O campus da USP em Pirassununga:
hoje um centro de excelência, em sua origem foi uma instituição
de ensino técnico voltada para o desenvolvimento da agricultura
brasileira
No início da década de 40, a Escola
Prática de Agricultura de Pirassununga
instalada na grande fazenda onde hoje é o campus da USP naquela
cidade tinha um funcionário humilde, chamado Pedro
José de Almeida. Conhecido como Pedro Perna-de-Pau por não
ter uma perna, o servidor era destratado pelo diretor da instituição,
o professor Noé Dias Correa, que sempre se dirigia a ele
com palavras ásperas e humilhantes. Na época, a fazenda
abrigava 25 prisioneiros alemães, que faziam parte da tripulação
de um navio que tinha sido impedido de deixar o porto de Santos,
por causa dos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Mas a vida dos
alemães não era exatamente a de prisioneiros de guerra:
cada um dos detidos recebia 200 réis, enviados pelo governo
alemão através de um banco suíço. Com
esse dinheiro, os presos compravam comidas e bebidas sofisticadas
e se davam grandes banquetes diários, ao som da música
clássica alemã. Ao fim da comilança, os alemães
se dedicavam a um prolongado sono, embalados pela apreciada caninha
de Pirassununga.
Enquanto isso, os policiais que faziam a guarda dos prisioneiros
alemães comiam sempre a mesma comida fornecida pela escola.
Enjoados dela, pediram para o nosso Pedro Perna-de-Pau solicitar
ao diretor que fornecesse a eles uma bacalhoada mesmo porque
a Semana Santa estava chegando. Diga àqueles comilões
que não lhes darei nada. A lagoa tem peixe de sobra. E pode
ir embora, foi a resposta do professor Noé Correa.
Irritados, os policiais planejaram jogar o diretor na lagoa, sem
roupa, e obrigá-lo a pescar para eles. Pedro foi mais rápido:
informou a conspiração ao interventor Fernando Costa,
que morava na Escola Prática de Agricultura, criada por ele.
Imediatamente, por telefone, Costa pediu ao delegado da cidade a
troca dos policiais, salvando o diretor do vexame. Pedro acabou
ganhando uma perna mecânica da esposa do interventor, dona
Anita Costa, e passou a ser chamado de Pedro Perna-de-Borracha.
Essa é uma das histórias registradas no livro Campus
de Pirassununga da USP Memória e história,
de Teresa Cristina Teles e Zilda Márcia Grícoli Iokoi,
que acaba de ser lançado pela Editora da USP (Edusp). Com
216 páginas e 148 imagens, o livro conta a história
do maior campus da USP em terras contínuas com 2.300
hectares desde suas mais remotas origens, na década
de 40. Ele destaca a doação da área para a
USP, em 1957, feita pelo governador Jânio Quadros, quando
a escola passou a se chamar Instituto de Zootecnia e Indústrias
Pecuárias (Izip) e a ser administrada pela Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia. Em 1989, a área foi transformada
num campus autônomo que, três anos depois, abrigaria
a então recém-criada Faculdade de Zootecnia e Engenharia
de Alimentos (FZEA), hoje um centro de excelência nessa área
do conhecimento.
No final do volume, as autoras transcrevem depoimentos de 25 ex-funcionários,
professores e alunos que atuaram no campus desde os anos 40, entre
eles o de Arnaldo José Duarte contratado pela escola
em 1943, como auxiliar de escritório , que conta a
história de Pedro Perna-de-Pau. O resgate da memória
dessa instituição pode ser muito útil no momento
atual, uma vez que um número razoável de docentes
e de funcionários, na maioria jovens, além dos alunos,
desconhecem por completo essa história, afirma o professor
Marcus w wAntonio Zanetti, prefeito do campus de Pirassununga, que
assina o prefácio do livro. As autoras estão
de parabéns por terem conseguido levantar uma grande quantidade
de dados e de fotografias, que retratam com riqueza de detalhes
a história do campus.
Fernando
Costa
O campus da USP de Pirassununga deve sua origem ao interventor Fernando
Costa, nomeado para o cargo em 3 de junho de 1941 pelo presidente
Getúlio Vargas. Formado em Agronomia, Costa fora vereador
e prefeito daquela cidade, além de deputado estadual, secretário
estadual da Agricultura e ministro da Agricultura. Logo ao assumir
o posto de interventor, anunciou em entrevista ao jornal Folha da
Manhã: Começarei a administração
pela escola rural, para ensinar a preparar o solo, semear, cultivar,
colher e beneficiar, cuidar do gado, das abelhas, da horta, do pomar.
A promessa foi cumprida. Através do decreto 12.742, de junho
de 1942, Costa criou dez Escolas Práticas de Agricultura,
espalhadas pelo interior do Estado: Amparo, Araçatuba, Bauru,
Guaratinguetá, Itapetininga, Marília, Pirassununga,
Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José
do Rio Preto. As escolas foram concebidas como centros de
difusão de conhecimentos fundamentais à agricultura
racional, de incentivo à melhoria da produção
e do aperfeiçoamento dos processos da industrialização
agrícola regional e disseminadores de conhecimentos e práticas
necessárias ao saneamento e à profilaxia rural,
segundo as autoras do livro.
