Fire e Mello: o fluxo de informação genética é desvendado Apesar
de ser ainda bastante recente – foi publicado em 1998 –,
o trabalho dos americanos Andrew Fire e Craig Mello, vencedores
do Prêmio Nobel de Medicina de 2006, vem sendo usado intensamente
por laboratórios e pesquisadores no mundo inteiro, inclusive
na USP. A descoberta que levou à conquista do prêmio,
chamada de interferência de RNA, desvenda um mecanismo capaz
de abafar a expressão dos genes, e pode representar um caminho
no tratamento de enfermidades como câncer, Aids e algumas
doenças genéticas. “A técnica é muito
poderosa e tem um impacto muito amplo porque permite desligar genes
específicos. É uma ferramenta já incorporada
como instrumento da pesquisa básica”, destaca a professora
Lygia da Veiga Pereira, do Centro de Estudos do Genoma Humano do
Instituto de Biociências da USP.
Os ganhadores do Nobel deste ano “descobriram um mecanismo
fundamental para controlar o fluxo de informação genética”,
de acordo com o anúncio divulgado pela Fundação
Nobel no dia 2. O genoma opera enviando instruções
para a fabricação de proteínas do DNA, no núcleo
da célula, para o mecanismo de síntese protéica,
no citoplasma, através do chamado RNA mensageiro. A interferência
de RNA destrói o RNA mensageiro, impedindo a síntese
de proteínas – o efeito, na prática, é semelhante
ao “desligamento” do DNA.
“Conhecer os genes não significa saber o que eles fazem”,
declarou à imprensa o cientista Andrew Fire. É por
isso que, na era pós-seqüenciamento do genoma, o grande
desafio é entender a função de cada um. “Uma
forma de fazer isso é desligar esse gene e verificar quais
as conseqüências”, diz a pesquisadora Lygia da Veiga
Pereira. Ao disponibilizar uma ferramenta capaz de fazer isso, a
interferência de RNA pode ajudar a desvendar a utilidade de
dezenas de milhares de genes cujas funções são
desconhecidas. A promessa, afirma Lygia, é que esse método
venha a ser utilizado no desenvolvimento de terapias para atacar
várias doenças. “Essas aplicações
estão sendo pesquisadas em laboratório, com resultados
muito promissores”, diz. Terapia vascular – Na USP, um dos trabalhos que utilizam
a técnica descoberta por Fire e Mello é desenvolvido
pela bióloga Luciana Vasques, pesquisadora que faz pós-doutorado
no Instituto do Coração (Incor), ligado à Faculdade
de Medicina da USP. Seu trabalho integra um estudo em terapia vascular
liderado pelo professor José Eduardo Krieger e tem como
objetivo diminuir a proliferação celular em pacientes
que receberam ponte de safena. Nesse tipo de cirurgia, a veia safena é retirada
da perna e colocada numa função arterial para fazer
a revascularização do coração. Devido
a essa mudança de ambiente, o vaso passa por um remodelamento
para “imitar” a função da artéria.
Em alguns casos, pode ocorrer um espessamento do vaso, causando
a sua oclusão. “A idéia do projeto é diminuir
a proliferação de células no vaso para que
não ocorra a oclusão”, explica Luciana.
A bióloga Luciana: pesquisa sobre terapia vascular usa
técnica premiada
A pesquisadora desenvolveu um RNA interferente contra o gene
E2F1, que controla a expressão de genes envolvidos com proliferação
celular. Diminuindo-se a expressão desse gene, é possível
diminuir essa multiplicação. Em culturas de laboratório,
Luciana já conseguiu reduzir a proliferação
em 70% e se prepara para o próximo passo, que é aplicar
a terapia em modelo animal. “O interessante dessa descoberta é que
ela serve para a desativação de muitos genes”,
diz a pesquisadora, que fez mestrado e doutorado no Instituto de
Biociências da USP, sob orientação de Lygia
Pereira. “Esse mesmo gene que estou estudando pode ser utilizado
como terapia para outras doenças que envolvem proliferação
celular, como câncer.” Importância – “A interferência de RNA
ocorre em plantas, animais e humanos. É de grande importância
para a regulação da expressão genética,
participa da defesa contra infecções virais e mantém
sob controle os ‘genes saltadores’”, diz a declaração
de anúncio do prêmio a Fire e Mello. “A interferência
de RNA já está sendo utilizada como um método
para estudar a função de genes e pode proporcionar
novas terapias no futuro.”
O Prêmio Nobel costuma ser outorgado décadas depois
de uma descoberta. Mas, para Bertil Fredholm, integrante da Assembléia
do Nobel do Instituto Karolinska, na Suécia, a escolha de
Mello e Fire deveu-se à evidente importância da descoberta
deles, pois a técnica da interferência de RNA, segundo
declarações que deu à imprensa, “invadiu” laboratórios
do mundo inteiro. A indústria farmacêutica também
vem utilizando o método intensivamente em suas pesquisas,
ressaltou.
Os pesquisadores americanos estão entre os mais jovens da
história recente a receber o prêmio de 10 milhões
de coroas suecas (cerca de US$ 1,37 milhão) concedido pela
Fundação Nobel. Andrew Fire nasceu na Califórnia
em 1959 e é professor na Universidade de Medicina de Stanford.
Craig Mello, nascido em 1960, leciona biologia em Harvard. Seu
bisavô paterno é um imigrante da ilha de São
Miguel, nos Açores. O cientista cresceu fascinado com as
origens da vida por ter desenterrado ossos de dinossauro no oeste
dos Estados Unidos com o pai, que era paleontólogo. Mello
declarou à imprensa que imaginava que seu trabalho pudesse
ser premiado, mas só daqui a dez ou vinte anos.
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Pai e filho premiados
Kornberg: mecanismos do RNA |
O Prêmio Nobel de Química, anunciado no dia 4, estabeleceu
uma linhagem de pai e filho entre dois ganhadores. O agraciado de
2006, o americano Roger Kornberg, tinha 12 anos de idade quando viu
seu pai, Arthur, receber a distinção na área
de Medicina em 1959. Enquanto o pai descreveu como a informação
genética se transfere de uma molécula de DNA para outra,
o que o filho fez foi “descrever como a informação
genética é copiada do DNA para o que se conhece como
RNA-mensageiro”, de acordo com o comunicado da Fundação
Nobel. O prêmio de Química deste ano consagra o trabalho
de um cientista dedicado à pesquisa genética, assim
como o de Medicina. Para que nosso organismo possa utilizar a informação
armazenada nos genes, uma cópia precisa ser feita e transferida
para partes exteriores das células. Lá a cópia é usada
como uma instrução para a produção de
proteína – e são as proteínas, por sua
vez, que realmente definem a função do organismo. Esse
processo de cópia é chamado de transcrição,
e Roger Kornberg foi o primeiro a criar uma imagem acurada de como
a transcrição funciona no nível molecular em
organismos com células eucarióticas (células
cujo núcleo possui uma membrana que o separa do citoplasma).
Nesse grupo estão incluídos desde grandes mamíferos
como os seres humanos a organismos menores como fungos.
Os quadros desenvolvidos por Kornberg permitem a observação
de um ramo de RNA se desenvolvendo e o papel de várias outras
moléculas necessárias para o processo de transcrição.
Tão detalhadas são as imagens, define a Fundação
Nobel, que “átomos separados podem ser distinguidos,
e isto torna possível entender os mecanismos de transcrição
e como ela é regulada”. Kornberg, de 59 anos, é doutor
pela Universidade de Stanford, onde também é catedrático
de Medicina.
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