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A rede de TV árabe Al Jazira, com sede em Catar, chegou ao Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas antes do Jornal da USP. Seus correspondentes queriam saber da professora Maria do Socorro Sousa Braga, que entre outros aspectos pesquisa o que se passa internamente nos partidos políticos, particularmente no PT, como será a política externa brasileira nos próximos quatro anos. O presidente que for eleito no segundo turno, dia 29, tentará fortalecer o Mercosul? Retomará o debate sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas)? Será um aliado de Hugo Chávez? Como conduzirá as relações com a Bolívia? Que outros blocos econômicos terão prioridade? Nada disso ainda pode ser respondido com certeza, porque nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concorre à reeleição, nem Geraldo Alckmin, candidato da oposição, explicitaram os planos para o Itamaraty. É certo que Alckmin já demonstrou inconformismo com a paralisia do Mercosul e acenou com a possibilidade de dar mais atenção à Alca, enquanto Lula aparentemente mantém a decisão de insistir em cláusulas mais favoráveis ao País antes de aderir ao bloco.

Maria do Socorro pode não ter resposta satisfatória a dar aos árabes, aos belgas ou aos ingleses (que também andaram sondando o que pensa a respeito), mas está convencida de que esses são temas que chegam com força no final da campanha eleitoral e podem ser decisivos para a convicção do eleitor. Outro cientista político, Bolívar Lamounier, formado na Universidade da Califórnia e fundador do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos (Idesp), dá razão ao candidato que atribuir preferência a relações com países mais desenvolvidos, considerando que, “na prática, o Mercosul está definhando. Nunca foi uma solução real nem para o Brasil nem para a Argentina. Depois que a Argentina quebrou e agora com o governo populista de Kirschner fica ainda mais complicado”. Daí porque, “com ou sem Alca, o Brasil precisa aumentar muito o seu volume de comércio. A Argentina tem importância, é claro, mas privilegiar o relacionamento com países no mesmo patamar ou até abaixo do Brasil em termos econômicos é loucura”.

Os dois analistas concordam que, na reta final da campanha, mesmo sem esquecer a questão ética e sem esconder as denúncias de corrupção, tão vivas nas fotografias do dinheiro do dossiê dos Vedoins apresentadas e reapresentadas nas redes de televisão, os partidos precisam mostrar suas propostas e programas de políticas públicas. É aí que deve ser analisada aquela crítica de historiadores e cientistas políticos, de que os partidos políticos brasileiros são incapazes de formular um projeto nacional consistente, e muito menos de executá-lo quando alcançam o poder.

Não é bem assim, de acordo com os dois professores. Lamounier diz que a expressão “projeto nacional” é um pouco mistificadora, “pois atribui peso exagerado a uma elaboração intelectual prévia e também à formação de um superconsenso, o que é muito difícil”. Para ele, projeto nacional, hoje, é retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis e a taxas bem superiores à que o Brasil atingiu no ano passado, superior apenas à do Haiti. É, ainda, “implementar uma política educacional séria e abrangente, voltada sobretudo para o nível básico e com ênfase na melhoria de qualidade. Ainda, políticas sociais que não sejam meramente assistencialistas, articuladas com a geração de empregos e de renda no contexto do crescimento econômico”. Lamounier está convencido de que atualmente não há nada disso. Não foi sempre assim: “O País teve projetos nos anos 50 e no período militar, mas eram ambos deficientes, basta ver que deixaram do mesmo tamanho o gravíssimo problema da educação”.

A longo prazo – Maria do Socorro entende que os dois partidos mais diretamente envolvidos na eleição presidencial, PT e PSDB, mas também PMDB e PFL, têm bandeiras e programas de governo diferenciados e podem muito bem montar projetos de governo consistentes. Eles sabem com clareza o que querem em matéria de educação, saúde, habitação e economia. O PT, por exemplo, sempre defendeu uma presença maior do Estado, políticas voltadas para a população mais carente e menor ênfase no mercado. Ao contrário do PSDB e do PMDB, mais identificados com o sistema liberal ou neoliberal. Lula, pessoalmente, e um grupo petista mais identificado com ele preferem investir na correção da desigualdade social, mas, de fato e no geral, acabaram aderindo às diretrizes do governo anterior, do PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, o considerável aumento nos recursos destinados ao programa Bolsa-Família, que beneficia 11 milhões de pessoas, deu resultados políticos e pode explicar o amplo favoritismo de Lula no Nordeste.

Aqui, a professora faz uma curiosa comparação: segundo ela, fenômeno semelhante ocorreu em São Paulo e explica por que o ex-governador Paulo Maluf foi campeão de votos na eleição de outubro. É que, se Lula cuidou dos pobres do Nordeste, Maluf cuidou dos pobres de São Paulo, principalmente com o projeto Cingapura, que, pela primeira vez na história, conseguiu dar às famílias das periferias um endereço, uma referência e uma identidade.