Das dez escolas previstas, cinco foram inauguradas em 1945: as de
Pirassununga, Ribeirão Preto, Guaratinguetá, Bauru
e Itapetininga. As outras cinco não foram concretizadas,
especialmente em razão da alteração da conjuntura
política nacional, pela presença do Brasil na Segunda
Guerra Mundial e pela crise do Estado Novo, escrevem Teresa
Teles e Zilda Iokoi. Elas informam que, para implantar os novos
institutos, o governo estadual adquiriu as terras e arcou com as
despesas da construção dos edifícios, cujos
projetos foram planejados com a intenção de promover
o equilíbrio entre o ensino teórico e a prática.
De acordo com as idéias de Costa, as áreas destinadas
às escolas deveriam ter entre 500 e 800 alqueires, com produção
e meios próprios de existência. A seção
de bovinos teria estábulos para 60 vacas cada um, pavilhões
para bezerros e touros e local para tratamento do leite. Na seção
de apicultura, haveria parques, plataformas e locais para colméias
cobertas e expostas, pavilhões para criação
de rainhas e laboratórios para o preparo de mel e de produtos
derivados, escrevem as autoras. A preocupação
com o corpo docente das escolas era central no desenvolvimento do
projeto. Para isso, foram preparados concursos para candidatos agrônomos,
veterinários e práticos dos diversos ramos da agricultura.
A seleção foi rigorosa e depois de aprovados os profissionais
fizeram estágios orientados por pesquisadores de cada área,
de modo a prepará-los para as atividades de ensino.
O corpo discente seria formado por alunos do meio rural, com idades
entre 15 e 25 anos. Ainda segundo o projeto de Costa, o estudante
deveria aprender fazendo e descobrir o porquê dos problemas
rurais. A parte teórica visaria apenas a consolidar
os conhecimentos adquiridos nos trabalhos práticos, considerando-se
que as escolas receberiam alunos heterogêneos, existindo entre
eles alfabetizados e semi-analfabetos, jovens que não haviam
freqüentado o primário ou o freqüentaram por pouco
tempo, registra o livro. Havia, portanto, duas horas
de aulas teóricas necessárias à compreensão
das aulas práticas a serem ministradas. A educação
física era obrigatória.
Fernando Costa não teve muito tempo para ver os frutos da
escola que criara. Ele morreu em 21 de janeiro de 1946 e a instituição
que fundara em Pirassununga passou a se chamar Escola Prática
de Agricultura Fernando Costa. Ainda nos anos 40, o governo federal
aprovou reformas no ensino, o que modificou a situação
das escolas técnicas de agricultura, destinadas, a partir
de então, apenas a alunos do ensino médio e superior.
Em 1956, a Escola Prática de Agricultura Fernando Costa foi
fechada.
Jânio
Quadros
O fechamento da escola não foi o fim da história da
grande instituição imaginada por Fernando Costa, porém.
Em 1957, o governador Jânio Quadros, que queria implantar
naquela área um presídio agrícola, mudou de
idéia e assinou o decreto de criação do Instituto
de Zootecnia e Indústrias Pecuárias (Izip)
depois denominado Centro Intraunidade de Zootecnia e Indústria
Pecuária (Cizip) , anexo à Faculdade de Medicina
Veterinária da USP. A possibilidade de abrigar os alunos
de 15 a 25 anos antes atendidos pela antiga Escola Prática
era o motivo central dessa novidade pedagógica, cujos cursos
de formação técnica deveriam abastecer o mercado
de trabalho com jovens que não tivessem chances de prosseguir
os estudos acadêmicos, destaca o livro. Mas também
um novo modelo de universidade ganhava espaço, adequando-se
à internacionalização da economia e ao avanço
das indústrias de fertilizantes, insumos agrícolas
e mesmo das de produção de alimentos, que se expandiam
pelo interior de São Paulo.
O livro destaca que os professores da Universidade temiam o enfraquecimento
da pesquisa, já que o nível técnico não
daria conta da produção de conhecimentos. Essa
polêmica opôs dois grupos e, de certo modo, marcou o
cotidiano da instituição, notam as autoras.
O curso técnico agrícola ministrado pela USP em Pirassununga
existiu até 1974. Em 1978, a Faculdade de Medicina Veterinária
criou o curso de Zootecnia, em que algumas disciplinas eram ministradas
na área da antiga Escola Prática de Agricultura.
A fase atual da USP de Pirassununga teve início em 1989,
na gestão do reitor José Goldemberg, quando o Conselho
Universitário aprovou a transformação daquela
área num campus autônomo. Em 1992, foi criada a Faculdade
de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), instalada em Pirassununga,
que passou a ser responsável pelo curso de Zootecnia implantado
pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia em 1978.
Dada a importância desse ramo, tanto para a economia
interna do País como para as crescentes exportações
brasileiras, a FZEA estruturou um curso de pós-graduação
em Zootecnia na área de Qualidade e Produtividade Animal,
iniciado em 1994 com nível de mestrado, e expandido em 2001
para o doutorado, informa o livro. A amplitude de seu
território e toda a infra-estrutura do campus permitem que
a FZEA se amplie ainda mais, adaptando-se ao novo modo de organização
da sociedade humana decorrente da globalização do
capital financeiro e da nova revolução industrial.
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