Moradora
do Conjunto Residencial da USP (Crusp) desde 2003, a estudante de
Letras Priscila da Silva Santos conta que em algumas ocasiões
em que estava sozinha à noite no campus foi abordada por
integrantes da Guarda Universitária alertando-a para não
repetir esse comportamento. Sempre achei que era uma preocupação
excessiva deles, mas agora vejo que não é, diz
a estudante. Quando entrei na USP, eu não tinha medo,
mas de uns tempos para cá percebi que estou ficando com medo
de voltar sozinha das aulas, revela Priscila cujas
disciplinas são ministradas, sempre à noite, nas Faculdades
de Educação e de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas e no Instituto de Geociências.
As preocupações com a segurança voltaram a
crescer entre a comunidade uspiana depois da divulgação
do caso de estupro de uma estudante ocorrido no dia 3 de março.
A aluna, de 21 anos, retornava de seu estágio por volta de
22h30 e entrou no campus pelo portão da Fepasa. A caminho
do Conjunto Residencial da USP (Crusp), foi abordada nas proximidades
do Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp) por um homem que
dizia estar armado e a obrigou a pular o portão 17, cometendo
o crime a seguir. A USP está acompanhando a investigação,
a cargo da 3ª Delegacia de Defesa da Mulher, que divulgou retrato
falado do suspeito (veja na página ao lado). Procurada pelo
Jornal da USP, a delegada Maria Cristina Mazzarello alegou não
ter autorização da Delegacia Seccional Oeste para
falar sobre o caso. A última ocorrência de estupro
no campus havia sido registrada em 2003.
Falta de iluminação e excesso de mato em algumas áreas
são as principais queixas dos moradores do Crusp em relação
às brechas abertas para a insegurança no campus. Um
dos maiores alvos de reclamações é o portão
da Fepasa, junto à ponte Cidade Universitária e que
dá acesso à avenida Professor Mello Moraes. Muitos
estudantes entram por ali porque utilizam o trem. Aos finais de
semana, os ônibus urbanos não circulam no campus, e
também é reduzido o número de circulares internos.
A gente fica num impasse: à noite é mais perigoso
ficar esperando o ônibus no ponto ou voltar a pé?,
pergunta a estudante Priscila Santos.
O que pega mesmo é o caminho até
as moradias, diz Taís Cunha, estudante de Ciências
Sociais e membro da diretoria da Associação de Moradores
do Crusp (Amorcrusp). Não dá para arranjar um
segurança ou alguém que esteja sempre
junto, porque temos horários de aula e de trabalho diferentes.
Acabamos andando sozinhas e ficamos suscetíveis a situações
de risco, avalia. A Amorcrusp tem promovido, com o Diretório
Central dos Estudantes (DCE) da USP, debates sobre a segurança
no campus particularmente a violência contra a mulher
, nos quais têm surgido propostas como a criação
de um contingente feminino na Guarda Universitária, a realização
de mais rondas nas proximidades do Crusp e a permissão para
que as linhas urbanas circulem no campus aos finais de semana, passando
pelo portão da Fepasa e com ponto final nos arredores da
moradia.
Adilson
Carvalho: A violência está em todo lugar
Controle
A Cidade Universitária tem mais de 3,5 milhões de
metros quadrados, possui muitos pontos com densa vegetação
e outros cuja topografia não é favorável para
vigilância e monitoramento, especialmente à noite.
O fluxo diário de pessoas no campus é de 70 mil a
120 mil dependendo da época do ano e pelas
suas portarias passam cerca de 1.800 veículos por hora, das
5 horas até a meia-noite. Se na época da sua implantação,
nas décadas de 1950 e 1960, ficava numa região isolada,
a área hoje foi engolfada por vários bairros e é
afetada pelos mesmos problemas que afligem o entorno, a complicada
São Paulo. A USP não é um oásis
nem uma ilha. A violência está em todo lugar, e aqui
não seria diferente. Gostaria que fosse, mas não é
possível, ainda mais com essa permeabilidade para entrar,
diz o prefeito do Campus da capital, professor Adilson Carvalho.
O prefeito se refere às dez portarias da Cidade Universitária,
sendo quatro delas com entrada para carros (incluindo a do Instituto
Butantan) e as demais somente para pedestres. Nelas, na maior parte
do tempo não se pede identificação para quem
entra. De acordo com Carvalho, é exatamente essa falta de
controle um dos problemas que dificultam a ação da
segurança. É por essa razão, aliás,
que os ônibus urbanos não circulam no campus aos finais
de semana. Quando entra um ônibus, ele entra com tudo
e todos que estão dentro, e não vale a pena arriscar,
diz.
Há três semanas, um estudante foi ferido à bala,
sem gravidade, numa tentativa de assalto na saída de uma
festa numa das unidades. Naquela sexta-feira estavam acontecendo
seis festas no campus, com mais de mil pessoas circulando até
de madrugada. Além dessa tentativa de assalto, tivemos um
furto e várias depredações, contabiliza
Carvalho. Não é fácil prover segurança
nessas condições. Estamos fazendo o máximo
possível, mas não dá para achar que vamos ter
uma USP imaculada, sem influência nenhuma das coisas que estão
em volta.
