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A farmacêutica-bioquímica Viviane: ajuda para diagnosticar casos de virus



P
ânico não, mas os cientistas recomendam alerta máximo contra possível pandemia de gripe aviária, lembrando que pode se repetir, em escala ainda maior, o caso da gripe espanhola que, durante a Primeira Guerra Mundial, matou cerca de 50 milhões de pessoas. Com base na epidemia de 1918, o professor Edison Luiz Durigon, coordenador do Laboratório de Virologia de Alta Segurança do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, calcula que as mortes poderiam chegar a 150 milhões e que a doença se espalharia pelo mundo em apenas quatro dias. Do mesmo modo, o bioquímico Hernan Chaimovich, diretor do Instituto de Química da USP, considera que “se o mundo tiver muita sorte teremos uma pandemia de influenza em cinco anos. Se não tivermos muita sorte, ela ocorrerá daqui a dois anos. Se realmente formos protegidos por uma força divina, não teremos essa pandemia – mas é uma probabilidade muito baixa”.

Em vez de apenas esperar por ajuda do céu, os especialistas recomendam medidas preventivas, especialmente a produção imediata de vacinas contra as gripes comuns, de vacina específica contra o vírus aviário que da Ásia já passou para a Europa, o H5N1, e providências sanitárias, pois é preferencialmente em ambientes insalubres que a doença se propaga.

Na USP e no Instituto Butantan, pesquisadores trabalham sem parar. O Laboratório Nível de Biossegurança 3 do ICB integra a Rede de Diversidade de Genética de Vírus, um programa da Fapesp com 22 laboratórios, dos quais sete para estudar o vírus da influenza e outros vírus que afetam o sistema respiratório. Embora por enquanto só lide com vírus menos letais da influenza – porque um dos critérios é não trabalhar com vírus que ainda não entraram no País –, o professor Durigon garante que o laboratório está preparado para enfrentar o H5N1: “Temos todas as ferramentas de diagnóstico e, se aparecer hoje, faremos o diagnóstico hoje”. No Instituto Butantan, a tarefa mais urgente é preparar vacina contra o vírus do frango para a hipótese emergencial de ser detectada no Brasil a presença do agente da doença, trazida por aves migratórias ou por turistas. O programa tem recursos do governo federal e do governo do Estado e inclui a construção de uma unidade destinada especificamente para a produção da vacina. Ainda no Butantan, a farmacêutica bioquímica Viviane Botosso e equipe colaboram com o laboratório do ICB no diagnóstico de possíveis casos do H5N1.


O professor Edison Durigon, do ICB (foto à direita), coordenou a equipe que foi ao Norte do Brasil em busca de dados que podem contribuir para deter vírus perigosos à saúde humana: “Temos todas as ferramentas de diagnóstico e, se o vírus aparecer hoje, faremos o diagnóstico hoje”

 

Como ouriço do mar

O vírus da influenza, explicam Durigon e Viviane, apresenta três tipos: na forma A, atinge humanos e animais como baleias, cavalos e porcos; na B, fica restrito a humanos, mas em alguns poucos casos afeta também porcos; o tipo C não causa doenças graves, é a gripe comum, para a qual nem vacina se faz. O tipo A desdobra-se em subtipos cuja característica é determinada pela proteína presente (viral e externa).

Mas o que vêm a ser o H e o N? Responde Durigon: Pensemos num ouriço-do-mar, que externamente tem uma espécie de bolas e espinhos. Do mesmo modo, o vírus tem “espinhos”, ou espículas, diferentes. Um é o H, o outro o N, e com seu auxílio o vírus entra na célula do receptor e se multiplica, causando a doença. O vírus da influenza possui 15 tipos de H e 9 de N. Como a gripe espanhola (que de espanhola só leva o nome, uma vez que a Espanha foi o último país a ser devastado por ela) foi a primeira a ser identificada, o vírus foi chamado H5N1. Depois vieram outras gripes, como a asiática (1957-68) e a hong kong (que sobrevive com variações), e os vírus foram sofrendo mutações e mudando de nome. No caso da gripe espanhola, a surpresa foi que 50% dos mortos eram jovens, entre 20 e 40 anos.

