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Chapada Diamantina – Águas no sertão, de Wilson Teixeira e Roberto Linsker (organizadores), 160 páginas, R$ 50,00.



N
uma viagem panorâmica, a partir do litoral baiano rumo ao interior do Estado, um abrupto conjunto de planaltos, chapadas e escarpados se eleva na acidentada topografia nordestina, em picos montanhosos que chegam a 1.700 metros de altitude. Geologicamente caracterizada como um grande enrugamento da crosta terrestre, a Serra do Espinhaço se prolonga descontinuamente para o sul até o Estado de Minas Gerais. Semelhante ao que ocorre, por exemplo, nas áreas litorâneas do Estado de São Paulo, esse sistema rochoso provoca a precipitação de nuvens carregadas de chuva que vêm do Atlântico. Graças a isso, em pleno interior baiano, a natureza criou um oásis verde cercado de caatinga por todos os lados. Trata-se da Chapada Diamantina, região declarada parque nacional em 17 de setembro de 1985. Encravada na serra do Sincorá, a região de 110 quilômetros de perímetro e 1.520 quilômetros quadrados de área guardam atributos superlativos em beleza, riqueza e raridade natural.

Lugar habitado desde a pré-história, alvo da corrida ao ouro e ao diamante no século 18 e 19 e logo abandonado após o esgotamento dos recursos naturais, a redescoberta da Chapada Diamantina encontra eco na postura preservacionista do ambiente. Num momento em que o ecoturismo vem ajudando a florescer a vida econômica da região, nada mais oportuno que um livro-guia retratando esse complexo ecossistema.

O turista incauto, o curioso de plantão e qualquer amante da natureza vão se deslumbrar com o ensaio fotográfico de Roberto Linsker e Calil Neto em Chapada Diamantina – Águas no sertão, recém-lançado pela Terra Virgem Editora. Com conhecimentos científicos atualizados e linguagem acessível, o professor do Instituto de Geociências da USP e diretor da Estação Ciência da USP, Wilson Teixeira, em parceria com Linsker, organizou em 160 páginas informações sobre os aspectos geológico, biológico e humano da chamada “ilha verde”.

A Chapada Diamantina é o segundo parque nacional escolhido para integrar a coleção Tempos do Brasil, que na primeira edição retratou a ilha de Fernando de Noronha. A aventura prosseguirá com as riquezas naturais de Foz do Iguaçu, Itatiaia, Serra da Capivara e Bonito. “São locais de grande visitação pública e é importante transmitir a mensagem da preservação”, justifica Teixeira, idealizador da coleção.

Mitologia

Integrando parte dos municípios de Lençóis, Andaraí, Mucugê, Palmeiras e Ibicoara, o local hoje denominado Parque Nacional de Chapada Diamantina iniciou sua formação geológica há bilhões de anos, com a separação dos continentes sul-americano e africano. O resultado foi o embasamento cristalino composto de gnaisses e granitos, além das rochas sedimentares, que preponderam na Chapada.

Os belíssimos conglomerados de seixos multicoloridos de diversas rochas estão à volta principalmente nas cidades de Lençóis e Andaraí. Os calcários onde se formaram as famosas cavernas e grutas subterrâneas do lugar foram gerados a partir de mares que ocorreram ali no passado, especialmente na região das bacias dos rios Una e Paraguaçu.

As estruturas sedimentares e toda a diversidade de rochas estão retratadas de forma esquemática e didática. Como numa imaginária viagem, o leitor saberá as origens das condições ambientais que hoje deslumbram turistas em Abrolhos, na Bahia, e Atol das Rocas, em pleno Oceano Atlântico.

Nos caminhos do tempo geológico, o livro evoca a companhia de Plutão, Vulcano, Éolo, Netuno e Crono, deuses da mitologia greco-romana que simbolizam, respectivamente, os elementos terra, fogo, ar, água e tempo, personificações simbólicas das obras da natureza. A inspiração mitológica faz um paralelo entre ciência e filosofia e justifica a existência, nos dias atuais, de expressões como vulcanismo, plutonismo (processos originários do magma) e erosão eólica (aquela causada pelo vento), por exemplo.

