Numa viagem panorâmica, a partir do litoral baiano
rumo ao interior do Estado, um abrupto conjunto de planaltos, chapadas
e escarpados se eleva na acidentada topografia nordestina, em picos
montanhosos que chegam a 1.700 metros de altitude. Geologicamente
caracterizada como um grande enrugamento da crosta terrestre, a
Serra do Espinhaço se prolonga descontinuamente para o sul
até o Estado de Minas Gerais. Semelhante ao que ocorre, por
exemplo, nas áreas litorâneas do Estado de São
Paulo, esse sistema rochoso provoca a precipitação
de nuvens carregadas de chuva que vêm do Atlântico.
Graças a isso, em pleno interior baiano, a natureza criou
um oásis verde cercado de caatinga por todos os lados. Trata-se
da Chapada Diamantina, região declarada parque nacional em
17 de setembro de 1985. Encravada na serra do Sincorá, a
região de 110 quilômetros de perímetro e 1.520
quilômetros quadrados de área guardam atributos superlativos
em beleza, riqueza e raridade natural.
Lugar habitado desde a pré-história, alvo da corrida
ao ouro e ao diamante no século 18 e 19 e logo abandonado
após o esgotamento dos recursos naturais, a redescoberta
da Chapada Diamantina encontra eco na postura preservacionista do
ambiente. Num momento em que o ecoturismo vem ajudando a florescer
a vida econômica da região, nada mais oportuno que
um livro-guia retratando esse complexo ecossistema.
O turista incauto, o curioso de plantão e qualquer amante
da natureza vão se deslumbrar com o ensaio fotográfico
de Roberto Linsker e Calil Neto em Chapada Diamantina Águas
no sertão, recém-lançado pela Terra Virgem
Editora. Com conhecimentos científicos atualizados e linguagem
acessível, o professor do Instituto de Geociências
da USP e diretor da Estação Ciência da USP,
Wilson Teixeira, em parceria com Linsker, organizou em 160 páginas
informações sobre os aspectos geológico, biológico
e humano da chamada ilha verde.
A Chapada Diamantina é o segundo parque nacional escolhido
para integrar a coleção Tempos do Brasil, que na primeira
edição retratou a ilha de Fernando de Noronha. A aventura
prosseguirá com as riquezas naturais de Foz do Iguaçu,
Itatiaia, Serra da Capivara e Bonito. São locais de
grande visitação pública e é importante
transmitir a mensagem da preservação, justifica
Teixeira, idealizador da coleção.
Mitologia
Integrando parte dos municípios de Lençóis,
Andaraí, Mucugê, Palmeiras e Ibicoara, o local hoje
denominado Parque Nacional de Chapada Diamantina iniciou sua formação
geológica há bilhões de anos, com a separação
dos continentes sul-americano e africano. O resultado foi o embasamento
cristalino composto de gnaisses e granitos, além das rochas
sedimentares, que preponderam na Chapada.
Os belíssimos conglomerados de seixos multicoloridos de diversas
rochas estão à volta principalmente nas cidades de
Lençóis e Andaraí. Os calcários onde
se formaram as famosas cavernas e grutas subterrâneas do lugar
foram gerados a partir de mares que ocorreram ali no passado, especialmente
na região das bacias dos rios Una e Paraguaçu.
As estruturas sedimentares e toda a diversidade de rochas estão
retratadas de forma esquemática e didática. Como numa
imaginária viagem, o leitor saberá as origens das
condições ambientais que hoje deslumbram turistas
em Abrolhos, na Bahia, e Atol das Rocas, em pleno Oceano Atlântico.
Nos caminhos do tempo geológico, o livro evoca a companhia
de Plutão, Vulcano, Éolo, Netuno e Crono, deuses da
mitologia greco-romana que simbolizam, respectivamente, os elementos
terra, fogo, ar, água e tempo, personificações
simbólicas das obras da natureza. A inspiração
mitológica faz um paralelo entre ciência e filosofia
e justifica a existência, nos dias atuais, de expressões
como vulcanismo, plutonismo (processos originários do magma)
e erosão eólica (aquela causada pelo vento), por exemplo.