Para chegar ao cálculo dos prováveis 150 milhões de óbitos caso ocorra nova pandemia de gripe aviária, o professor do ICB leva em conta que na Europa de 1918 a maior parte da população vivia no campo, mas não havia vacinas, antivirais, hospitais, e a higiene era precária; atualmente, apesar da globalização e de grande urbanização, a situação é melhor do ponto de vista médico, de diagnóstico rápido e de habitação.

Todos esses vírus são de aves, sendo que o pato, segundo Durigon, é o único bicho naturalmente resistente à gripe. Possui o vírus, o dissemina, mas não adoece. A cadeia de transmissão começa pelo pato e, com variações, continua pela codorna, pelo frango, pelo porco, até o homem. Para passar de homem para homem é necessário que uma parte do vírus seja de ave e outra de humano, e aí reside o maior perigo, pois a doença se espalha rapidamente. O meio mais comum de transmissão do pato para outros animais são as fezes; comer carne de ave contaminada não representa risco, desde que bem cozida. Transmissão a longa distância costuma ser feita por patos selvagens, mas outras aves migratórias, como gaivotas e algumas espécies do Canadá, também se prestam a isso. Para o pesquisador do ICB, de nada adianta exterminar as aves migratórias; o prejuízo seria para a biodiversidade. Os aviões se encarregam do transporte do vírus, quando a contaminação já se faz entre pessoas. Não é o caso da gripe aviária atual. O vírus que atingiu a Colômbia não é o H5N1, mas ameaça a economia do país e de regiões vizinhas.

Dos sete laboratórios da rede da Fapesp especialmente preparados para lidar com a gripe aviária, dois estão no ICB e os restantes, no Instituto Adolfo Lutz, no Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da USP, em Botucatu, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Laboratório de segurança tem que ter uma área de contenção com pressão negativa, isto é, o ar só entra por meio de filtros especiais, garantindo que nenhum vírus perigoso escape para a área externa. Trata-se de equipamentos caros; cada laboratório não fica por menos de R$ 1 milhão, dinheiro da “santa” Fapesp.



Equipe de pesquisadores da USP percorreu o Brasil em julho com a missão de coletar material de aves para fazer o diagnóstico de doenças: laboratórios móveis
cruzaram Rondônia, Amazonas e a Ilha de Marajó

Da Amazônia

Em julho deste ano, o professor Durigon e nove alunos fizeram uma excursão de quase 30 dias pelo Brasil com a missão de coletar material de aves, em especial patos silvestres, para posterior diagnóstico de doenças em laboratório. Levaram dois laboratórios móveis contendo hidrogênio líquido a 170 graus negativos para conservar as amostras de sangue e fezes. Saindo de São Paulo chegaram a Montenegro (RO), onde fizeram captura de aves durante dez dias; depois atravessaram em barcaça o rio Amazonas, em direção a Manaus (AM), para mais três dias de captura; de balsa foram a Belém (nada a ver com a capital do Pará), já na Ilha de Marajó. Com ajuda de um biólogo que integrou a equipe, recolheram amostras de aves e bichos raros, fotografaram patos selvagens convivendo com aves domésticas, porcos e crianças. “O ecossistema da epidemia.” A expedição não constitui novidade; a equipe do ICB costuma fazer esse tipo de coleta na Serra do Mar, no interior do Estado e em parques da capital. Só a distância foi maior desta vez.

Viviane Botosso faz diagnóstico laboratorial molecular, utilizando material vindo do Hospital Universitário e do ICB, para detectar vírus respiratórios, mas sempre de origem humana. A prudência recomenda que não se manipulem vírus humanos e de aves num mesmo ambiente, sob risco de se combinarem, tornando-se altamente perigosos.

