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Campus de Pirassununga da USP – Memória e história, de Teresa Cristina Teles e Zilda Márcia
Grícoli Iokoi, Edusp, 216 páginas.


O campus da USP em Pirassununga: hoje um centro de excelência, em sua origem foi uma instituição de ensino técnico voltada para o desenvolvimento da agricultura brasileira


N
o início da década de 40, a Escola Prática de Agricultura de Pirassununga

instalada na grande fazenda onde hoje é o campus da USP naquela cidade – tinha um funcionário humilde, chamado Pedro José de Almeida. Conhecido como Pedro Perna-de-Pau por não ter uma perna, o servidor era destratado pelo diretor da instituição, o professor Noé Dias Correa, que sempre se dirigia a ele com palavras ásperas e humilhantes. Na época, a fazenda abrigava 25 prisioneiros alemães, que faziam parte da tripulação de um navio que tinha sido impedido de deixar o porto de Santos, por causa dos conflitos da Segunda Guerra Mundial. Mas a vida dos alemães não era exatamente a de prisioneiros de guerra: cada um dos detidos recebia 200 réis, enviados pelo governo alemão através de um banco suíço. Com esse dinheiro, os presos compravam comidas e bebidas sofisticadas e se davam grandes banquetes diários, ao som da música clássica alemã. Ao fim da comilança, os alemães se dedicavam a um prolongado sono, embalados pela apreciada caninha de Pirassununga.

Enquanto isso, os policiais que faziam a guarda dos prisioneiros alemães comiam sempre a mesma comida fornecida pela escola. Enjoados dela, pediram para o nosso Pedro Perna-de-Pau solicitar ao diretor que fornecesse a eles uma bacalhoada – mesmo porque a Semana Santa estava chegando. “Diga àqueles comilões que não lhes darei nada. A lagoa tem peixe de sobra. E pode ir embora”, foi a resposta do professor Noé Correa. Irritados, os policiais planejaram jogar o diretor na lagoa, sem roupa, e obrigá-lo a pescar para eles. Pedro foi mais rápido: informou a conspiração ao interventor Fernando Costa, que morava na Escola Prática de Agricultura, criada por ele. Imediatamente, por telefone, Costa pediu ao delegado da cidade a troca dos policiais, salvando o diretor do vexame. Pedro acabou ganhando uma perna mecânica da esposa do interventor, dona Anita Costa, e passou a ser chamado de Pedro Perna-de-Borracha.

Essa é uma das histórias registradas no livro Campus de Pirassununga da USP – Memória e história, de Teresa Cristina Teles e Zilda Márcia Grícoli Iokoi, que acaba de ser lançado pela Editora da USP (Edusp). Com 216 páginas e 148 imagens, o livro conta a história do maior campus da USP em terras contínuas – com 2.300 hectares – desde suas mais remotas origens, na década de 40. Ele destaca a doação da área para a USP, em 1957, feita pelo governador Jânio Quadros, quando a escola passou a se chamar Instituto de Zootecnia e Indústrias Pecuárias (Izip) e a ser administrada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Em 1989, a área foi transformada num campus autônomo que, três anos depois, abrigaria a então recém-criada Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), hoje um centro de excelência nessa área do conhecimento.

No final do volume, as autoras transcrevem depoimentos de 25 ex-funcionários, professores e alunos que atuaram no campus desde os anos 40, entre eles o de Arnaldo José Duarte – contratado pela escola em 1943, como auxiliar de escritório –, que conta a história de Pedro Perna-de-Pau. “O resgate da memória dessa instituição pode ser muito útil no momento atual, uma vez que um número razoável de docentes e de funcionários, na maioria jovens, além dos alunos, desconhecem por completo essa história”, afirma o professor Marcus w wAntonio Zanetti, prefeito do campus de Pirassununga, que assina o prefácio do livro. “As autoras estão de parabéns por terem conseguido levantar uma grande quantidade de dados e de fotografias, que retratam com riqueza de detalhes a história do campus.”

Fernando Costa

O campus da USP de Pirassununga deve sua origem ao interventor Fernando Costa, nomeado para o cargo em 3 de junho de 1941 pelo presidente Getúlio Vargas. Formado em Agronomia, Costa fora vereador e prefeito daquela cidade, além de deputado estadual, secretário estadual da Agricultura e ministro da Agricultura. Logo ao assumir o posto de interventor, anunciou em entrevista ao jornal Folha da Manhã: “Começarei a administração pela escola rural, para ensinar a preparar o solo, semear, cultivar, colher e beneficiar, cuidar do gado, das abelhas, da horta, do pomar”.

A promessa foi cumprida. Através do decreto 12.742, de junho de 1942, Costa criou dez Escolas Práticas de Agricultura, espalhadas pelo interior do Estado: Amparo, Araçatuba, Bauru, Guaratinguetá, Itapetininga, Marília, Pirassununga, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. “As escolas foram concebidas como centros de difusão de conhecimentos fundamentais à agricultura racional, de incentivo à melhoria da produção e do aperfeiçoamento dos processos da industrialização agrícola regional e disseminadores de conhecimentos e práticas necessárias ao saneamento e à profilaxia rural”, segundo as autoras do livro.



