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Créditos: Marcos Santos

E m um aspecto específico, um pintinho que se desenvolve em um ovo é mais parecido com uma semente do que com um filhote de mamífero que cresce no útero da mãe. A semelhança está no fato de que, nos dois casos, o desenvolvimento do embrião acontece externamente ao corpo da mãe, sem envolvimento dos genitores. Os fenômenos que acontecem durante o desenvolvimento de um embrião de galinha – e os questionamentos que um processo desse tipo levantam – foram alvo de pesquisa do professor Crodowaldo Pavan – Professor Emérito da USP e docente do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Pavan analisou, em mais de um ano de pesquisas, gemas de ovos comuns, comprados em supermercados e feiras. O foco do professor foi entender melhor a nutrição do embrião e os processos que ocorrem para que o animal em gestação se mantenha saudável e sem necessidade de evacuar durante o período em que está no ovo. Para tanto, Pavan realizou inúmeras observações microscópicas sobre gemas de ovo com a seguinte metodologia: bater no liquidificador uma mistura do ovo com uma solução fisiológica, por mais de uma vez, e por fim observar essa substância.

Ao notar os processos que acontecem dentro do ovo, Pavan constatou um grande número de bactérias ali presente. O que não chega a ser surpresa para a comunidade científica, visto que a presença desses organismos no ovo já é conhecida. O diferencial dos estudos do professor foi a verificação de que as bactérias ali situadas interagem diretamente com a gema do ovo – produzindo assim um terceiro material que seria o responsável pela alimentação do embrião durante sua gestação. Essas bactérias são do gênero Wolbachia.

“As bactérias atuam na gema e produzem uma goma que serve para o embrião se alimentar”, explica Crodowaldo Pavan. A necessidade de que esse processo aconteça, segundo o professor, se explica pela complexidade dos materiais que constituem a gema do ovo: “A gema é um alimento muito complexo. Se o embrião tivesse que se alimentar diretamente da gema, ele teria que evacuar uma boa parcela do que comeu. Isso, dentro do ovo, seria calamitoso”. A goma especial produzida pela relação da bactéria com a gema, segundo Pavan, faz com que o embrião não necessite evacuá-la.

Créditos: Marcos Santos

Futuro alimento – O professor Pavan ressalta que ainda não se tem a comprovação definitiva desses estudos, mas que as conclusões verificadas estão bem encaminhadas. E já vislumbra uma possível aplicação prática da pesquisa: “Essa goma, sendo o alimento do embrião, é uma substância muito nutritiva. Pode ser usada até como alimento humano”, comenta.

O professor Antônio José Piantino Ferreira, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, compartilha do entusiasmo de Pavan e cita outro exemplo de uma ação de bactéria transformada em produto comercial. “A goma xantana, usada como estabilizador de alimentos, foi descoberta após pesquisas sobre a bactéria Xanthomonas campestris.”

Piantino define a descoberta de Crodowaldo Pavan como um “achado científico importante”. O professor ressalta a possível aplicabilidade comercial do estudo como um dos principais desdobramentos da descoberta, mas também aponta que a pesquisa traz novos componentes para o estudo das bactérias dentro dos seres vivos. “Existem muitas bactérias que causam doenças, as bactérias patológicas. Mas há outras tantas que realizam simbiose com as células dos animais. Os organismos perderiam muito se não tivessem essa relação com as bactérias”, explica.

Para Pavan, o “preconceito” contra as bactérias impediu que descobertas como essa fossem realizadas antes. “Tem gente que ainda pensa que bactéria só traz doença”, diz. Existem outros variados exemplos na natureza de que a relação com as bactérias é benéfica para os dois lados, desde plantas que precisam desse seres para fixar nitrogênio até fenômenos semelhantes ao detectado por Pavan, que ocorrem em peixes e insetos – e até mesmo no ser humano. “As plantas leguminosas, praticamente todas, têm essa relação com as bactérias. É um equilíbrio extraordinário”, diz.


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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