E m um aspecto específico,
um pintinho que se desenvolve em um ovo é mais parecido
com uma semente do que com um filhote de mamífero que cresce
no útero da mãe. A semelhança está no
fato de que, nos dois casos, o desenvolvimento do embrião
acontece externamente ao corpo da mãe, sem envolvimento
dos genitores. Os fenômenos que acontecem durante o desenvolvimento
de um embrião de galinha – e os questionamentos que
um processo desse tipo levantam – foram alvo de pesquisa
do professor Crodowaldo Pavan – Professor Emérito
da USP e docente do Instituto de Ciências Biomédicas
(ICB) da USP.
Pavan analisou, em mais de um ano de pesquisas, gemas de ovos
comuns, comprados em supermercados e feiras. O foco do professor
foi entender melhor a nutrição do embrião e os processos
que ocorrem para que o animal em gestação se
mantenha saudável e sem necessidade de evacuar durante o
período em que está no ovo. Para tanto, Pavan realizou
inúmeras observações microscópicas
sobre gemas de ovo com a seguinte metodologia: bater no liquidificador
uma mistura do ovo com uma solução fisiológica,
por mais de uma vez, e por fim observar essa substância.
Ao notar os processos que acontecem dentro do ovo, Pavan constatou
um grande número de bactérias ali presente. O que
não chega a ser surpresa para a comunidade científica,
visto que a presença desses organismos no ovo já é conhecida.
O diferencial dos estudos do professor foi a verificação
de que as bactérias ali situadas interagem diretamente com
a gema do ovo – produzindo assim um terceiro material que
seria o responsável pela alimentação do embrião
durante sua gestação. Essas bactérias são
do gênero Wolbachia.
“As bactérias atuam na gema e produzem uma goma que
serve para o embrião se alimentar”, explica Crodowaldo
Pavan. A necessidade de que esse processo aconteça, segundo
o professor, se explica pela complexidade dos materiais que constituem
a gema do ovo: “A gema é um alimento muito complexo.
Se o embrião tivesse que se alimentar diretamente da gema,
ele teria que evacuar uma boa parcela do que comeu. Isso, dentro
do ovo, seria calamitoso”. A goma especial produzida pela
relação da bactéria com a gema, segundo Pavan,
faz com que o embrião não necessite evacuá-la.
Futuro alimento – O professor Pavan ressalta que ainda não
se tem a comprovação definitiva desses estudos, mas
que as conclusões verificadas estão bem encaminhadas.
E já vislumbra uma possível aplicação
prática da pesquisa: “Essa goma, sendo o alimento
do embrião, é uma substância muito nutritiva.
Pode ser usada até como alimento humano”, comenta.
O professor Antônio José Piantino Ferreira, professor
da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ)
da USP, compartilha do entusiasmo de Pavan e cita outro exemplo
de uma ação de bactéria transformada em produto
comercial. “A goma xantana, usada como estabilizador de alimentos,
foi descoberta após pesquisas sobre a bactéria Xanthomonas
campestris.”
Piantino define a descoberta de Crodowaldo Pavan como um “achado
científico importante”. O professor ressalta a possível
aplicabilidade comercial do estudo como um dos principais desdobramentos
da descoberta, mas também aponta que a pesquisa traz novos
componentes para o estudo das bactérias dentro dos seres
vivos. “Existem muitas bactérias que causam doenças,
as bactérias patológicas. Mas há outras tantas
que realizam simbiose com as células dos animais. Os organismos
perderiam muito se não tivessem essa relação
com as bactérias”, explica.
Para Pavan, o “preconceito” contra as bactérias
impediu que descobertas como essa fossem realizadas antes. “Tem
gente que ainda pensa que bactéria só traz doença”,
diz. Existem outros variados exemplos na natureza de que a relação
com as bactérias é benéfica para os dois lados,
desde plantas que precisam desse seres para fixar nitrogênio
até fenômenos semelhantes ao detectado por Pavan,
que ocorrem em peixes e insetos – e até mesmo
no ser humano. “As plantas leguminosas, praticamente todas,
têm essa relação com as bactérias. É um
equilíbrio extraordinário”, diz.
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