Entre o mosaico de diferentes tempos e ambientes geológicos, o leitor saberá mais sobre os tipos de garimpos existentes e que os diamantes – que tanto movimento e status deram à região durante o ciclo minerador – têm origem nas profundezas da Terra e se formam a partir dos kimberlitos, rocha formada do magma vulcânico.

diversidade

Se há uma palavra que possa definir a cobertura vegetal da Chapada Diamantina, esta é heterogeneidade, afirma o capítulo “Caminhos do tempo biológico”. Num rastreio de alguns quilômetros, paisagens tão diferentes e até antagônicas encontram harmoniosa convivência por obra de um trabalho lento e cuidadoso da natureza. A presença de brejos e pantanais diamantinos permeados por terrenos mais secos de cerrados e caatingas só poderia resultar na diversidade das espécies.
Cristas-de-galo e tantos outros tipos de orquídeas, as flores do mandacaru (o grande cacto da caatinga), o lírio vermelho e o lírio d’água, a onze-horas e outras maravilhas típicas que encantam os olhos convivem com uma fauna igualmente diversa. Plantas e animais compõem uma sinfonia afinada, bem retratada no livro.

O encanto das cavernas está nesse capítulo. Nelas, apesar da pouca luz, vivem e se reproduzem espécies que incluem mamíferos, aves e invertebrados, entre eles morcegos, aranhas, escorpiões e baratas. Graças aos lençóis d’água freáticos isolados, o ambiente também é altamente propício à evolução de espécies de peixes e crustáceos, como pequenos bagres e camarõezinhos.



Bandeiras

Penetrar pelo sertão adentro da terra da Bahia foi a recomendação do rei D. João 3o a Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, destaca o livro. O regimento real, que passou a vigorar em 1549, foi o início da epopéia bandeirante de inúmeros aventureiros em busca de riquezas.

Gabriel Soares de Sousa e Belchior Dias Moreira foram os pioneiros que contornaram a paisagem surpreendente, perfilada por desfiladeiros profundos, rios engrunados e grandes chapadões. Mas a Chapada permaneceu desabitada até meados do século 17. A ocupação da borda norte e nordeste foi necessária para a expulsão dos holandeses. As batalhas, travadas às margens do rio Real até o São Francisco, desvendaram a região e permitiram a expulsão dos intrusos holandeses e um rápido processo de ocupação econômica por meio das sesmarias.

A leste, os índios maracás, hábeis guerreiros, eram os guardiões dos cobiçados vales férteis da serra do Orobó. Após sucessivas guerrilhas, foram derrotados pelos bandeirantes paulistas Estêvão Ribeiro Baião Parente e Brás Rodrigues Arzam, em 1671. A partir de então, glebas de terras próximas aos rios Jacuípe, Jequiriçá, Paraguaçu e Contas foram rapidamente ocupadas. A pecuária, no entanto, surtiu poucos reflexos na atividade econômica.

Mas, no século seguinte, o ouro se encarregaria do processo de fixação do homem na Chapada Diamantina. O local se tornou importante pólo de migração. As primeiras notícias sobre o ouro na Bahia chegaram à metrópole em 1701. A administração real tentou, por algum tempo, conter a “corrida ao ouro”, já que estava bem abastecida com as lavras de Minas Gerais. Mas a mineração clandestina tomou conta, inicialmente, dos rios Itapicuru e Rio de Contas Pequeno, atual Brumado.


Para a fiscalização da atividade mineradora criou-se a Intendência de Minas, além de uma série de cartas e regimentos sobre quem poderia fundir, testar, quintar e transformar o ouro em barras, que seriam marcadas com o selo real. “Antes que completasse um século de efervescência, a atividade aurífera da Chapada Diamantina entrou em decadência”, traz o livro.

