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Com a entrada em funcionamento da plataforma P-50, na Bacia de Campos, Rio de Janeiro, o Brasil tornou-se um dos poucos países auto-suficientes em petróleo. O anúncio, muito comemorado, foi feito no dia 21 de abril. Mas essa grande conquista é resultado de uma vitória anterior: o domínio pela Petrobras das técnicas de extração de petróleo em águas profundas, já que a maior parte das reservas brasileiras se encontra no mar, a grandes profundidades. Essa tecnologia, chamada de off-shore (fora da costa), fez grandes avanços no Brasil e foi desenvolvida graças ao trabalho de inúmeros centros de pesquisas e universidades do País, incluindo a USP. A autonomia coloca o Brasil numa situação de razoável conforto, mas impõe novos desafios e questões, como a definição de uma política de preços para o petróleo nacional e a decisão sobre o que fazer com o excedente da produção.

fotos: Francisco Emolo

Nishimoto: “A nova tecnologia de águas ultraprofundas saiu deste laboratório”

Apesar de a auto-suficiência já ser, por si só, uma grande conquista, ela é apenas um estágio do processo, já que a curva da produção deverá continuar subindo. Segundo o professor Edmilson Moutinho dos Santos, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP, as duas últimas plataformas que foram colocadas em funcionamento, a P-50 e a P-51, estão localizadas no campo de Albacora, descoberto nos anos 80. Outros campos descobertos posteriormente, como o de Roncador e os do Espírito Santo, ainda nem começaram a ser explorados de forma sistemática.


Menegheni no canal de água circulante: estudos sobre viabilidade de plataformas

O cenário joga o Brasil diante de uma grande questão: o que fazer com esse excedente? De um lado, existe a idéia de guardar esse produto e deixá-lo para as gerações futuras. De outro, o impulso de continuar produzindo mais e mais, gerando uma renda que também é importante para o País. Por mais que a idéia de preservar as reservas seja simpática, Moutinho explica que se deve levar em conta que boa parte do ganho com petróleo vai para o governo – seja porque ele é dono da Petrobras ou porque recebe tributos – e, como o País está endividado, talvez a melhor estratégia seja pegar esses recursos excedentes e usá-los para abater dívidas. Ele concorda que, com isso, em 10 ou 20 anos essas reservas não estarão mais disponíveis, mas considera que, até lá, “poderemos ter aliviado o sistema econômico de tal forma que as outras gerações possam escolher outras estratégias ou gastar em recursos mais caros”.

Modernizar as refinarias – Outro dilema que se coloca ao País diz respeito à baixa qualidade do petróleo produzido aqui. Hoje, a demanda nacional por petróleo é de 1,8 milhão de barris por dia, enquanto a produção, com a entrada em operação da P-50, deverá fechar o ano com uma média diária em torno de 1,9 milhão de barris. Apesar disso, o País é obrigado a importar o óleo de melhor qualidade que vem do exterior. A maior parte do petróleo produzido no Brasil é “pesada”, ou seja, de qualidade inferior.

Moutinho explica que, como boa parte das refinarias nacionais foi construída na época em que o País era grande importador de petróleo, elas foram projetadas para refinar óleos mais “leves”. Para deixar de importar, o Brasil teria que modernizar e adaptar as refinarias existentes, o que exigiria altos investimentos. “A Petrobras ganha muito dinheiro na produção, é difícil ela tirar um dólar da construção de uma plataforma e colocar na modernização da refinaria”, explica Moutinho. Segundo ele, a solução é o governo criar condições para que outras empresas interessadas venham investir em refinarias no Brasil. Mas, para que isso seja economicamente interessante, o preço do petróleo nacional deve estar sempre equiparado ao internacional, o que é uma questão discutida desde o anúncio da auto-suficiência.

Equiparar os preços vai contra as expectativas do consumidor brasileiro, para quem a auto-suficiência deve fazer com que baixem os preços do petróleo e de derivados como a gasolina. Mas Moutinho diz que isso dificilmente acontecerá. “Por que a Petrobras venderia mais barato no mercado nacional se há alguém disposto a pagar mais caro lá fora?”, questiona. Ele acrescenta que baixar os preços só vai fazer com que se consuma mais e as reservas acabem mais rapidamente. “Não é uma boa política beneficiar o consumidor de hoje. É melhor coletar os tributos e usar esses recursos para ganhar mais eficiência”, avalia, destacando a necessidade de desenvolver tecnologias que diminuam o desperdício de energia, ainda alto no Brasil.