Embora não trabalhe com vacinas, mas com padronização do diagnóstico, a farmacêutica-bioquímica explica que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem uma rede epidemiológica de gripe, com mais de uma centena de laboratórios, à qual compete indicar as cepas circulantes em determinado ano e definir de qual delas se fará a vacina. A organização fornece a todos os fabricantes o material previamente tratado, que em hipótese nenhuma possui vírus infeccioso. No ICB, o professor Durigon espera receber da OMS amostras do vírus da gripe aviária, se houver casos no Brasil, uma vez que o laboratório de alta segurança que coordena é conhecido da entidade mundial.

O tempo normal de aprovação de uma vacina, segundo Viviane, fica entre cinco e dez anos, pois é necessário vencer várias etapas e proceder a testes clínicos, para assegurar que o produto seja eficiente e não apresente efeitos colaterais. É claro que em caso de pandemia o tempo de fabricação da vacina pode ser abreviado. Até o momento, nenhuma vacina contra a gripe aviária foi autorizada oficialmente, embora pesquisadores húngaros anunciem uma cem por cento eficiente.

Preocupação da academia

Em artigo com o título “Biosseguridade: desafio à academia”, publicado no Boletim do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP na primeira quinzena de outubro de 2005, o professor Hernan Chaimovich afirma que a sociedade em geral e a Universidade em particular aparentemente não estão preocupadas com a ameaça de uma pandemia de gripe aviária. E diz: “Uma pandemia não se resume a um assunto específico de interesse exclusivo de especialistas em doenças infecciosas. Apresenta problemas como: que fazer na cidade de São Paulo com 100 mil doentes que precisam ser internados de uma semana para a outra? Qual é a velocidade da propagação da pandemia? O que fazer com o serviço de correio quando 30% do pessoal está doente? São problemas que a reflexão acadêmica não pode dispensar”.

E continua: “Para aperfeiçoar hoje a vigilância da influenza animal é claro que os vetores do vírus H5N1 (que causa a gripe do frango), basicamente galinhas e patos, têm de ser analisados. Logicamente é preciso integrar a vigilância, a influenza humana e a influenza animal. A pergunta é se teremos tempo de fazer a vacina contra a cepa pandêmica. Essa não é uma questão simples e lembro que no Brasil a vacina é veiculada a partir de matéria-prima importada e que a fábrica ficará pronta no ano que vem, no Instituto Butantan. A questão é saber se teremos tempo de fazer a vacina certa a tempo — e a academia deve buscar uma resposta”.

Mais adiante, o professor diz: “Uma outra pergunta que precisa ser respondida tem a ver com questões relacionadas à pesquisa, produção e patentes. Existe apenas um antiviral medianamente efetivo contra a influenza. É produzido pela Roche, que não tem capacidade sequer de produzir vacina suficiente se a gripe vier daqui a um ano e meio a dois. Se isso acontecer, o Brasil vai ter que decidir se quebra a patente, e não podemos pensar que isso seja um problema ético ou político. Pois será um problema de sobrevivência de cerca de 6 milhões de brasileiros. Não podemos tomar a decisão de quebrar ou não a patente quando a pandemia já estiver instalada. Outros países, com base em modelos que estimam velocidades de instalação da pandemia, já estão estocando o antiviral”.

Depois de analisar outros itens pertinentes à biossegurança, como a possibilidade de bioterrorismo, com a transformação de uma bactéria ou vírus em arma letal, o artigo termina lembrando a responsabilidade social do cientista, em particular no Brasil: “Em qualquer país que tenha uma plêiade de universidades de classe internacional, dá para entender que uma fique fora do debate, pois isso não configuraria um problema. Contudo, no Brasil, a ausência de uma única universidade dessa classe pode fazer uma imensa diferença. Estamos num momento em que a formulação de programas e políticas públicas na área de biossegurança é uma responsabilidade a mais das universidades de classe internacional do País”.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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