Entre o mosaico de diferentes tempos e ambientes geológicos,
o leitor saberá mais sobre os tipos de garimpos existentes
e que os diamantes que tanto movimento e status deram à
região durante o ciclo minerador têm origem
nas profundezas da Terra e se formam a partir dos kimberlitos, rocha
formada do magma vulcânico.
diversidade
Se há uma palavra que possa definir a cobertura vegetal da
Chapada Diamantina, esta é heterogeneidade, afirma o capítulo
Caminhos do tempo biológico. Num rastreio de
alguns quilômetros, paisagens tão diferentes e até
antagônicas encontram harmoniosa convivência por obra
de um trabalho lento e cuidadoso da natureza. A presença
de brejos e pantanais diamantinos permeados por terrenos mais secos
de cerrados e caatingas só poderia resultar na diversidade
das espécies.
Cristas-de-galo e tantos outros tipos de orquídeas, as flores
do mandacaru (o grande cacto da caatinga), o lírio vermelho
e o lírio dágua, a onze-horas e outras maravilhas
típicas que encantam os olhos convivem com uma fauna igualmente
diversa. Plantas e animais compõem uma sinfonia afinada,
bem retratada no livro.
O encanto das cavernas está nesse capítulo. Nelas,
apesar da pouca luz, vivem e se reproduzem espécies que incluem
mamíferos, aves e invertebrados, entre eles morcegos, aranhas,
escorpiões e baratas. Graças aos lençóis
dágua freáticos isolados, o ambiente também
é altamente propício à evolução
de espécies de peixes e crustáceos, como pequenos
bagres e camarõezinhos.
Bandeiras
Penetrar pelo sertão adentro da terra da Bahia foi a recomendação
do rei D. João 3o a Tomé de Sousa, primeiro governador-geral
do Brasil, destaca o livro. O regimento real, que passou a vigorar
em 1549, foi o início da epopéia bandeirante de inúmeros
aventureiros em busca de riquezas.
Gabriel Soares de Sousa e Belchior Dias Moreira foram os pioneiros
que contornaram a paisagem surpreendente, perfilada por desfiladeiros
profundos, rios engrunados e grandes chapadões. Mas a Chapada
permaneceu desabitada até meados do século 17. A ocupação
da borda norte e nordeste foi necessária para a expulsão
dos holandeses. As batalhas, travadas às margens do rio Real
até o São Francisco, desvendaram a região e
permitiram a expulsão dos intrusos holandeses e um rápido
processo de ocupação econômica por meio das
sesmarias.
A leste, os índios maracás, hábeis guerreiros,
eram os guardiões dos cobiçados vales férteis
da serra do Orobó. Após sucessivas guerrilhas, foram
derrotados pelos bandeirantes paulistas Estêvão Ribeiro
Baião Parente e Brás Rodrigues Arzam, em 1671. A partir
de então, glebas de terras próximas aos rios Jacuípe,
Jequiriçá, Paraguaçu e Contas foram rapidamente
ocupadas. A pecuária, no entanto, surtiu poucos reflexos
na atividade econômica.
Mas, no século seguinte, o ouro se encarregaria do processo
de fixação do homem na Chapada Diamantina. O local
se tornou importante pólo de migração. As primeiras
notícias sobre o ouro na Bahia chegaram à metrópole
em 1701. A administração real tentou, por algum tempo,
conter a corrida ao ouro, já que estava bem abastecida
com as lavras de Minas Gerais. Mas a mineração clandestina
tomou conta, inicialmente, dos rios Itapicuru e Rio de Contas Pequeno,
atual Brumado.
Para a fiscalização da atividade mineradora criou-se
a Intendência de Minas, além de uma série de
cartas e regimentos sobre quem poderia fundir, testar, quintar e
transformar o ouro em barras, que seriam marcadas com o selo real.
Antes que completasse um século de efervescência,
a atividade aurífera da Chapada Diamantina entrou em decadência,
traz o livro.