Ronaldo Pena, diretor de Operações e Vigilância
da Prefeitura do Campus da Capital, concorda. O controle de
acesso é o calcanhar de Aquiles para a segurança,
diz. A comunidade não é afeta a esses procedimentos.
Toda vez que colocamos isso em jogo, somos questionados. Mas não
há possibilidade de vigiar adequadamente pontos de risco
se não há controle sobre eles. Com mais controle,
temos margens de risco reduzidas.
O retrato falado do estuprador, feito pela polícia
Recomendações
Para Ronaldo Pena, a USP fez a lição de casa
e profissionalizou a segurança. Em 1998 foi elaborado
um diagnóstico dos problemas da área, e o plano começou
a ser implantado no ano seguinte. A proposta se baseava no tripé
tecnologia, recursos humanos e metodologia de aplicação.
Temos o único modelo de segurança comunitária
numa universidade brasileira, e aplicamos um programa que levou
cinco anos para ser deglutido culturalmente pelo grupo, diz
Pena. Entre as medidas adotadas está a comunicação
de todos os pontos, a instalação de alarmes e o treinamento
dos guardas e vigias. Também foi elaborada uma cartilha com
cuidados e recomendações especiais para as mulheres,
além de serem realizadas campanhas educativas.
A cartilha recomenda, entre outros procedimentos, que as estudantes
não se desloquem desacompanhadas à noite e que, chegando
ou saindo nesse horário, solicitem acompanhamento de um guarda
ou transporte até a moradia ou a estação de
trem. Um carro da empresa terceirizada contratada pela USP fica
estacionado entre o portão da Fepasa e a entrada principal
e pode ser usado para esse fim, exemplifica Pena. Aos finais de
semana, são feitos de 40 a 50 transportes de estudantes até
o Crusp.
Mais de 700 homens fazem a segurança no campus do Butantã.
A Guarda Universitária conta com 64 integrantes e tem a responsabilidade
técnica pelo patrulhamento. É como se fosse
uma versão da Guarda Municipal, para estabelecer condições
preventivas, dar atendimento mais ágil à segurança
interna e fazer encaminhamento das ocorrências, explica
Pena. Esse efetivo, na avaliação de Pena e de Carvalho,
é suficiente, mas não é o ideal.
A Prefeitura pleiteia à Reitoria o aumento do número
de agentes. Além deles, há cerca de 400 vigias nas
unidades e outros 250 vigilantes terceirizados, que atuam nos bolsões
de estacionamento, fazendo serviço motorizado e controle
dos portões.
Câmeras
O monitoramento por câmeras é o passo seguinte do plano
de segurança. O projeto já estava pronto no final
de 2005, mas foi cancelado devido a problemas técnicos na
formulação do edital. Ao assumir a Prefeitura, no
início deste ano, Adilson Carvalho optou por fazer mudanças
no perfil da tecnologia a ser utilizada. As câmeras serão
interligadas por fibra ótica, aproveitando que o campus já
possui alguns backbones (redes de alta velocidade formadas por linhas
de comunicação e hardware de transmissão e
recepção). Para as regiões internas, os sinais
serão emitidos para postes onde haverá o sistema de
transmissão sem fio. Técnicos do Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares (Ipen) estão auxiliando na
montagem do projeto, cuja finalização estava prevista
para o final da semana passada (após o fechamento desta edição).
A rede será formada por cerca de 70 câmeras, e a sua
implementação terá um custo de aproximadamente
R$ 1,5 milhão. O novo edital deve ser lançado em três
a quatro semanas e, se o processo andar normalmente sem recursos
nem impugnações , o sistema poderá entrar
em funcionamento no final do primeiro semestre ou no início
do segundo. Para Adilson Carvalho, o projeto é mais abrangente
do que o elaborado anteriormente e permite adaptações
futuras, não ficando estanque em relação aos
avanços tecnológicos. O controle das imagens será
realizado na nova central de operações de vigilância,
que ficará num prédio em construção
na Prefeitura do campus, que vai abrigar também um pelotão
da Polícia Militar.
O prefeito alerta, entretanto, que a colocação de
um sistema de monitoramento remoto não pode ser visto
como a solução de todos os problemas da USP.
Tanto é verdade, argumenta, que condomínios e bancos
continuam sofrendo assaltos, mesmo com todos os aparatos que
possuem. Essa é mais uma ferramenta extremamente
útil para a prevenção e a segurança,
mas que não se completa sozinha, e sim se soma a um conjunto
de recursos que venham a convergir para a segurança máxima
do campus, afirma.
Adilson Carvalho e Ronaldo Pena são unânimes ao defender
que o envolvimento da comunidade universitária é fundamental
para a redução das ocorrências. Só
conseguiremos diminuir riscos na medida em que ampliarmos a conscientização
da comunidade. Não é possível estabelecer um
plano de segurança em que só uma instituição
assuma essa tarefa, diz Pena. O diretor de Operações
sugere que as unidades reúnam os alunos para falar sobre
questões de segurança interna e para comunicá-los
dos procedimentos. Seria importante que as unidades realmente
participassem da Câmara Técnica de Segurança
do Conselho do Campus da Capital como fórum de debate sobre
essas questões. O ideal seria que as unidades levantassem
seus problemas e estivessem mais próximas da execução
dos serviços de segurança, para aprimorá-los,
afirma.