Visualização tridimensional de plataforma: ferramenta de análise gerada a partir dos cálculos realizados pelo Tanque de Provas Numérico da Poli

Marco simbólico – Na opinião do professor Paulo Seleghim Júnior, do Laboratório de Engenharia Térmica em Fluidos da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, atingir a auto-suficiência na produção de petróleo representa para o Brasil apenas um marco simbólico. “Este é um fato importante porque representa um trabalho de décadas. Mas não quer dizer, por exemplo, que o País vai parar de importar óleo ou derivados de petróleo. Não é propriamente um turning point, algo como ‘daqui pra frente tudo vai ser diferente’, como dizia o Roberto Carlos”, compara o professor. É preciso lembrar, diz Seleghim, que a matriz energética brasileira é diferente daquela que o País consome e por isso não será possível, no momento, parar de importar óleo diesel. “Extraímos muito mais gasolina do que diesel do nosso petróleo, porque a reserva brasileira é majoritariamente de óleos pesados e ultrapesados. Não temos tecnologias para produzir diesel para as necessidades de consumo porque as tecnologias desenvolvidas no exterior são próprias para óleos leves, que são mais comuns lá fora”, afirma.

O Brasil atingiu uma auto-suficiência relativa nesse setor, avalia Seleghim. “É preciso ressaltar que o País não domina ainda diversas tecnologias em etapas importantes do processo de produção e extração do petróleo, como refino e transporte, por exemplo.” O professor acredita que o Brasil só alcançou esse patamar na sua produção de petróleo devido ao baixo crescimento da atividade econômica. “Desse ponto de vista, esse marco nem é assim tão positivo. Nos próximos dois anos, por exemplo, se o Brasil crescer muito mais do que sua capacidade de produção, deixará de ser auto-suficiente. Em outras palavras, só alcançamos a auto-suficiência neste momento porque a economia do País não cresceu”.

Décadas de pesquisas – Seja como for, as vitórias da Petrobras na área de produção de petróleo não se deram ao acaso. Elas são resultado de décadas de trabalho e parcerias entre a empresa e centros de pesquisa brasileiros – entre eles a USP –, que tiveram um importante papel na conquista da auto-suficiência. “Sem as parcerias a Petrobras não teria alcançado esses recordes de produção de petróleo em águas profundas, porque isso envolve muita inovação”, avalia o professor Julio Meneghini, do Núcleo de Dinâmica e Fluidos (NDF) da Escola Politécnica da USP. Criado em 2003, o núcleo desenvolve estudos em diversas áreas, incluindo a extração de petróleo. A especialidade do laboratório é a análise das vibrações dos risers (dutos que transportam o petróleo para a superfície), causadas pelas ondas e pelas correntes e que encurtam a vida útil dos dutos. Esse fenômeno é conhecido como Vibração Induzida por Vórtices (VIV).

Meneghini reconhece também a extrema importância desse tipo de parceria para a Universidade. “É fundamental. Sem essas parcerias a gente não conseguiria fazer nada”, conta. Ele justifica que esses estudos envolvem grandes investimentos. “Foram mais de R$ 3 milhões para criar este laboratório”, estima, ressaltando a contribuição de órgãos de fomento à pesquisa.

A poucos metros do NDF, ainda no Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli, encontra-se um outro laboratório que teve considerável participação nas recentes conquistas da Petrobras. O Tanque de Provas Numérico (TPN), criado em 2002, permite simulações matemáticas de estruturas flutuantes de produção de petróleo e gás. A criação do tanque colocou o Brasil entre os países que lideram pesquisas simuladas na construção de plataformas petrolíferas. Segundo o professor Kazuo Nishimoto, coordenador-geral do projeto, as últimas plataformas da Petrobras, incluindo a P-50 e a P-51, passaram pela análise do simulador.

O professor Nishimoto, que já desenvolveu outros projetos em parceria com a empresa, recebeu em 2005 o Prêmio Inventor da Petrobras, geralmente cedido apenas para funcionários. O prêmio foi um reconhecimento a uma concepção totalmente nova de plataforma flutuante de produção de petróleo para águas ultraprofundas, batizada de MonoBR. “A nova tecnologia de águas ultraprofundas da Petrobras saiu deste laboratório”, conta.

Entre os projetos desenvolvidos na USP que contribuíram para o desenvolvimento da tecnologia nacional de produção de petróleo encontram-se, ainda, uma técnica mais barata de revestimento para dutos de petróleo – que pode diminuir os problemas de corrosão nas indústrias – e um motor linear para extração de petróleo em terra, que substitui o bombeamento mecânico convencional. Há ainda, em fase de testes, um software inteligente capaz de detectar vazamentos em oleodutos e gasodutos, desenvolvido pela equipe do professor Paulo Seleghim Júnior, da USP de São Carlos (leia o texto abaixo).

Nishimoto diz que, apesar de desenvolver trabalhos de grande importância nessa área, a participação da USP ainda é restrita, diante do que pode ser feito. “A participação é pequena, mas contribuímos em pontos-chave que deram impulso à auto-suficiência. Nosso laboratório ajudou muito nesse sentido”, conta, acrescentando que as parcerias devem aumentar. De acordo com o professor, nesta semana será assinado um novo convênio entre a Petrobras e 76 instituições do Brasil, incluindo a USP. Das 38 redes de pesquisa que serão estabelecidas, a Universidade poderá participar de 20. O convênio é resultado de verbas excedentes que a Petrobras precisa investir.

