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O debate no IEA: Brasil tem grandes chances de se tornar um grande player global no mercado de biocombustíveis, destacou o economista Ignacy Sachs

Num evento de que participei outro dia, no interior de São Paulo, um empresário chegou com sua caminhonete movida a biocombustível de gordura de porco que ele produz, e estava todo feliz por sua caminhonete andar assim. Os meus vizinhos da Normandia colocam biodiesel de óleo de colza nos seus tratores e não perguntam ao governo se é legal ou não, mesmo porque não iriam gostar de saber se é ilegal. Acho que isso é uma grande possibilidade para um futuro bioenergético sustentável. As observações sobre a descentralização da produção e do uso dos biocombustíveis foram feitas pelo socioeconomista Ignacy Sachs em evento promovido dia 9 de novembro no auditório do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. As palestras de Sachs estão disponíveis no endereço eletrônico www.iea.usp.br.

Professor da École des Hautes Études em Sciences Sociales, de Paris, na França, nascido em Varsóvia em 1927 e naturalizado francês, Sachs participou de uma série de seminários em sua passagem pelo Brasil nas últimas semanas. “Bioenergia: etanol e biodiesel” foi o tema do encontro do IEA debatido por especialistas de várias instituições, como USP, Unicamp, Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Volkswagen e Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). O moderador dos debates foi Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Segundo Weber Amaral, o Pólo Nacional de Biocombustíveis – do qual é coordenador – trabalha na direção de mostrar que é importante ter a produção e a distribuição de biodiesel descentralizada, em contraposição ao modelo centralizado, hoje controlado pela Petrobras. “Os pequenos e médios atores devem estar engajados na produção de biodiesel, usando-o em frota própria e até vendendo o excesso que não for consumido. Essa é uma alternativa muito importante para reduzir os custos de produção e logística e facilitar o processo de inclusão social”, disse.

Porém, ainda há um grande salto até se realizar efetivamente o conceito de utilização de biocombustíveis, em especial do biodiesel, na visão de Amaral. O primeiro empecilho é atender às especificações da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Para pequenos volumes, as análises individuais saem caro, e fica a dúvida do consumidor sobre a garantia de qualidade do produto. “Ninguém impede que se use o próprio combustível em frota cativa e, caso o combustível seja de baixa qualidade, o dano será do próprio produtor. Um outro aspecto é que precisaria haver critérios mínimos de indicadores de qualidade que tornassem a avaliação do biocombustível mais rápida, barata e segura.”

A implantação de fato da produção e consumo do biodiesel, destacou Amaral, depende de uma política ampla, que inclui uma rede de laboratórios credenciados, com suporte de um fundo criado pelo próprio governo. “Isso diminuiria o custo das análises porque haveria muito mais análises sendo produzidas e diminuiria talvez o número de especificações atualmente exigidas, sem perda de qualidade. Se o governo quer criar algo de qualidade, precisa criar todos os instrumentos e mecanismos que fomentem isso.”

Trabalho rural – O Brasil tem chances de se tornar um grande player global no mercado de biocombustíveis, afirmou Ignacy Sachs. “Porém, a grande questão é saber se o fará em tempo hábil e se o País saberá aproveitar esse novo ciclo de crescimento rural para resolver as mazelas do campo e promover oportunidades de trabalho decente para o trabalhador rural e o pequeno agricultor. Não dá mais para omitir esse debate. Além do mais, esse modelo não pode mais ser reproduzido no mundo. Devemos olhar para as oportunidades de criar trabalho decente no campo”, disse Sachs.

O professor Luís Augusto Barbosa Cortez, da Unicamp, disse acreditar que, para atender parte da demanda mundial de biocombustíveis que ocorrerá nos próximos anos, “será necessário redesenhar a indústria bioenergética, especialmente a do etanol, porque o abastecimento parcial de toda a demanda exigirá um salto sem precedentes”.

Roberto Rodrigues fez um alerta para que o programa de biodiesel não incorra nos erros do Pró-Álcool, que, no passado, chegou a incentivar plantações de cana-de-açúcar em solos inadequados e teve prejuízos.

Alguns palestrantes destacaram que, antes de cadeias produtivas, o novo desenho das economias sustentáveis terá características de sistemas integrados locais. “A produção de alimentos com combustíveis deve ser equacionada de forma local, não há uma forma imparcial para fazer isso”, diz o consultor Roberto Kishinami. Responsável pela direção do Greenpeace Brasil de 1992 a 2001, Kishinami destacou que a “expansão do etanol no Brasil deve ser feita de forma absolutamente coordenada, sem esquecer o desenvolvimento de tecnologias que funcionem como distribuidoras de renda e do papel da educação, que evitará a produção dos excluídos de amanhã”.