Das dez escolas previstas, cinco foram inauguradas em 1945: as de Pirassununga, Ribeirão Preto, Guaratinguetá, Bauru e Itapetininga. “As outras cinco não foram concretizadas, especialmente em razão da alteração da conjuntura política nacional, pela presença do Brasil na Segunda Guerra Mundial e pela crise do Estado Novo”, escrevem Teresa Teles e Zilda Iokoi. Elas informam que, para implantar os novos institutos, o governo estadual adquiriu as terras e arcou com as despesas da construção dos edifícios, cujos projetos foram planejados com a intenção de promover o equilíbrio entre o ensino teórico e a prática.

De acordo com as idéias de Costa, as áreas destinadas às escolas deveriam ter entre 500 e 800 alqueires, com produção e meios próprios de existência. “A seção de bovinos teria estábulos para 60 vacas cada um, pavilhões para bezerros e touros e local para tratamento do leite. Na seção de apicultura, haveria parques, plataformas e locais para colméias cobertas e expostas, pavilhões para criação de rainhas e laboratórios para o preparo de mel e de produtos derivados”, escrevem as autoras. “A preocupação com o corpo docente das escolas era central no desenvolvimento do projeto. Para isso, foram preparados concursos para candidatos agrônomos, veterinários e práticos dos diversos ramos da agricultura. A seleção foi rigorosa e depois de aprovados os profissionais fizeram estágios orientados por pesquisadores de cada área, de modo a prepará-los para as atividades de ensino.”



O corpo discente seria formado por alunos do meio rural, com idades entre 15 e 25 anos. Ainda segundo o projeto de Costa, o estudante deveria aprender fazendo e descobrir o porquê dos problemas rurais. “A parte teórica visaria apenas a consolidar os conhecimentos adquiridos nos trabalhos práticos, considerando-se que as escolas receberiam alunos heterogêneos, existindo entre eles alfabetizados e semi-analfabetos, jovens que não haviam freqüentado o primário ou o freqüentaram por pouco tempo”, registra o livro. “Havia, portanto, duas horas de aulas teóricas necessárias à compreensão das aulas práticas a serem ministradas. A educação física era obrigatória.”

Fernando Costa não teve muito tempo para ver os frutos da escola que criara. Ele morreu em 21 de janeiro de 1946 e a instituição que fundara em Pirassununga passou a se chamar Escola Prática de Agricultura Fernando Costa. Ainda nos anos 40, o governo federal aprovou reformas no ensino, o que modificou a situação das escolas técnicas de agricultura, destinadas, a partir de então, apenas a alunos do ensino médio e superior. Em 1956, a Escola Prática de Agricultura Fernando Costa foi fechada.

Jânio Quadros

O fechamento da escola não foi o fim da história da grande instituição imaginada por Fernando Costa, porém. Em 1957, o governador Jânio Quadros, que queria implantar naquela área um presídio agrícola, mudou de idéia e assinou o decreto de criação do Instituto de Zootecnia e Indústrias Pecuárias (Izip) – depois denominado Centro Intraunidade de Zootecnia e Indústria Pecuária (Cizip) –, anexo à Faculdade de Medicina Veterinária da USP. “A possibilidade de abrigar os alunos de 15 a 25 anos antes atendidos pela antiga Escola Prática era o motivo central dessa novidade pedagógica, cujos cursos de formação técnica deveriam abastecer o mercado de trabalho com jovens que não tivessem chances de prosseguir os estudos acadêmicos”, destaca o livro. “Mas também um novo modelo de universidade ganhava espaço, adequando-se à internacionalização da economia e ao avanço das indústrias de fertilizantes, insumos agrícolas e mesmo das de produção de alimentos, que se expandiam pelo interior de São Paulo.”

O livro destaca que os professores da Universidade temiam o enfraquecimento da pesquisa, já que o nível técnico não daria conta da produção de conhecimentos. “Essa polêmica opôs dois grupos e, de certo modo, marcou o cotidiano da instituição”, notam as autoras. O curso técnico agrícola ministrado pela USP em Pirassununga existiu até 1974. Em 1978, a Faculdade de Medicina Veterinária criou o curso de Zootecnia, em que algumas disciplinas eram ministradas na área da antiga Escola Prática de Agricultura.


A fase atual da USP de Pirassununga teve início em 1989, na gestão do reitor José Goldemberg, quando o Conselho Universitário aprovou a transformação daquela área num campus autônomo. Em 1992, foi criada a Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), instalada em Pirassununga, que passou a ser responsável pelo curso de Zootecnia implantado pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia em 1978. “Dada a importância desse ramo, tanto para a economia interna do País como para as crescentes exportações brasileiras, a FZEA estruturou um curso de pós-graduação em Zootecnia na área de Qualidade e Produtividade Animal, iniciado em 1994 com nível de mestrado, e expandido em 2001 para o doutorado”, informa o livro. “A amplitude de seu território e toda a infra-estrutura do campus permitem que a FZEA se amplie ainda mais, adaptando-se ao novo modo de organização da sociedade humana decorrente da globalização do capital financeiro e da nova revolução industrial.”


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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