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No Brasil, os estudos de relações internacionais, embora estimulados pela globalização e, internamente, pela crescente demanda no mercado de trabalho, ainda se encontram em fase de estruturação de cursos e definição de disciplinas, especialmente em nível de graduação. A indefinição acadêmica no setor foi destacada em fórum realizado de 29 de maio a 2 de junho no Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, com sede na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), onde funciona o curso de Bacharelado em Relações Internacionais.

De acordo com a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, docente do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e vice-diretora do instituto, os cursos ainda estão em fase de montagem, porque se trata de área relativamente nova no sistema acadêmico brasileiro. Sempre houve especialistas em relações internacionais, mas, como área de ensino organizado, só deslanchou a partir da década de 90, quando havia apenas dois cursos de pós-graduação em Relações Internacionais – na UnB e na PUC-RJ. Na USP, não há pós-graduação na área e o bacharelado só teve início efetivo em 2002, tendo formado agora a primeira turma. O curso pretende dar uma formação interdisciplinar básica, com estudos de ciência política, direito, economia, história e línguas nos dois primeiros anos, seguidos de mais dois de estudos em disciplinas das mesmas áreas escolhidas pelo próprio aluno.

Maria Hermínia apresentou no fórum da FEA alguns números e características dos cursos em Relações Internacionais, assinalando que estímulos exógenos, especialmente a abertura comercial e política do Brasil para o cenário internacional, concorreram para que o setor acadêmico iniciasse uma disputa pelo oferecimento de cursos na área, em nível de graduação. Em geral, essa corrida envolve escolas privadas sem tradição de pesquisa, interessadas em abocanhar as vagas abertas no mercado de trabalho. Na pós-graduação, a especialidade seguiu outro rumo, expandindo-se a partir dos anos 90 em instituições de renome, em geral públicas, ou particulares de tradição, como as PUCs.

foto: franscisco emolo
Mesa do fórum sobre Relações Internacionais: curso só deslanchou a partir dos anos 90 no Brasil

A vice-diretora do IRI, recorrendo a estatísticas do MEC, fez um levantamento da situação dos cursos de graduação em 2004, a partir das grades curriculares e da natureza das disciplinas oferecidas. Algumas conclusões: a graduação em Relações Internacionais se faz predominantemente em instituições privadas (40 dos 43 cursos encontrados); um quarto dos cursos tinha na época pelo menos uma disciplina de ciência política; nenhuma disciplina que dissesse respeito a relações internacionais no sentido que o uso corrente lhe dá; 60% dos cursos não tinham a disciplina Introdução ao Estudo de Relações Internacionais; 70% nada tinham sobre organizações internacionais; 93% nada traziam sobre segurança internacional; e absolutamente nada sobre integração regional e economia internacional. “Que cursos são esses?”, pergunta Maria Hermínia. “Uma vaga introdução ao direito internacional, comércio e marketing.” Daí que, na opinião da professora, os cursos com essas limitações acabam usando indevidamente o rótulo de formadores de especialistas em relações internacionais.

Pós-graduação – Maria Hermínia insiste em diferenciar graduação e pós-graduação, quando se trata de cursos de Relações Internacionais. Mesmo quando não existia ainda pós-graduação nessa área, estudos correlatos eram realizados em subáreas de outras especialidades, havendo elaboração de teses, dissertações e demais formas de divulgação de pesquisas relacionadas com problemas internacionais. Esses estudos se encontram em maior número nos cursos de Direito Internacional, mas também na área de ciência política e em instituições destinadas a estudos específicos, como o Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da USP. Cresce, assim, a cada dia o número de detentores de algum título em Relações Internacionais. Mercosul e política externa são os temas mais freqüentemente abordados.

Em busca de modelos, a professora estudou a estrutura de cursos congêneres no exterior, constatando que na Universidade da Califórnia, por exemplo, disciplinas da área da ciência política formam a base do curso de Relações Internacionais. A interdisciplinaridade é a regra. Quanto ao Brasil, diz Maria Hermínia que está apenas começando. “Experimentamos modelos, mas o tempo ainda é insuficiente para arbitrar quais os melhores. Devemos pensar em alternativas adequadas.” Ela defende a promoção de debates aprofundados e intercâmbio de idéias entre instituições.
Outra professora do curso de Relações Internacionais da USP, Rossana Rocha Reis (que substituiu na mesa do segundo dia do fórum o professor da Unicamp Shiguenoli Myamoto), disse que em geral o aluno que procura o curso de Relações Internacionais não se interessa pela teoria, mas indaga logo pelos problemas pontuais, como a política externa dos Estados Unidos. Nesse ambiente, confessou a professora, ela se sente até constrangida, pois as suas aulas são de teoria política e não poucas vezes precisa citar Kant, Hegel e mais filósofos que precederam os tempos de Evo Morales e Hugo Chávez. Aos alunos também interessa conhecer suas chances profissionais depois de formados.

De acordo com Rossana e Maria Hermínia, o curso de Relações Internacionais não define claramente a área de atuação do seu formado, ao contrário, por exemplo, dos cursos de Medicina. É certo, porém, que oportunidades existem em setores variados. O bacharel em Relações Internacionais poderá assessorar governos, empresas e organizações da sociedade civil; e orientar pesquisas sobre políticas externas, instituições jurídicas internacionais e a economia mundial.

Lula – Maria Hermínia ensina que a política externa de um país não depende fortemente do presidente da República ou de sua equipe. Não muda quando muda o presidente. Pelo contrário, as chancelarias representam as políticas de Estado, não de governo. As ênfases em determinados pontos é que podem mudar.

No caso do governo Luiz Inácio Lula da Silva, que ênfases devem ser creditadas a ele? A professora de Ciência Política observa que, antes mesmo de Lula chegar ao poder, já havia esforços para dar voz mais forte à América Latina. Lula valorizou esse discurso e apostou suas fichas na atuação do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Por alguma razão, até agora não obteve êxito, mas, de acordo com a professora, é cedo para um julgamento definitivo

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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