Depois de dois anos de trabalho, a Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, apresenta aos produtores
e consumidores de todo o País a Pira Roxa, alface de folhas
totalmente roxas desenvolvida para aumentar a produtividade no
cultivo em clima tropical e com um valor nutricional maior que
as alfaces comuns.
A coloração roxa intensa se deve à presença
em larga quantidade da antocianina, substância que confere
ao alimento uma cor vermelha que, ao se misturar com o tom verde
da clorofila, resulta na cor roxa. A Pira Roxa contém três
vezes mais antocianina que as alfaces comuns e um teor também
maior de antioxidantes, substâncias que ajudam no combate
ao envelhecimento. “Foi provado, por um estudo publicado
pela Sociedade Americana de Química, que a alface roxa tem
maior quantidade de antioxidantes que a alface verde. Ela aproveita
mais os bioflavonóides e combate os radicais livres associados
ao envelhecimento precoce”, explica Cyro Paulino da Costa,
responsável pela criação da nova alface, com
seu doutorando Fernando Sala.
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Sua aparência roxa surpreendente atrai os olhares dos consumidores
e garante boas vendas. Para as mães, a alface roxa é um
prato cheio para estimular os filhos a comerem verduras. “Toda
mãe sabe que criança rejeita salada. A Pira Roxa
torna a salada mais atrativa, por causa da cor forte, que é visualmente
muito mais bonita. Além disso, hortaliças e frutas
que são coloridas têm muito mais vitaminas, protetoras
da saúde”, afirma Costa. Para os alfacicultores, a Pira Roxa também oferece vantagens.
Essa espécie de alface é mais resistente ao fungo
míldio, que aparece na forma de lesões amareladas
nas folhas e um pó esbranquiçado mais próximo à raiz.
Esse fungo é responsável por grandes perdas no plantio
de alface, que algumas vezes chegam a 100% da produção.
Por ter maior resistência ao míldio, a Pira Roxa dispensa
o uso de agrotóxicos, o que diminui os custos do produtor
e possibilita o cultivo orgânico da alface. “Os produtores
de alimentos orgânicos gostaram muito da Pira Roxa. O plantio
dela não exige agrotóxicos, o que é crítico
na criação orgânica e resulta em um alimento
de melhor qualidade para o consumidor”, acrescenta Costa.
Para os adeptos do cultivo hidropônico – no qual a
hortaliça é cultivada na água, em vez de na
terra –, a Pira Roxa se mostrou resistente ao fungo pythium,
que causa a podridão da raiz e é um dos maiores problemas
desse tipo de cultivo no País. “A Pira Roxa aumenta
muito a produtividade na alfacicultura. Ela salvou muita gente
porque no cultivo da alface tem muita perda, muito prejuízo”,
afirma Costa.
Essa espécie também permite o cultivo contínuo
da alface e garante uma maior durabilidade da alface no verão. “Como
você tem alface o ano todo, a produção é maior
e os preços, menores, o que favorece o consumidor”,
explica Costa.
A alface roxa não é propriamente uma novidade no mercado de hortaliças.
No Brasil, já se cultivam em pequena escala outros tipos de alface roxa,
de coloração menos intensa e sem as propriedades atribuídas à Pira
Roxa, como maior resistência a fungos e melhor aproveitamento no cultivo
de verão.
Na Europa e Estados Unidos, cultiva-se a lolla rossa, espécie de minialface
roxa muito utilizada por restaurantes para a decoração de pratos. “A
Pira Roxa é tropicalizada, adaptada ao nosso clima e desenvolvida não
para a ornamentação, mas para o consumo”, explica Costa. Muito comuns no mercado internacional, versões melhoradas dos alimentos
já começam a surgir no Brasil. Segundo Costa, há ainda muito
espaço nas mesas brasileiras para a Pira Roxa. “É um produto
diferenciado, que custa em torno de R$ 0,20 para o produtor e chega ao consumidor
final por cerca de R$ 1,00. É quase o mesmo preço da alface comum,
com todas as suas vantagens”, analisa.
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O processo de criação – Para desenvolver a alface, a Esalq
utilizou uma técnica já muito conhecida no meio agrônomo:
o melhoramento clássico. Os pesquisadores combinaram duas variedades de
alface, plantaram as sementes e selecionaram os melhores exemplares na colheita.
Esses exemplares são novamente cruzados e replantados, para que os melhores
sejam selecionados. Esse processo se repetiu inúmeras vezes, até que
eles obtiveram as características desejadas. “Para conseguirmos
a Pira Roxa, cruzamos a alface verde com a minialface roxa. Usamos as técnicas
da velha genética mendeliana, selecionando na linhagem de diversas gerações
quais alfaces eram as mais valiosas no quesito cor, resistência ao fungo
e possibilidade de cultivo contínuo, o ano todo”, explica Costa. Esse processo é completamente diferente do que produz os alimentos transgênicos,
já que não manipula geneticamente o DNA da alface. Dessa forma,
não há nenhuma possibilidade de efeitos colaterais de seu consumo
a longo prazo.
O professor Costa (à direita) e Fernando Sala: combate aos radicais
livres |
O processo de melhoramento clássico é bem simples e por isso tem
baixo custo de produção. Nos dois anos de cultivo, até chegar à Pira
Roxa, o custo total foi de apenas R$ 2 mil. “São técnicas
de baixo custo, que não exigem equipamentos caros. Esses gastos foram
basicamente com gasolina da minha caminhonete, para ir de Piracicaba à fazenda
em Campinas onde a alface era plantada”, brinca Costa.
O baixo custo se deveu também à parceria com um alfacicultor da
região, que cedeu espaço para o cultivo da alface e, em troca,
pode vender toda a produção. “Essa parceria contribuiu também
com o processo de validação da alface. Todo novo alimento tem que
ser aprovado pelo consumidor. A Pira Roxa teve uma grande aceitação
tanto pelo mercado atacadista como pelo pequeno consumidor”, esclarece
Costa.
Por ter sido comercializada durante todo o período de desenvolvimento,
a Pira Roxa se tornou conhecida e muito procurada pelos produtores e consumidores
da região. “Isso aqui é que nem uma bola de neve. Qualquer
tecnologia desenvolvida que permita ganhar dinheiro gera um interesse muito grande
por parte dos produtores”, afirma Costa.
Foram os comerciantes de Campinas, onde a alface é vendida, que inspiraram
o nome da nova alface. Pira Roxa é uma junção de Piracicaba,
cidade onde fica o campus da Esalq, e a cor roxa característica da alface. “Quando
a alface era levada para o mercado atacadista de Campinas, os atacadistas a chamavam
de Roxinha de Piracicaba, daí resolvemos nomeá-la Pira Roxa”,
relembra Costa.
Como o objetivo da Esalq era restrito ao desenvolvimento da nova
espécie,
a produção e distribuição das sementes ficaram a
cargo de uma empresa privada. “Nós transferimos a Pira Roxa para
uma empresa nacional do Rio Grande do Sul, que faz a multiplicação
da semente e a distribuição para os produtores.”, explica
Costa.
Com o sucesso da alface roxa nos mercados da região, a empresa já começou
a distribuir a Pira Roxa por todo o Brasil e logo a alface poderá ser
comprada em qualquer supermercado. “Nossa idéia era mesmo criar
uma possibilidade de agronegócio, algo rentável para os produtores”,
conclui Costa.
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