PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

 

 

 

 

 

Foto: Franscisco Emolo

A professora Maria de
los Angeles: diferente da biologia pesqueira tradicional, baseada no estudo de espécie por espécie, nova metodologia contempla vários aspectos da atividade pesqueira

foto: Maria Gasalla

O Instituto Oceanográfico da USP retoma a pesquisa em pesca com a recente contratação da professora Maria de los Angeles Gasalla, especialista na área. Comparada às pesquisas desenvolvidas anteriormente no instituto, a diferença é a abordagem ecossistêmica da pesca. Essa nova abordagem considera o impacto da atividade pesqueira no ecossistema como um todo, e não apenas na população pesqueira-alvo, o que pode ajudar na compreensão dos limites da pesca e na preservação das espécies marinhas.

“É um desafio enorme devido à inovação em termos de análise de dados e no enfoque”, diz Maria de los Angeles. A abordagem ecossistêmica da pesca – também chamada manejo pesqueiro baseado no ecossistema –, defendida pela professora, tem como foco as relações que acontecem no ambiente marinho e entre suas populações em razão dos impactos da pesca. “Vou olhar para vários aspectos envolvidos na atividade pesqueira, ao contrário da biologia pesqueira tradicional, que é baseada no estudo de espécie por espécie, população por população”, explica. Além das características ecológicas e populacionais dos recursos marinhos, a professora vai explorar também os aspectos sociais e econômicos da pesca nos ecossistemas, como o número de pescadores que cada frota utiliza, seus lucros e os custos.

Maria de los Angeles explica que cada um dos recursos pesqueiros está relacionado entre si e é possível quantificar essas relações criando um modelo daquele ecossistema marinho. Na abordagem ecossistêmica, esse modelo leva em conta a frota, o tipo de embarcações que atua em cada ambiente e que tipo de manejo a frota utiliza para captura dos recursos pesqueiros. Mostra, por exemplo, qual impacto uma frota de pesca de sardinha tem sobre uma população de camarão, devido à forma de captura, e as interações entre essas duas espécies. Pode revelar também o impacto que uma rede de arrasto teria em um ambiente de fundo marinho de corais, aprisionando pequenos peixes. Isso é importante porque cada frota acaba interferindo nos outros recursos pesqueiros, além do seu alvo. Através desse tipo de análise, pode-se ter uma visão mais clara de como se dão as relações entre os estoques marinhos e entre estes e as frotas. “Antigamente não se faziam análises que incluíssem todas as populações pescadas pelas frotas”, explica.

Preservação – Entender as interações entre as espécies é uma forma de preservá-las. A pesca modifica a estrutura dos ecossistemas porque pode retirar recursos pesqueiros em quantidade maior do que a capacidade de renovação das populações. A redução ou desaparecimento de uma população atinge todo o ecossistema marinho. Funciona assim, segundo Maria de los Angeles: “A pesca remove os predadores de topo, no início, como tubarões e peixes maiores. A retirada em parcelas muito grandes provoca modificações na estrutura porque cada população interfere na população abaixo”. As espécies podem desaparecer e, conseqüentemente, simplificar as cadeias. Esse é o maior dano ecológico, segundo a professora, porque não é sustentável para o ecossistema e nem para o setor pesqueiro.

Em 1998 foi feita uma avaliação da atividade pesqueira mundial, publicada dois anos mais tarde pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Com esses dados, pôde-se perceber como se comportava o desembarque pesqueiro em relação às espécies capturadas. O estudo mostrou que os grandes predadores não são mais os alvos da pesca.

No Brasil a situação não é muito diferente. “Os recursos pesqueiros da plataforma continental estão em níveis de exploração bastante avançados”, diz Maria de los Angeles, “o que pode levar ao esgotamento daquele ecossistema”. Na sua tese de doutorado, a professora mostrou evidências de modificação na estrutura das comunidades por causa da pesca. Ela estudou o impacto da pesca industrial na plataforma interna Sudeste, até cem metros de distância da costa, comparando os resultados dos modelos científicos com o conhecimento de pescadores experientes de comunidades pesqueiras. “Tentei correlacionar o que eles sabem daquele ecossistema com o que a ciência sabe, e com as mudanças que ocorreram” explica.

fotos: reprodução

Preservação – O estudo da abordagem ecossistêmica da pesca está sendo desenvolvido em outros paises. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa abordagem já foi implementada pela legislação pesqueira, como forma de ajudar a preservar os estoques pesqueiros. No Brasil, por enquanto, as ações estão restritas à colaboração de indústrias com pesquisas e aos cursos de capacitação em comunidades de pescadores. “Existem algumas iniciativas em que se tenta estabelecer uma relação de proximidade nessas comunidades entre o conhecimento que eles têm e o que seria o melhor manejo pesqueiro”, diz Maria de los Angeles. A professora acredita que seus estudos colaborarão para a implementação, no Brasil, do manejo pesqueiro baseado no ecossistema.

Por enquanto, a pesquisa se concentra no trabalho de laboratório e de campo, para coleta de dados. A região focada atualmente é a plataforma continental interna do Sudeste, que vai de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, ao Cabo de Santa Marta, em Santa Catarina. No futuro, pretende estender a área de estudo para todo a região Sul e para a plataforma externa e talude (descida abrupta para grandes profundidades). Além da pesquisa, a professora desenvolve o tema da abordagem ecossistêmica em disciplinas de graduação e pós-graduação. “Assim os alunos já têm contato com esse tipo de abordagem para pesca.”

Antes de chegar ao Instituto Oceanográfico, em outubro do ano passado, Maria de los Angeles foi pesquisadora no Instituto de Pesca por dez anos e fez cursos sobre a abordagem ecossistêmica da pesca no exterior. De acordo com a professora, desde sua criação, em 1946, o Instituto Oceanográfico tem interesse na pesquisa pesqueira. Nos últimos anos, porém, não tinha uma frente de pesquisa voltada exclusivamente para a pesca. “A pesca estava relacionada a outras áreas, como ecologia de peixes”, diz. Ela explica também que a saída de professores que influenciaram o desenvolvimento da ciência pesqueira, principalmente na década de 70, e a demanda por pesquisas em outras atividades relacionadas ao oceano contribuíram para esse desinteresse temporário de pesquisa exclusiva em pesca.

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]