O prefeito Carvalho endossa: A comunidade precisa se colocar
um pouco mais ao lado da Prefeitura, e não ser só
crítica do sistema. Temos limitações, nossa
Guarda Universitária não tem poder de polícia,
não é uma unidade paramilitar, não anda armada,
e nem queremos que ande. É preciso ter uma colaboração
mais estreita da comunidade com a segurança, particularmente
com a Guarda.
Circular
Adilson Carvalho acredita que, de maneira geral, a iluminação
do campus não é ruim, mas tem deficiências em
locais onde as árvores cresceram e acabaram encobrindo as
lâmpadas. O pessoal das áreas elétrica,
de vigilância e de parques e jardins da Prefeitura do campus
está fazendo um levantamento das áreas com problemas
mais prementes e vai fazer um mutirão para pequenas podas
e retirada de galhos em árvores que estejam atrapalhando
a luz, diz Carvalho. No curto prazo, a iluminação
será melhorada em áreas identificadas como mais carentes,
como o trecho entre a Escola de Comunicações e Artes
(ECA) e a Praça do Relógio. No médio prazo,
prevê-se a substituição dos postes de 12 metros
de altura para postes menores, de nove ou até de seis metros.
Outra medida em estudo é a criação de rotas-padrão
para deslocamento dos alunos à noite: algumas vias receberiam
iluminação e atenção especiais, com
a recomendação de que só se transitasse por
elas, sem a utilização de atalhos ou outros
caminhos menos iluminados ou movimentados.
Em relação aos ônibus circulares, o prefeito
diz que as reclamações têm fundamento, mas o
problema também está sendo atacado. No momento operam
seis veículos, que precisam rodar ininterruptamente e por
isso não passam por manutenção. Na semana passada,
por exemplo, três ônibus pararam por problemas mecânicos.
A situação deve melhorar porque dois veículos
já comprados serão entregues em maio e foi aberta
licitação para o conserto de outros cinco que estão
com o motor fundido. Em cerca de um mês teremos uma
frota suficiente para atender à demanda. Até lá,
funcionaremos precariamente, diz Carvalho.
Em
caso de emergência, contatos com a Guarda Universitária
devem ser feitos pelos telefones 3091-4222 e 3091-3222. Mais informações:
www.usp.br/vigilancia
Campus
também sofre com trânsito
Excesso
de velocidade, motoristas sem cinto de segurança, veículos
com objetos de valor e sem portas travadas nos estacionamentos:
esses são alguns dos problemas de trânsito enfrentados
na Cidade Universitária, onde somente no ano passado
foram registrados 120 acidentes, 21 deles com vítima.
A situação é agravada por alguns complicadores
atualmente, por exemplo, com as obras nas pistas da
Marginal Pinheiros, aumentou o número de veículos
que utilizam o campus para fugir dos engarrafamentos. No
ano passado, tivemos um acidente com três carros capotados
na Rua do Matão. Um estava descendo a 125 quilômetros
por hora, diz Ronaldo Pena. Já tivemos
casos de atropelamento com morte. Muitos motoristas, quando
entram no campus, não tomam os cuidados que tomam fora.
A instalação de lombadas e faróis foi
uma tentativa de minimizar os problemas, mas, como a conscientização
e a educação dos motoristas não parecem
ter aumentado muito os pedestres que o digam ,
a violação das leis e da civilidade no trânsito
segue rotineira. Multar os infratores seria uma forma de coibir
os abusos, mas a USP enfrenta impedimentos legais para implantar
a prática.
As ruas do campus não estão no cadastro de logradouros
da Prefeitura de São Paulo, porque são vias
internas e não existem do ponto de vista do Município.
Há anos se vem tentando negociar com os órgãos
municipais opções como o cadastramento do endereço
das portarias, multando os infratores a partir dessa referência.
Se isso vier a ocorrer, ainda haverá o problema de
quem vai aplicar a multa: a Guarda Universitária não
tem poder de polícia, e então seria necessário
que os agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego
(CET), que é municipal, assumissem a função
nas vias de uma autarquia estadual. Esta é a terceira
gestão de uma Prefeitura do campus a tentar soluções
para o problema.
Também está em andamento uma negociação
com as federações que representam os ciclistas
do Estado de São Paulo. A USP pretende liberar a utilização
do campus para treino de ciclistas federados entre as 5 horas
e 6h30 nos dias úteis. Por meio da Consultoria
Jurídica da USP, estamos tentando estabelecer um termo
de conduta para que esse pessoal assine, fazendo com que as
federações respondam juridicamente em caso de
qualquer problema, explica Carvalho. O termo ainda não
pode ser firmado porque há uma ação de
um grupo de ciclistas contra a USP
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