Para muitos teóricos, foi durante a Revolução
Industrial – iniciada no século 18, na Inglaterra – que
a contagem precisa das horas ganhou uma importância nunca
vista, a partir da sistematização do tempo e com
os operários adquirindo seus próprios relógios,
temerosos de que seus patrões os “roubassem” no
trabalho. A preocupação de medir o tempo data de
cerca de 3 mil anos antes de Cristo, quando os egípcios
projetavam a sombra do sol através de um mastro. Os calendários
das colheitas, a ampulheta, engenhocas escorrendo líquidos
e muitos outros sistemas, incluindo o relógio mecânico
e o digital, foram formas que o homem encontrou de marcar o tempo.
Este, algumas vezes, era determinado de acordo com as tarefas diárias.
Em conventos e cidades da Idade Média, por exemplo, cada
ofício era realizado a seu tempo e cada localidade funcionava
segundo seu próprio ritmo.
Porém, nos novos tempos das telecomunicações,
dos cabos de fibra óptica que carregam dados de formatos
diversos, da navegação por GPS e outros sistemas
complexos que exigem precisão, o controle milimétrico
de cada segundo passou a ser necessário como nunca. A tecnologia
que sincroniza as frações das horas com tanta exatidão
em toda a Terra, a mesma que tirou do Observatório de Greenwich
a soberania de fornecer ao mundo a hora mais precisa, são
marcadores de tempo que operam utilizando átomos de Césio
133.
Trata-se dos relógios atômicos. Ao todo, existem 300
espalhados por 50 países, um deles no Observatório
Nacional do Rio de Janeiro. Eles sincronizam a vida do planeta
de acordo com a chamada Hora Atômica Internacional (TAI,
na sigla em francês Temps Atomic International), que constitui
o Tempo Universal Coordenado (UTC, na sigla em inglês). Com uma configuração própria, um desses relógios
foi desenvolvido recentemente pelo Centro de Pesquisa em Óptica
e Fotônica (Cepof) do Instituto de Física de São
Carlos, o que coloca o Brasil no seleto grupo dos países
que dominam essa tecnologia, ao lado de França, Estados
Unidos, Itália, Alemanha e Inglaterra.
Coordenado pelo professor Vanderlei Salvador Bagnato, o Cepof é um
dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
(Cepid) financiados pela Fapesp e integrados por pesquisadores
da Unicamp e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
(Ipen), além do Instituto de Física de São
Carlos. O marcador atômico desenvolvido pelo grupo é do
tipo fountain, ou chafariz, e recebe esse nome devido ao formato
do movimento adquirido pelos átomos quando resfriados a
baixíssimas temperaturas.
No complexo sistema de relógios atômicos, o segundo
tem uma definição bem mais complicada do que “um
simples suspiro”. Em 1967, na 13a Conferência Internacional
de Pesos e Medidas em Paris, o segundo passou a ser definido como “a
duração de 9.192.631.770 períodos da radiação
correspondente à transição entre os dois níveis
hiperfinos do estado fundamental do átomo de Césio
133”. Isso quer dizer o número de vezes que o átomo
de Césio 133 oscila por segundo quando submetido a baixíssimas
temperaturas, explica o professor Vanderlei Bagnato.
Bagnato: “Dependemos de uma marcação cada vez
mais precisa do tempo”
Atrasos – Existem relógios atômicos comerciais,
utilizados, por exemplo, em celulares, e cuja metrologia se baseia
no movimento de átomos aquecidos e ímãs. Porém,
a tecnologia recém-inaugurada no Brasil está à frente.
Cronometrar o tempo nesses marcadores significa fracioná-lo
em picossegundos, ou seja, 1 segundo dividido por 1 bilhão
de vezes. Assim, a margem de erro desses relógios é de
cerca de 1 segundo em cada 3 bilhões de anos, contra um
atraso de 1 segundo por dia em um relógio de pulso comum,
ou ainda cerca de 1 segundo a cada 3 mil anos num relógio
atômico convencional.
A medição exigida nos laboratórios científicos,
os sinais enviados ao interior da Terra numa prospecção
de petróleo ou mesmo as transações bancárias,
que são dados que trafegam em cabos de fibras ópticas,
necessitam daquela exatidão. “Cada vez mais dependemos
de uma marcação mais precisa do tempo e o relógio
atômico é o instrumento que faz isso, daí a
importância de o Brasil dominar essa tecnologia”, diz
Bagnato.
O grupo de Óptica e Fotônica vem estudando relógios
atômicos desde 1996 e o primeiro modelo desenvolvido foi
o tipo térmico linear. Nesse sistema, os átomos de
Césio 133, em alta velocidade, ganham o formato de um feixe
de luz, daí o nome relógio linear.
Os estudos para desenvolver o tipo fountain começaram em
2001, dos quais foram produzidas quatro teses de doutorado, diz
Bagnato. Nesse sistema, as moléculas de Césio 133,
quando submetidas a baixíssimas temperaturas, ficam suspensas
em um ponto que toma a forma de um chafariz. “A baixas temperaturas,
os átomos assumem uma velocidade baixa, ganham quase que
o formato de uma bola parada. E, com uma oscilação
menor, é possível ter uma precisão maior. É a
oscilação dessas freqüências que caracteriza
o segundo”, explica Bagnato.
O relógio atômico tipo fountain desenvolvido no Instituto
de Física da USP de São Carlos vem servindo a outras
causas mais nobres além de colocar o Brasil naquele time
de primeiro mundo que domina a tecnologia. Com as intensas atividades
de extensão do instituto, a novidade vem recebendo visitas
de centenas de estudantes de escolas públicas. “Demonstramos
como é medido o tempo a partir das oscilações
dos átomos, mostramos a importância dessa tecnologia.
Distribuímos cartilhas explicando a evolução
da metrologia do tempo e de outras grandezas. Estimulamos o pensamento
e o raciocínio em torno de idéias científicas
que fazem parte do dia-a-dia. Definir o tempo, ou dizer como ele é medido, é uma
incógnita para qualquer pessoa”, diz Bagnato, que
em 2004 ganhou o importante Prêmio José Reis de Divulgação
Científica pelas atividades que desenvolve no Instituto
de Física.
O programa de metrologia de tempo e freqüência do Instituto
de Física de São Carlos é apoiado pelo Instituto
Nacional de Metrologia (Inmetro), pela Universidade de Campinas
(Unicamp) e pelo Observatório Nacional do Rio de Janeiro
e financiado pela Fapesp e pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológioco (PADCT), do Ministério
da Ciência e Tecnologia.
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