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Revista USP, número 70, dossiê Água, publicação da Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da USP (telefone 11 3091-4403), 182 páginas, R$ 16,00.

 

 

O poeta Carlos Drummond de Andrade vivia no Rio de Janeiro quando, um dia, faltou água no seu bairro. Indignado, escreveu uma carta aos jornais denunciando o problema. Algumas pessoas recriminaram publicamente sua atitude, pois não compreendiam como um poeta grandioso como Drummond poderia usar seu nome para reclamar de algo tão cotidiano. “Sem água não tomo banho”, respondeu o poeta em uma simplicidade que calou os críticos.

Com essa anedota, a nova edição da Revista USP – de número 70 –apresenta um dossiê sobre o elemento primordial da vida, a água. Com nove textos de diferentes autores, a questão da água é debatida em seus aspectos mais importantes e atuais. E esse debate começa com a polêmica transposição do rio São Francisco. Neste ano, com a promessa de água para todos, o governo federal propôs a retirada de 1% do volume do rio, que seria levado para o Nordeste semi-árido.

O geógrafo Aziz Ab’Sáber, professor honorário do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e grande crítico do projeto de transposição do rio, abre o dossiê apontando a necessidade de um estudo básico das características físicas e sociais da região, antes de se fazer tal alteração. Já o professor Francisco Sarmento, da Universidade Federal da Paraíba e integrante do projeto, alerta para a urgência da ação devido ao previsível desabastecimento dos centros urbanos da região.

Para Sarmento, 1% do volume do rio é uma “irrisória fração”, não comprometendo em nada as atividades econômicas já baseadas em suas águas. “Volumes de cheias não têm utilidade econômica local nem sequer servem à geração de energia elétrica, dado que as cheias passam pelos vertedores das hidrelétricas e não pelas turbinas instaladas”, explica.

Para Ab’Sáber, essa porcentagem não pode ser confirmada e, portanto, não se pode afirmar que não haverá prejuízo para as hidrelétricas ou mesmo para as comunidades locais. “É exatamente quando as águas do rio ficam mais baixas que se torna necessário maior volume delas para manter as hidrelétricas, no mesmo período em que seria necessário transpor mais águas para Além-Araripe, onde todos os rios sertanejos perdem correnteza por longos meses”, aponta.

Problema de gestão – O professor José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia em São Carlos, apresenta um panorama sobre a gestão das águas no Brasil e no exterior, onde é feita de forma integrada e descentralizada, tendo a bacia hidrográfica como unidade de administração.

Ele associa a crise da água à crise de gestão de seus recursos, mais do que à contaminação ou escassez. Segundo ele, é necessária uma integração entre o conhecimento científico adquirido e o gerenciamento. “Nessa questão, a contribuição da universidade e dos institutos de pesquisa, públicos e privados, tem um papel relevante, pois é fonte permanente de ampliação de conhecimento e de novos avanços tecnológicos”, escreve.

A mesma preocupação com a integração do conhecimento científico e o poder público é expressa pela professora do Instituto de Química da USP Eni Cardoso Tolle. Ela cita o rio Pinheiros, em São Paulo, como símbolo da falta de ação da comunidade científica em busca de uma solução para a questão das águas. Correndo a menos de 500 metros da USP, o Pinheiros é um dos rios mais poluídos da cidade. “Não há como responder aos problemas sem que toda a comunidade científica esteja empenhada na solução, pois existe ainda um profundo abismo entre o conhecimento científico e o consenso social”, diz.

As águas poluídas de São Paulo são tema também de Zuleika Beyruth, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Ela destaca a “intrínseca relação” entre o desmatamento da mata atlântica e a poluição e mesmo a redução do volume das bacias hidrográficas do Estado. Aponta ainda que a poluição das águas é fator inerente à diminuição da qualidade de vida do homem. “Entre 1998 e 2000, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou cerca de R$ 22 bilhões em internações hospitalares no Estado de São Paulo, devidas a doenças estreitamente relacionadas às condições sanitárias e ambientais.”

Chuva ácida – “Há chuva ácida no Brasil?” Com essa pergunta, a professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP Adalgiza Fornaro apresenta um breve histórico desse que é um dos fenômenos mais característicos das grandes cidades. A chuva ácida é formada pela absorção de partículas e poluentes gasosos do ar pelas gotas d’água. Adalgiza conclui que há, sim, chuva ácida no Brasil, apesar do pouco estudo sobre sua real extensão. “Há exemplos importantes de compostos que, na chuva ácida, chegam a comprometer sistemas de fornecimento de água”, resume.

Na busca do homem pelo aproveitamento do espaço, rios que cortavam São Paulo foram eliminados da cena urbana sob uma camada de asfalto ou modificados com a construção de corredores de circulação em suas margens. Essa mudança na paisagem é analisada na nova edição da Revista USP por Vladimir Bartalini, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Ele aborda os casos mais conhecidos – como o rio Tamanduateí – e propõe algumas medidas de intervenção, visando à melhor integração desses rios à paisagem urbana. “Trazer à consciência coletiva a existência dos córregos ocultos é um dos passos possíveis, se não uma condição indispensável, no sentido de reverter a comum associação dos rios a aspectos negativos como esgotos e lixos.”

Em seu artigo, a professora Elisabete Saraiva, do Instituto de Oceanografia (IO) da USP, aborda as múltiplas relações do homem com a água. “A humanidade estabeleceu relacionamentos com o oceano que percorreram aspectos tanto de criação de mitos e medos, de sobrevivência, aventura e desafios quanto de pesquisas de zonas profundas e abissais”, ressalta.

“A água é o princípio de tudo.” Por volta do século 6 antes de Cristo, o pensador grego Tales de Mileto inaugurou a filosofia ocidental com essa idéia e instaurou o pensamento racional que hoje é a base do conhecimento científico no Ocidente. Tales teria observado que a água está presente em tudo o que cresce e tudo o que é natural – afirmação comprovada pela ciência moderna. Quem faz essas considerações na revista é o professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Roberto Bolzani Filho. Ele cita a relação dos gregos antigos com a água, considerada elemento e princípio da natureza, cujos fenômenos eram atribuídos à vontade dos deuses. “Essa não é uma história linear. E também não é tão simples como poderia parecer à primeira vista”, avisa Bolzani.

A edição 70 da Revista USP marca o início de uma trilogia dedicada aos quatro elementos – água, terra, ar e fogo –, que serão abordados nos próximos números. Além do dossiê, a revista traz suas tradicionais seções, como Homenagem – que nesta edição é dedicada ao jurista Miguel Reale, tema de texto escrito pelo professor da Faculdade de Direito da USP Celso Lafer – e Textos, com cinco artigos sobre diversos assuntos, entre eles as possibilidades do retrato, por Teresa Barreto, professora da FFLCH. Outra seção da revista, Livros, traz os artigos “Memoria en Construcción – el Debate sobre la Esma”, de Marcelo Brodsky, e “Entre o Mediterrâneo e o Atlântico – Uma aventura teatral”, de Maria Lúcia Pupo.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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