Segundo o professor, um regulamento firmado entre a empresa e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) determina que 1% da receita total da produção de petróleo se transforme em investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia. “A receita do petróleo tem aumentado muito”, afirma Nishimoto, estimando que entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões sejam investidos nas universidades parceiras por ano. Uma outra quantia de mesmo valor deverá ser injetada no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras, no Rio de Janeiro.
Além disso, a Escola Politécnica colocará no mercado, no final deste ano, a primeira turma de formandos do curso de Engenharia do Petróleo. O curso, criado em 2002, se concentra na área de exploração e produção de poços e surgiu para dar conta de uma demanda do mercado criada em 1997, ano em que o Brasil abriu as portas para outras empresas estrangeiras pesquisarem e explorarem os poços nacionais. Segundo Wilson Iramina, professor do Departamento de Engenharia de Minas e Petróleo da Poli, o curso ainda está se estruturando, mas já existem algumas parcerias importantes e outras serão firmadas.

Colaborou Sylvia Miguel



Contra os defeitos dos oleodutos

foto:Paulo Seleghim Jr

Oleoduto trifásico piloto do Laboratório de Engenharia Térmica e Fluidos da Escola de Engenharia de São Carlos

Líder mundial na prospecção em águas profundas, em breve a Petrobras dominará também uma das mais avançadas tecnologias já criadas para monitorar o escoamento de combustíveis. Trata-se de um software que detecta vazamentos em oleodutos e gasodutos a partir de um sistema dotado de inteligência artificial. Com eficácia de 100% demonstrada em laboratório, o programa começará a ser testado em campo dentro de seis meses, graças a uma parceria da Petrobras com a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, e a recém-criada Aselco Tecnology. Capaz de tomar decisões como desligar equipamentos em caso de vazamento, o software é o resultado de uma linha de pesquisa na área de instrumentação e controle de escoamentos industriais que vem sendo desenvolvida há seis anos no campus da USP em São Carlos, afirma o professor Paulo Seleghim Júnior, do Laboratório de Engenharia Térmica em Fluidos do Departamento de Engenharia Mecânica da EESC, coordenador da linha de pesquisa responsável pelo desenvolvimento do software.

De acordo com o professor, os outros programas do gênero são tecnologicamente atrasados, com uma performance ruim. Alarme falso, falta de alarme quando há vazamentos e a própria localização da ocorrência nos dutos, que em geral possuem vários quilômetros de extensão, estão entre as principais falhas dos softwares existentes, diz. A Petrobras gasta algo em torno de R$ 200 mil por hora com passivos ambientais, multas e outros danos a cada vazamento de combustível, afirma Seleghim.

 


Petrobras - Plataforma P-51 - PRA-1
Sistema Acústico de Detecção e Localização de Vazamentos

O software será testado numa instalação da Petrobras no Espírito Santo, própria para o desenvolvimento de novas tecnologias, e também num laboratório que será criado pela equipe de pesquisadores da USP. “A idéia é construir dutos de um quilômetro de extensão, possivelmente no Campus 2 da USP de São Carlos ou no Pólo Tecnológico que está sendo implantado em São Carlos”, diz o professor. O Pólo Tecnológico de São Carlos, assim como o de Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto e São Paulo, criados a partir da promulgação de uma lei estadual no início de fevereiro, tem, entre outras finalidades, fomentar a aproximação de universidades e empresas.

A pesquisa sobre sistemas de escoamentos industriais começou com a dissertação de mestrado da matemática Kelen Cristina Oliveira Crivelaro, da EESC, que realizou um estudo prospectivo usando redes neurais auto-organizativas (RNA). Com orientação do professor Seleghim, ela demonstrou que esse tipo de rede é capaz de identificar regimes de escoamentos industriais em geral, inclusive o tipo realizado nos dutos da Petrobras.

O estudo de Kelen ganhou o interesse de um especialista em monitoramento dos dutos da Petrobras, o engenheiro Marcelo Selli. “O que Selli fez foi pôr as idéias da Kelen num software. Formatou o trabalho teórico-matemático em um programa de computador e testou em laboratório”, diz o professor. O desenvolvimento do software se transformou na tese de doutorado de Selli. Realizado sob a orientação de Seleghim, o estudo foi desenvolvido por meio da Aselco Tecnology, empresa fundada por Selli há quatro anos. “A tese traz o método de funcionamento do sistema, com testes em laboratório. Agora, com a parceria que acabamos de firmar, vamos desenvolver o produto, ou seja, o próprio software, para operar em escala industrial”, diz Seleghim.
SYLVIA MIGUEL

 

 

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