Na primeira metade do século 19, a descoberta de grandes depósitos de diamantes no leito do rio Mucugê desencadeou nova corrida à região. A presença das “lavras diamantinas da Bahia”, nos municípios de Mucugê, Andaraí, Lençóis e Palmeiras, levou para essas cidades muitos funcionários públicos, mascates, geólogos, missões econômicas e naturalistas, além dos mineradores.

Entre as histórias sobre a abundância do mineral, moradores antigos narram ter encontrado diamantes no papo de galinhas. Adultos e crianças saíam às ruas depois de chover para encontrar seixos que tivessem se desprendido das rochas. Verdade ou não, essas histórias deram corpo à fama de que “os diamantes de Lençóis eram tantos que dariam para calçar as ruas da cidade”. No ufanismo popular, surgiam mitos e lendas do diamante, também retratados na obra.

Sem o brilho e o glamour do diamante, o carbonato, mineral de extrema dureza e resistência, foi o último alento minerador da Bahia. Logo vieram a lavoura de subsistência ou o completo abandono de algumas localidades que, diz o livro, tornaram-se verdadeiras cidades fantasmas, entre elas Estiva, atual Afrânio Peixoto, e Xique-Xique do Andaraí, atual Igatu.

“Quase toda a riqueza que a atividade mineradora produziu foi drenada para fora do País ou esbanjada num consumismo imediatista, não deixando sobra de capital ou estratégia montada para se fazer frente às crises naturais e previsíveis dos ciclos extrativistas.” Detalhes sobre o coronelismo na Bahia e a passagem da Coluna Prestes pela Chapada Diamantina enriquecem o contexto histórico do capítulo.

Ecoturismo

Depois de uma série de conflitos entre garimpeiros e organismos de proteção ambiental nos anos 80, o completo abandono de máquinas e dragas de mineração, que tanto alterava a paisagem natural, testemunhava que aquela era tinha, afinal, chegado ao fim. Atualmente, a principal atividade econômica da região baseia-se na agropecuária tradicional e no turismo. No capítulo “Caminhos da Chapada Diamantina”, um mapa de todos os atrativos naturais é um convite ao amante dos esportes de aventura.

Lençóis, uma das portas de entrada à Chapada Diamantina, ostenta uma arquitetura colonial vistosa, bons hotéis e restaurantes e uma gama de ateliês de fotografia, escultura, cerâmica e marcenaria, que proporciona um charme extra à cidade, mostra o livro. Mucugê, onde aconteceu a febre dos diamantes, é outra porta que dá acesso às belezas naturais da Chapada.

A descrição dos passeios e atrações desses locais turísticos inclui roteiros de ribeirões, cascatas, cachoeiras, grutas, cavernas, praias, além de trekkings e atrativos tradicionais, como a feira de Lençóis e a comida típica. Em Lençóis, além da tradicional culinária baiana, os segredinhos degustativos da cidade podem ser saboreados na palma (cacto), picadinha e refogada, ou ainda na batata-da-serra, um nabo que só existe por ali. Tem também o arroz garimpeiro com arroz vermelho, o godó de banana e o suco de mangaba, além das famosas cachaças com frutas, como as de Abaira.


A Chapada Diamantina: resultado da ação geológica ao longo de bilhões de
anos, região apresenta vegetação marcada pela heterogeneidade e uma rica diversidade da fauna


As pinturas rupestres encontradas em diversos sítios arqueológicos da Chapada Diamantina estão ao abrigo de cavernas e paredões, especialmente no vale do Impossível, nas proximidades de João Correia, a sudeste da Serra do Sincorá, na gruta dos Cosmos, no município de Central e também no Morro do Chapéu. Na viagem rumo aos “Caminhos do Futuro”, os textos são uma declaração de amor à Chapada Diamantina. “Admiração é parceira da sustentabilidade. Pois admirar é justamente deixar o outro ser tal qual é. E se encantar com isso.” Só resta dizer amém.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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