PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

Eu adoro figuras, principalmente se retratam homens do campo, nossos caboclos, essa gente simples e ingênua. Eles movimentam cada tela. Acho mesmo que o lado humano é básico na arte. A voz de Fúlvio Pennacchi se espalha pela Pinacoteca do Estado, trazendo o Brasil dos imigrantes e o cotidiano dos arredores de São Paulo. São sete salas reunindo o povo em seus dias de festa, de trabalho ou de descanso. É esse lado humano, básico na arte, que a mostra “Fúlvio Pennacchi – 100 anos” evidencia.

Sob a curadoria de Tadeu Chiarelli, professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA), a exposição apresenta 300 obras, abrangendo desde os primeiros desenhos e pinturas de sua experiência italiana até os painéis e cerâmicas que fecham sua contribuição para a arte brasileira do século 20. “Pennacchi dizia que gostava de pintar as cenas do povo como se fosse um homem do povo”, lembra Chiarelli. “Através desta mostra, podemos observar um período importante da arte brasileira.”

Fúlvio Pennacchi nasceu em 1905, na Villa Collemandina, cidade italiana da região de Garfagnana. Estudou na Academia de Belas Artes de Lucca, onde foi orientado pelo pintor impressionista Pio Semeghini (1878-1964), formando-se em 1927. Chegou ao Brasil dois anos depois, fugindo da instabilidade econômica pós-Primeira Guerra Mundial.
No dia da minha chegada ao Brasil, 5 de julho de 1929, descendo em Santos, ao nascer do dia, o céu tinha uma cor tão estranha e exagerada que bem podia ser o fundo de um dos meus quadros, O fim do mundo, e eu fiquei chocado com o vermelho fogo e o amarelo berrante. Nunca mais voltei a ver, em 44 anos de vida brasileira, outro céu tão agressivo e espantoso.

O sonho do jovem artista de aportar no Brasil pintando teve de ser deixado de lado. Passou a exercer diversas atividades para sobreviver.

Os primeiros anos de vida paulista foram, em verdade, um tanto semelhantes ao céu do dia da minha chegada. São Paulo estava em uma crise espantosa. Eu, considerado um futurista. As mil tentativas com a pintura e o desenho resultaram quase que somente em fracassos. Só mais tarde, quando fatalmente me tornei açougueiro, pude então pintar durante a noite meus primeiros quadros, representando as várias fases da vida de Jesus e cenas da vida de São Francisco.

Naquele açougue, em 1933, Pennacchi foi surpreendido desenhando em papéis de embrulho por Galileo Emendabili (1898-1974). O escultor ficou surpreso com os afrescos no estabelecimento comercial e o convidou para trabalhar em seu ateliê e ajudá-lo no projeto Monumento em Homenagem aos Mortos na Revolução Constitucionalista de 1932.

Nos anos seguintes, Pennacchi passa a integrar o Grupo Santa Helena. É premiado no Salão Nacional e no Salão Paulista de Belas Artes. Passa a lecionar desenho no Colégio Dante Alighieri e a pintar murais em residências. Suas obras estão em diversas igrejas de São Paulo, como a Igreja Nossa Senhora da Paz (1942), a Capela do Hospital das Clínicas (1947), a Igreja Nossa Senhora Auxiliadora (1959) e a Catedral de Uruguaiana (1945), no Rio Grande do Sul.

Cenário de imigrantes – “A experiência de Pennacchi resgata os processos de adequação problemática de um artista que, a partir de uma aprendizagem erudita e dentro dos padrões consagrados pela tradição de seu país, vê-se imerso, de repente, não apenas em um novo país, numa outra cultura, mas, igualmente, num momento em que aos poucos vão chegando novas concepções artísticas e estéticas, muitas excludentes entre si, sobre as quais ele, obrigatoriamente, vê-se levado a enfrentar e interagir”, explica Chiarelli. “Ao ter que optar por se abrir para o Brasil e para a arte do século 20, por formação e por temperamento, viu-se predisposto a escolher a tentativa que vários de seus colegas italianos estavam operando, no sentido de transformar em opção inovadora o renascer dos valores da pintura italiana dos séculos 14 e 15. Naquele instante, essa opção foi entendida por muitos como inovadora, no sentido em que o mundo antigo pode reaparecer como o inusitado, dentro de um novo contexto.”

Chiarelli vem se dedicando à obra de Pennacchi desde 1993. “Na época, fui procurado pela família do artista para realizar uma exposição sobre os 90 anos de seu nascimento.” A mostra não ocorreu, mas o professor continuou pesquisando. “Durante todos esses anos, tive a oportunidade de observar, de estudar. A visão que tinha na época sobre a obra e a trajetória do artista foi mudando. Pude verificar a forma como Pennacchi dialogou com a tradição modernista brasileira.”

Além da exposição, Chiarelli vai lançar, neste sábado, dia 10, um catálogo editado pela Pinacoteca com as obras, os depoimentos e um diário do artista. “Finalizado o ciclo de cem anos do seu nascimento e de quase 15 anos de sua morte, sua obra, um legado às novas gerações, pulsa ainda à espera de novas análises, que ajudarão a compreendê-la não apenas dentro do contexto mais restrito da arte do País, mas, igualmente, no cenário da história brasileira recente. Um cenário que muitos imigrantes como Pennacchi ajudaram a construir.”


Pesquisa Poética

Uma São Paulo límpida, harmonizada em cores e geometrias. Uma cidade perfeita e organizada. Parece um devaneio. Mas essa São Paulo é a que se apresenta nas fotos de Fernando Stickel na exposição da Pinacoteca do Estado, com curadoria de Diógenes Moura. E também no livro Vila Olímpia, lançamento da Editora Terceiro Nome.

Em 2004, Stickel saiu às ruas com sua câmera digital Sony DSC – F717 para fotografar os novos prédios da Vila Olímpia. “É o bairro onde moro e trabalho há 20 anos. Quando me mudei para lá, sofria freqüentemente com as enchentes dos córregos Uberaba e Uberabinha, hoje canalizados.”

Stickel quis flagrar a transformação do bairro. Documentar as velhas chácaras cedendo espaço para os edifícios arrojados e faculdades, e os galpões das antigas indústrias sendo substituídos por casas de shows e danceterias. “No entanto, acabei mergulhando nas áreas mais antigas e degradadas, nos detalhes, ruas, calçadas, muros, tapumes, casas, portões, beirais e janelas.”

O foco do artista acabou resultando em um trabalho que revela a passagem do tempo nas diferentes camadas de tinta, nas múltiplas texturas dos muros, portas e calçadas. “Um corte de luz solar por trás de um tonel cria um drama no qual se pode escutar barulho em volta”, observa o curador Diógenes Moura. “A cidade de Stickel tem seu mapa geográfico situado entre imagem e palavra, raciocínio e construção. Um filme, uma sessão particular: penumbra, urbis e tempo que, em sua explosão luminosa, ultrapassa a expectativa do dia-a-dia e imprime São Paulo como metáfora e memória.”

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]