Na primeira metade do século 19, a descoberta de grandes
depósitos de diamantes no leito do rio Mucugê desencadeou
nova corrida à região. A presença das lavras
diamantinas da Bahia, nos municípios de Mucugê,
Andaraí, Lençóis e Palmeiras, levou para essas
cidades muitos funcionários públicos, mascates, geólogos,
missões econômicas e naturalistas, além dos
mineradores.
Entre as histórias sobre a abundância do mineral, moradores
antigos narram ter encontrado diamantes no papo de galinhas. Adultos
e crianças saíam às ruas depois de chover para
encontrar seixos que tivessem se desprendido das rochas. Verdade
ou não, essas histórias deram corpo à fama
de que os diamantes de Lençóis eram tantos que
dariam para calçar as ruas da cidade. No ufanismo popular,
surgiam mitos e lendas do diamante, também retratados na
obra.
Sem o brilho e o glamour do diamante, o carbonato, mineral de extrema
dureza e resistência, foi o último alento minerador
da Bahia. Logo vieram a lavoura de subsistência ou o completo
abandono de algumas localidades que, diz o livro, tornaram-se verdadeiras
cidades fantasmas, entre elas Estiva, atual Afrânio Peixoto,
e Xique-Xique do Andaraí, atual Igatu.
Quase toda a riqueza que a atividade mineradora produziu foi
drenada para fora do País ou esbanjada num consumismo imediatista,
não deixando sobra de capital ou estratégia montada
para se fazer frente às crises naturais e previsíveis
dos ciclos extrativistas. Detalhes sobre o coronelismo na
Bahia e a passagem da Coluna Prestes pela Chapada Diamantina enriquecem
o contexto histórico do capítulo.
Ecoturismo
Depois de uma série de conflitos entre garimpeiros e organismos
de proteção ambiental nos anos 80, o completo abandono
de máquinas e dragas de mineração, que tanto
alterava a paisagem natural, testemunhava que aquela era tinha,
afinal, chegado ao fim. Atualmente, a principal atividade econômica
da região baseia-se na agropecuária tradicional e
no turismo. No capítulo Caminhos da Chapada Diamantina,
um mapa de todos os atrativos naturais é um convite ao amante
dos esportes de aventura.
Lençóis, uma das portas de entrada à Chapada
Diamantina, ostenta uma arquitetura colonial vistosa, bons hotéis
e restaurantes e uma gama de ateliês de fotografia, escultura,
cerâmica e marcenaria, que proporciona um charme extra à
cidade, mostra o livro. Mucugê, onde aconteceu a febre dos
diamantes, é outra porta que dá acesso às belezas
naturais da Chapada.
A descrição dos passeios e atrações
desses locais turísticos inclui roteiros de ribeirões,
cascatas, cachoeiras, grutas, cavernas, praias, além de trekkings
e atrativos tradicionais, como a feira de Lençóis
e a comida típica. Em Lençóis, além
da tradicional culinária baiana, os segredinhos degustativos
da cidade podem ser saboreados na palma (cacto), picadinha e refogada,
ou ainda na batata-da-serra, um nabo que só existe por ali.
Tem também o arroz garimpeiro com arroz vermelho, o godó
de banana e o suco de mangaba, além das famosas cachaças
com frutas, como as de Abaira.
A
Chapada Diamantina: resultado da ação geológica
ao longo de bilhões de
anos, região apresenta vegetação marcada pela
heterogeneidade e uma rica diversidade da fauna
As pinturas rupestres encontradas em diversos sítios arqueológicos
da Chapada Diamantina estão ao abrigo de cavernas e paredões,
especialmente no vale do Impossível, nas proximidades de
João Correia, a sudeste da Serra do Sincorá, na gruta
dos Cosmos, no município de Central e também no Morro
do Chapéu. Na viagem rumo aos Caminhos do Futuro,
os textos são uma declaração de amor à
Chapada Diamantina. Admiração é parceira
da sustentabilidade. Pois admirar é justamente deixar o outro
ser tal qual é. E se encantar com isso. Só resta
dizer amém.
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