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fotos: Kleber Jorge Sávio Chicrala

Para muitos teóricos, foi durante a Revolução Industrial – iniciada no século 18, na Inglaterra – que a contagem precisa das horas ganhou uma importância nunca vista, a partir da sistematização do tempo e com os operários adquirindo seus próprios relógios, temerosos de que seus patrões os “roubassem” no trabalho. A preocupação de medir o tempo data de cerca de 3 mil anos antes de Cristo, quando os egípcios projetavam a sombra do sol através de um mastro. Os calendários das colheitas, a ampulheta, engenhocas escorrendo líquidos e muitos outros sistemas, incluindo o relógio mecânico e o digital, foram formas que o homem encontrou de marcar o tempo. Este, algumas vezes, era determinado de acordo com as tarefas diárias. Em conventos e cidades da Idade Média, por exemplo, cada ofício era realizado a seu tempo e cada localidade funcionava segundo seu próprio ritmo.

Porém, nos novos tempos das telecomunicações, dos cabos de fibra óptica que carregam dados de formatos diversos, da navegação por GPS e outros sistemas complexos que exigem precisão, o controle milimétrico de cada segundo passou a ser necessário como nunca. A tecnologia que sincroniza as frações das horas com tanta exatidão em toda a Terra, a mesma que tirou do Observatório de Greenwich a soberania de fornecer ao mundo a hora mais precisa, são marcadores de tempo que operam utilizando átomos de Césio 133.

Trata-se dos relógios atômicos. Ao todo, existem 300 espalhados por 50 países, um deles no Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Eles sincronizam a vida do planeta de acordo com a chamada Hora Atômica Internacional (TAI, na sigla em francês Temps Atomic International), que constitui o Tempo Universal Coordenado (UTC, na sigla em inglês).

Com uma configuração própria, um desses relógios foi desenvolvido recentemente pelo Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) do Instituto de Física de São Carlos, o que coloca o Brasil no seleto grupo dos países que dominam essa tecnologia, ao lado de França, Estados Unidos, Itália, Alemanha e Inglaterra.
Coordenado pelo professor Vanderlei Salvador Bagnato, o Cepof é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela Fapesp e integrados por pesquisadores da Unicamp e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), além do Instituto de Física de São Carlos. O marcador atômico desenvolvido pelo grupo é do tipo fountain, ou chafariz, e recebe esse nome devido ao formato do movimento adquirido pelos átomos quando resfriados a baixíssimas temperaturas.

No complexo sistema de relógios atômicos, o segundo tem uma definição bem mais complicada do que “um simples suspiro”. Em 1967, na 13a Conferência Internacional de Pesos e Medidas em Paris, o segundo passou a ser definido como “a duração de 9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre os dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de Césio 133”. Isso quer dizer o número de vezes que o átomo de Césio 133 oscila por segundo quando submetido a baixíssimas temperaturas, explica o professor Vanderlei Bagnato.

foto: Franciso Emolo
Bagnato: “Dependemos de uma marcação cada vez mais precisa do tempo”

Atrasos – Existem relógios atômicos comerciais, utilizados, por exemplo, em celulares, e cuja metrologia se baseia no movimento de átomos aquecidos e ímãs. Porém, a tecnologia recém-inaugurada no Brasil está à frente. Cronometrar o tempo nesses marcadores significa fracioná-lo em picossegundos, ou seja, 1 segundo dividido por 1 bilhão de vezes. Assim, a margem de erro desses relógios é de cerca de 1 segundo em cada 3 bilhões de anos, contra um atraso de 1 segundo por dia em um relógio de pulso comum, ou ainda cerca de 1 segundo a cada 3 mil anos num relógio atômico convencional.

A medição exigida nos laboratórios científicos, os sinais enviados ao interior da Terra numa prospecção de petróleo ou mesmo as transações bancárias, que são dados que trafegam em cabos de fibras ópticas, necessitam daquela exatidão. “Cada vez mais dependemos de uma marcação mais precisa do tempo e o relógio atômico é o instrumento que faz isso, daí a importância de o Brasil dominar essa tecnologia”, diz Bagnato.

O grupo de Óptica e Fotônica vem estudando relógios atômicos desde 1996 e o primeiro modelo desenvolvido foi o tipo térmico linear. Nesse sistema, os átomos de Césio 133, em alta velocidade, ganham o formato de um feixe de luz, daí o nome relógio linear.

Os estudos para desenvolver o tipo fountain começaram em 2001, dos quais foram produzidas quatro teses de doutorado, diz Bagnato. Nesse sistema, as moléculas de Césio 133, quando submetidas a baixíssimas temperaturas, ficam suspensas em um ponto que toma a forma de um chafariz. “A baixas temperaturas, os átomos assumem uma velocidade baixa, ganham quase que o formato de uma bola parada. E, com uma oscilação menor, é possível ter uma precisão maior. É a oscilação dessas freqüências que caracteriza o segundo”, explica Bagnato.

O relógio atômico tipo fountain desenvolvido no Instituto de Física da USP de São Carlos vem servindo a outras causas mais nobres além de colocar o Brasil naquele time de primeiro mundo que domina a tecnologia. Com as intensas atividades de extensão do instituto, a novidade vem recebendo visitas de centenas de estudantes de escolas públicas. “Demonstramos como é medido o tempo a partir das oscilações dos átomos, mostramos a importância dessa tecnologia. Distribuímos cartilhas explicando a evolução da metrologia do tempo e de outras grandezas. Estimulamos o pensamento e o raciocínio em torno de idéias científicas que fazem parte do dia-a-dia. Definir o tempo, ou dizer como ele é medido, é uma incógnita para qualquer pessoa”, diz Bagnato, que em 2004 ganhou o importante Prêmio José Reis de Divulgação Científica pelas atividades que desenvolve no Instituto de Física.

O programa de metrologia de tempo e freqüência do Instituto de Física de São Carlos é apoiado pelo Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), pela Universidade de Campinas (Unicamp) e pelo Observatório Nacional do Rio de Janeiro e financiado pela Fapesp e pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológioco (PADCT), do Ministério da Ciência e Tecnologia.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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