Antônio de Pádua Rodrigues, diretor da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica), destacou que o setor sucroalcooleiro defenderá no projeto de reforma tributária um ICMS ao produtor de 12% sobre o álcool hidratado para todos os Estados. Hoje os produtores paulistas pagam 12%, os de Goiás, 15%, os do Paraná, 18% e os dos outros Estados, 25%. O anidro é isento de ICMS. “O preço da gasolina não tem essa variação e é quase o mesmo em todo o Brasil. Às vezes se agrega um pouco mais por uma margem maior do posto ou por questões de logística, mas não há diferenças de tributo”, comparou o diretor.



Evento em Lorena discute diretrizes para o setor

Pesquisas do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) antecipam que até o ano de 2025, o Brasil, maior produtor de cana do mundo, deve aumentar ao máximo seu potencial em produção de álcool combustível para atender à demanda mundial. Em cerca de 20 anos, estima-se que 10% da gasolina do mundo seja substituída por etanol, o que corresponde a cerca de 200 bilhões de litros álcool por ano. O Brasil seria o responsável pelo abastecimento de 50% desse mercado, um aumento bastante significativo frente aos 15,2 bilhões de litros produzidos na safra 2004/2005. Entretanto, o Brasil ainda não está preparado para alcançar esse potencial produtivo. Sendo assim, é imprescindível que novas pesquisas resultem em inovações tecnológicas no setor para que o álcool combustível brasileiro se torne realmente competitivo no mercado externo.

Esse prognóstico foi apresentado no dia 10 passado, quando 40 especialistas do setor sucroalcooleiro se reuniram na Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP para participar do 1o Workshop Tecnológico sobre Obtenção de Etanol, organizado pela professora Maria das Graças de Almeida Felipe, da EEL. O evento se enquadra no conjunto de atividades do Projeto Diretrizes de Políticas Públicas para a Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo, coordenado pelo professor Luiz Augusto Cortez, da Unicamp, com participação de pesquisadores da USP, Ufscar, Unesp e IPT, entre outras instituições de pesquisa.

“Alcançar o rendimento máximo da produção e reduzir o custo do produto” foi o desafio lançado pelo representante do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Jaime Finguerut, durante o workshop. Segundo ele, os pesquisadores têm a grande responsabilidade de conceber uma indústria que possa chegar atuante e produtiva no futuro. Para o professor Antonio José de Meirelles, da Unicamp, deve-se investir mais em usinas e otimizar as plantas das atuais destilarias, para que estas possam obter resultados expressivos na qualidade do álcool e ainda assim reduzir o consumo de energia.

Já o professor Carlos Rossel, também da Unicamp, propôs uma quebra de paradigma: “Hoje a produção de etanol está ligada diretamente à produção de açúcar. É necessário buscar a autonomia das destilarias para aumentar a produção de álcool”. Rossel afirma que há a necessidade de investir na qualidade da cana plantada e de desvincular a produção do açúcar da do álcool. O açúcar, por ter melhor preço de mercado e menos custo produtivo, é sempre preferido pelo usineiro. É preciso apresentar aos usineiros vantagens em investir na produção do etanol agregando valor ao álcool, sugeriu Rossel.

Segundo Cortez, é possível vencer os desafios se as inovações tecnológicas apontarem para o aproveitamento máximo da produção de álcool da cana, enfocadas na diminuição de perdas inerentes ao processo, no aproveitamento do bagaço da cana e na otimização dos processos de fermentação e destilação. O professor disse que a Fapesp destinará recursos para esse programa com vistas a tornar o Estado de São Paulo a base tecnológica sucroalcooleira para o restante do País. A coordenadora do workshop, Maria das Graças, espera que a união de esforços para a realização do projeto resulte em ações concretas e eficientes para atender a esse setor.

SIMONE COLOMBO, de Lorena

 


“Mercado não é tudo”

“Não podemos nos pautar unicamente pelo mercado.” Foi o que afirmou o socioeconomista Ignacy Sachs, em palestra no dia 31 de outubro na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, ao se referir ao novo mercado de biocombustível. Citando o Pró-Álcool – programa de agroenergia implantado no Brasil há 30 anos –, ele destacou que, com a experiência adquirida, o País deve buscar compatibilizar os critérios econômicos, sociais e ambientais. Para tanto, o professor afirma que tudo depende de o governo ser ou não capaz de definir um conjunto de políticas públicas apropriadas. “Tendo como base a idéia da continuidade administrativa, a reeleição do presidente Lula cria todas as condições para que essas políticas

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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