Nessa questão de programas, diz Maria do Socorro, falta aos partidos pensar e formular propostas a longo prazo. Ao contrário disso, eles pensam apenas no dia seguinte, em projetos a apresentar em tempo de eleição, e só se dão conta de que falharam quando alcançam o poder. Pessoas preparadas e prontas para integrar os quadros de direção do novo governo, vença quem vencer, não faltam, se confiarmos na professora.
Se vencer Lula, provavelmente afastará o grupo do PT envolvido nas denúncias de corrupção e buscará outras lideranças como Marta Suplicy, em São Paulo e gente do PT gaúcho. Se vencer Alckmin, terá à disposição o grupo de Fernando Henrique Cardoso, os antigos aliados de Mário Covas (graças aos quais chegou ao governo do Estado), as pessoas ligadas a uma parte do PMDB (Michel Temer) paulista e, ainda, do Rio Grande do Sul. Sem esquecer que o PFL, “importantíssimo para o governo”, estará à disposição do novo titular do Planalto.

Como já é tradição, as universidades têm suas reservas de especialistas em vários ramos do saber, que poderão ser chamados a qualquer hora, independentemente do partido que levar a melhor no segundo turno. Mas a professora da USP admite que as universidades estão meio ausentes do debate político nacional. Ela gostaria que essas instituições mantivessem um diálogo mais acentuado com os partidos políticos e trouxessem lideranças partidárias para seminários e fóruns nos campi. É verdade, segundo Maria do Socorro, que o aparente desinteresse não contaminou os alunos da Universidade, que em várias unidades e por várias vezes solicitaram a sua presença para falar das eleições.



Hora das pesquisas

Até a véspera das eleições de primeiro turno, as pesquisas de opinião apontavam Lula como campeão de voto, aparentemente imune a todas as denúncias de corrupção de que o seu governo, em especial os seus auxiliares mais próximos, foi acusado. No entanto, não conseguiu passar direto para o segundo turno e não está afastada a possibilidade de vitória final do candidato da oposição.

O que aconteceu?

Segundo Bolívar Lamounier, tudo indica que o eleitor dos Estados economicamente mais adiantados já estava farto de escândalos e perdeu a paciência ao tomar conhecimento do dossiê petista contra Alckmin e José Serra (governador eleito de São Paulo). Deve ter pensado assim: “Poxa, mais um? Assim não dá”. Por isso mesmo, o professor considera que a reversão no segundo turno seja possível, “principalmente por causa do uso eleitoral da máquina de governo. A apressada liberação de R$ 1,5 bilhão que haviam sido loqueados poucos dias antes é um exemplo entre muitos”.

Embora concorde que agora, no segundo turno, seja mais interessante para os candidatos debater política econômica e social, Lamounier acha que a questão ética pode reaparecer a qualquer momento: “Basta lembrar que a questão do dossiê não está resolvida. Quase um mês após a eclosão do escândalo, o ministro da Justiça ainda não informou à sociedade a quem pertencia e de onde veio o dinheiro”. Insistir nas denúncias pode cansar a paciência do eleitor, mas, acrescenta o fundador do Idesp, “do ponto de vista ético, todo partido ou indivíduo que toma conhecimento de falcatruas tem o dever de denunciá-las – ainda mais com dinheiro público que deveria ser aplicado em saúde. Isso também vale, é óbvio, para tentativas de contaminar e distorcer o processo eleitoral, como é o caso do dossiê”.

A propósito das fotos do dinheiro do dossiê, exaustivamente exibidas na TV, Maria do Socorro lembra que o caso se parece com o que ocorreu no Maranhão, envolvendo Roseana Sarney, que à época acenava com a possibilidade de disputar a Presidência da República. A imagem do dinheiro foi tão forte, impressionou tanto as pessoas, que a filha do senador José Sarney teve de abrir mão da candidatura. Essas coisas, acrescenta a professora da USP, comovem mais a classe média, a que foi menos favorecida pela política de Lula (e de FHC).

Ainda sobre pesquisas, é notório que os principais institutos que as fazem (Ibope e Datafolha) apresentaram resultados conflitantes e muitas vezes bem diferentes dos números finais da Justiça Eleitoral, no primeiro turno. Os erros mais gritantes se referem às eleições na Bahia e no Rio Grande do Sul. As explicações dos institutos, que atribuíram as diferenças à tendência do eleitor de cada vez mais deixar a decisão para a última hora, dificultando a detecção dos resultados, não convenceram Maria do Socorro. Ela entende que a realização de pesquisas deveria ser mais bem regulamentada. A lei deveria dizer quando é hora de parar com elas, pois é certo que as sondagens de última hora não detectam tendências, apresentam apenas uma imagem do momento e estão sujeitas a erros. Esta não foi, segundo ela, a primeira eleição em que os institutos erraram no momento decisivo da eleição. A professora admite, porém, que as pesquisas, quando feitas corretamente, são instrumentos importantes para a informação do eleitor.

As de boca-de-urna, para que servem, se os resultados são divulgados quase simultaneamente com os da apuração oficial? Pessoalmente, Maria do Socorro vai se empenhar por uma nova regulamentação. Quanto a Bolívar Lamounier, prefere não se manifestar sobre isso.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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