Eu estou triste. Eu sinto que o futuro é sem esperança
e que as coisas não podem melhorar. Eu estou cheia e insatisfeita
com tudo. Eu sou um completo fracasso como pessoa. Eu sou culpada,
estou sendo punida. Eu gostaria de me matar.... Esse é um
dos trechos iniciais da peça 4.48 Psicose, escrita pela dramaturga
contemporânea Sarah Kane pouco antes de se suicidar, aos 28
anos, na clínica onde estava internada. E também o
texto escolhido pelo diretor Fernando Rodrigues para concluir seu
curso no Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP, que ganhou tradução de Laerte
Mello, e com estréia nesta sexta.
Apesar da morte precoce, a relevância da dramaturgia de Sarah
Kane foi conquistando diretores e atores e também um público
numeroso, consagrando-a no cenário mundial. Seus primeiros
textos repletos de imagens agressivas e chocantes
foram recebidos com ressalva. Por exemplo, Blasted, sua estréia
como dramaturga em 1995, que traça um paralelo entre Londres
e Bósnia, foi avaliada pelos críticos como uma obra
repugnante e obscena. O sucesso mesmo veio com Crave,
publicada sob o pseudônimo de Marie Kelvendon, uma herança
maldita deixada por Blasted como definiu a crítica
da época.
Já sua última peça, 4.48 Psicose, traz a mente
confusa, os desejos truncados, a alienação causada
pelos remédios (a autora foi internada por duas vezes em
hospitais psiquiátricos) e as diversas vozes que competem
para alcançar o primeiro plano. Nessa montagem, essas vozes
estão fragmentadas em quatro uma narrada, uma projetada
em telão e as das duas atrizes (Laís Marques e Katia
Lazarini) , e, como um fluxo de consciência contínuo,
traduzem memórias, depoimentos, delírios e alucinações.
Sem uma narrativa linear, as cenas mostram o caos de uma mente desestabilizada,
a melancolia, a depressão, a esquizofrenia, a loucura. Segundo
o diretor, é o texto mais radical de Sarah Kane, uma obra
transgressora cheia de subjetividade e livre para diversas interpretações.
É um enigma, que fala sobre a fragmentação
do homem contemporâneo, complementa.
O cenário, que lembra uma redoma construída com tecidos
brancos, está dividido em dois territórios, onde as
atrizes ficam a 30 cm e 1,5 metro do palco, e com figurinos em branco
e também em preto para mostrar essa dicotomia dos pensamentos.
Antagonismo presente ainda na iluminação, que utiliza
um jogo de luz e sombra, e na trilha sonora original, criada especialmente
para o espetáculo por Dudu Tsuda (especialista em composição
para cena). Tudo para falar da dor através de uma poesia
dilacerada.
A peça
4.48 Psicose, com a Cia. Teatro Líquido e direção
de Fernando Rodrigues, estréia nesta sexta e faz temporada
até 7 de maio, com apresentações sextas e sábados,
às 21h, e domingos, às 20h, no Teatro Laboratório
da ECA/USP (av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215, Cidade Universitária,
tel. 3091-4376). A entrada é franca, com retirada de ingressos
uma hora antes.
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