfazer mitos e clarificar informações acerca dessa riqueza invisível é um dos objetivos da palestra “Aqüífero Guarani: do deserto à água pura”, que acontecerá no dia 22 de outubro na Estação Ciência da USP.

Ministrada pelo professor Paulo César Boggiani, do Instituto de Geociências da USP, a palestra não é dirigida a especialistas. “Pretendemos abranger o público mais amplo possível. Vamos apresentar a evolução geológica, tirar dúvidas e desfazer mitos, além de conscientizar sobre a importância dessa riqueza pela qual todos somos responsáveis por preservar”, diz Boggiani, explicando que a palestra está inserida no projeto de divulgação do aqüífero financiado pelo Global Environment Facility (GEF), através do Banco Mundial.

A palestra é uma atividade paralela da mostra “Água Brasilis: trajetória, natureza-homem”, aberta no dia 4 de outubro com outras duas exposições: “Ciências físicas no Brasil”, que apresenta um panorama sobre as pesquisas de vanguarda da física produzidas no País, e “Imagem e som: a física em ação”, com intrigantes exemplos de como a física atua no cotidiano das pessoas. Inauguradas durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, ocorrida do dia 3 a 9, todas as instalações ficarão em cartaz na Estação Ciência até dezembro, acompanhadas de workshops e exibições de vídeos, além de visitas monitoradas.

Aos que estiverem interessados em participar da palestra, vale antes visitar a maquete do aqüífero montada na exposição “Água Brasilis”. Com luzes mostrando o ciclo das águas e amostras das rochas que deram origem ao Guarani, a instalação possibilita ao visitante visualizar onde se localiza e como se configura essa imensa riqueza mineral cravada no subsolo dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de parte do Paraguai, Uruguai e Argentina.

Denominado nos anos 90 aqüífero Mercosul por abranger territórios dos quatro países do bloco econômico, o Guarani, assim como outras águas subterrâneas em todo o mundo, vem assumindo importância cada vez maior em razão da poluição das águas superficiais de rios e lagos.

A preservação desses recursos é imperativa e demanda conscientização de toda a sociedade, segundo Boggiani. “Veja o que ocorreu nos últimos dias, por exemplo, na região de Jurubatuba, em São Paulo, onde 14 poços artesianos foram lacrados por contaminação”, aponta o professor. Um dia antes da inauguração da exposição “Água Brasilis”, a Coordenadoria de Vigilância Sanitária do município de São Paulo lacrou 14 poços artesianos na região de Jurubatuba, na Grande São Paulo, todos eles localizados num raio de 700 metros de um terreno da Gilette, empresa que há dois meses havia autodenunciado à Cetesb focos de contaminação em seus poços artesianos.





Pacote sedimentar

Primitivamente denominado aqüífero Botucatu ou Pirambóia, o Guarani começou sua formação na era mesozóica, ou Era dos Dinossauros. Nesse período havia um imenso deserto cobrindo parte da América do Sul, numa área semelhante ao que hoje é o deserto do Saara. Nos ambientes desérticos, os ventos são responsáveis pelo transporte e sedimentação da areia. Funcionam como um selecionador natural dos tamanhos dos grãos, que se sedimentam em gigantescas dunas. Com a ação eólica, permanecem naquele pacote sedimentar os grãos de formatos mais arredondados e esféricos, propiciando uma formação porosa cheia de espaços intercomunicados entre si. Trata-se do arenito, uma rocha sedimentar com excelentes condições de armazenamento de águas subterrâneas.

Após sedimentado, aquele terreno desértico sofreu a ação de um intenso vulcanismo fissural, ou seja, foi coberto por lavas vulcânicas saídas de fendas quilométricas resultantes do processo de separação entre a América do Sul e a África. As lavas vulcânicas cobriram o arenito e deram origem a uma espessa camada basáltica que funciona como uma capa protetora sobre quase toda a rocha porosa.

Em toda a sua extensão leste e oeste, o arenito possui duas faixas não cobertas pelo basalto e, portanto, comunicantes com a superfície. São essas faixas que absorveram ao longo de muitos anos as águas superficiais das chuvas e rios, formando um depósito estimado de 48 mil quilômetros cúbicos de água, em profundidades que chegam a 2 mil metros. É tanta água que uma exploração racional poderia abastecer continuamente e de forma sustentável uma população de 20 milhões de pessoas, sem comprometer suas reservas, já que o sistema possui capacidade natural de recarga de 40 milhões de metros cúbicos por ano. Mas, se possibilitam a comunicação com a superfície, essas duas faixas de recarga são justamente os pontos sensíveis e principais focos de contaminação do aqüífero.

O professor Aldo Rebouças, ligado ao Instituto de Estudos Avançados da USP e consultor do projeto do GEF, que visa a divulgar o Guarani e promover sua gestão compartilhada e sustentável, afirma que o gerenciamento das águas subterrâneas brasileiras está numa situação caótica. “Falta um mapeamento geológico mais detalhado do Guarani, bem como um levantamento de todos os poços artesianos abertos no País. Precisamos de um projeto de poços de estudos para, a partir disso, definir um projeto de exploração. Há poucos estudos sobre isso e ninguém sabe sequer quantos poços temos nem se estão sendo focos de contaminações para as águas subterrâneas”, afirma.

A cidade de Ribeirão Preto, abastecida completamente por águas profundas, é o exemplo clássico dos principais focos de contaminação do Guarani. “Falta compreensão, conhecimento e visão de como funcionam e ocorrem os aqüíferos na natureza. Os focos de Ribeirão Preto representam uma real ameaça e os poços deveriam ser melhor controlados pelo poder público”, denuncia Rebouças. Segundo o professor, os recursos alocados pelo projeto do GEF não são suficientes para levar a cabo um programa integrado de gerenciamento do Guarani entre os diferentes Estados e países servidos pelo reservatório. “As diferenças legislativas e os enfoques geopolíticos diferenciados dos países e Estados envolvidos, além das dificuldades de fiscalização, precisam ser superados e constituem as principais dificuldades para uma gestão integrada”, afirma.



Boggiani (à direita): preservação das águas subterrâneas é um imperativo

Contaminação

Segundo o diretor de Engenharia, Tecnologia e Qualidade Ambiental da Cetesb, Lineu José Bassoi, as contaminações dos 14 poços da região de Jurubatuba são oriundas provavelmente das práticas industriais estabelecidas na região ao longo de 50 anos ou, ainda, da disposição inadequada dos filtros daqueles poços, que permitiam o contato das águas superficiais com as submersas, causando contaminações a até 100 metros de profundidade.

Cloreto de vinila, tetracloroeteno, tricloroeteno, além de compostos inorgânicos com excessivas quantidades de ferro, manganês, chumbo e cádmio foram as principais substâncias encontradas nos poços da Companhia Nacional de Armazéns Gerais Alfandegários, do Senac, Drava Metais, Engemix, Camargo Corrêa, STI-Sadalla, Baxter, Avon e Biosintética, segundo laudo da Cetesb divulgado em 4 de outubro. Para o professor Rebouças, este é mais um exemplo de onde podem chegar o acompanhamento e o gerenciamento precários das águas subterrâneas. Segundo o professor, há estimativas de que existam na Grande São Paulo 10 mil poços artesianos não autorizados pelo DAEE e mil legalizados. No Estado de São Paulo, diz o professor, são cerca de 30 mil poços ilegais, sendo que os legais não chegam a mil.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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