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créditos: Cecília Bastos

Diretores de unidades, chefes de departamento, presidentes de comissões acadêmicas e assistentes de direção, além dos principais dirigentes da USP – como a reitora Suely Vilela e o vice-reitor Franco Maria Lajolo –, lotaram no dia 27, segunda-feira, o Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária, para o lançamento do Programa de Gestão Estratégica e Desburocratização na Administração da USP. O palestrante do evento foi Paulo Daniel Barreto Lima, titular do Departamento de Programas de Gestão do Ministério do Planejamento e diretor do Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização (Gespública), que vai assessorar o projeto uspiano.

“Servidor público federal desde 1974”, como fez questão de salientar, Barreto Lima é mestre em Administração Pública pela Universidade de Brasília. Citando muitos casos e experiências pessoais e lançando mão de estereótipos comuns na imagem do funcionalismo público – como o paletó que “dá expediente” pendurado na cadeira vazia do servidor –, o palestrante em vários momentos arrancou risadas da platéia. Numa das ocasiões, fez uma paródia do poema As pombas, do maranhense Raimundo Correia (1859-1911), para falar da inutilidade da profusão de relatórios que ninguém lê e que servem para quase tudo, menos para sua finalidade primordial: “Vai-se o primeiro relatório despertado... Vai-se outro mais... mais outro... enfim dezenas de relatórios...”, disse, para completar: “Nem quem escreve consegue ler esses relatórios. Relatório e prestação de contas são coisas bem diferentes”, afirmou.

Barreto Lima fez um histórico das tentativas de eliminar entraves da administração pública brasileira. Os primeiros programas remontam ainda ao governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com a criação da Comissão de Simplificação Burocrática. Em 1979, foi criado inclusive um Ministério Extraordinário para a Desburocratização, capitaneado por Hélio Beltrão. Essas iniciativas não tiveram continuidade porque não geraram mentalidade de mudança. “A burocracia em excesso é tão maldosa que prefere o atestado de óbito ao defunto”, disse, citando o ex-ministro Beltrão. “A verdadeira mudança tem que estar no foco da gestão. É preciso fazer uma análise do impacto das medidas e ver se esse impacto trará mais conseqüências positivas ou negativas”, defendeu. O assessor alertou, entretanto, que a mudança incomoda, causa impacto e demanda explicação, pois “as pessoas não gostam de sair do seu espaço de conforto”.

Sob controle – O modelo de excelência em gestão pública não pode descuidar das características específicas do setor público, copiando indiscriminadamente modelos da área privada. O Estado não é um ente livre, só pode fazer o que a lei permite – ao contrário do setor privado, que pode fazer o que a lei não proíbe. A burocracia e o controle dos processos são necessários, ressalvou Barreto Lima, até porque atendem a determinações legais que obrigam o Estado a dar rastreabilidade às suas ações. Porém, os procedimentos não devem ter um fim em si mesmos, mas antes focar o cidadão e o bem comum. “A administração não é diretamente responsável pala atividade-fim, mas pode emperrá-la de forma incrível”, disse. Para o assessor, na atualidade vive-se em muitas organizações o controle pelo controle, a regra pela regra, a burocracia pela burocracia. “Tudo está controlado, menos a pessoa que é afetada por aquilo”, afirmou.

A excelência precisa ser dirigida ao cidadão, levando em conta a publicidade das ações (transparência), a impessoalidade, a moralidade, a eficiência e a legalidade, pois o cidadão é ao mesmo tempo mantenedor e destinatário do serviço público. “A organização focada só para dentro de si mesma gera excesso de burocracia para dentro e para fora. A gestão de excelência faz o que faz por dentro para gerar resultados para fora”, disse. Existe excelência isolada, mas em geral o serviço público não a apresenta, considera.

Uma avaliação dos usuários do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, colocou “carinho” como a palavra-chave no atendimento. Pesquisas recentes mostram que mais de 60% das famílias não compram brinquedos se eles não tiverem a certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Esses casos foram citados como exemplo de mudança por Barreto Lima, mas ainda são “gotas no oceano”. “Precisamos fazer muito mais”, afirmou. Na atualidade, o que vigora na maioria dos casos é o que chamou de “pacto da mediocridade ultra-estável”: “Eu não faço e a sociedade nem procura”, definiu.

O Gespública atinge os três poderes e as esferas da administração municipal, estadual e federal. É um projeto ancorado no governo federal, mas calcado numa rede de voluntariado. O Gespública oferece às organizações assessoria e oficinas, como atendimento e medição de satisfação e simplificação de procedimentos. Um dos aspectos do programa é a criação do hábito da auto-avaliação continuada. Na USP, uma das primeiras medidas adotadas será uma oficina para agentes multiplicadores na Reitoria, aberta para 40 pessoas. Também deve ser formatada uma visão corporativa da USP por parte da Reitoria, e algumas unidades serão escolhidas como as “pontas-de-lança” para implementação das atividades. “Quando já se está num patamar mais alto de qualidade e reconhecimento, maior é o desafio de melhorar”, afirmou o palestrante. A coordenação do Programa de Gestão Estratégica e Desburocratização na Administração da USP está a cargo da professora Maria de Lourdes Pires Bianchi, diretora do Departamento de Recursos Humanos.

Estratégia – Barreto Lima apresentou diversos conceitos que muitas vezes são “embaralhados” na administração, especialmente no setor público, e estabeleceu diferenças entre eles. O primeiro ponto ao qual chamou a atenção foi a diferença entre planos e metas e estratégia. “Não basta ter um plano tecnicista, mas sim criar a visão de futuro e o planejamento para fazê-lo acontecer. Estratégia não é apenas elaborar planos, visão de futuro e objetivos, mas sim saber como chegar lá e que passos dar, levando em conta todas as pressões que virão, os prós e contras, as resistências”, disse. “É preciso ver se o plano mexeu no que interessa, se gerou bem comum. Em estratégia, a ordem dos fatores altera o produto.”

Outro aspecto salientado por Barreto Lima foi o balanço entre razão e emoção, uma vez que a administração pública valoriza muito a primeira e pode pecar por deixar de lado a segunda. “Raymundo Faoro, em Os donos do poder, conta que no Brasil tivemos Estado sem ter sociedade. Os colonizadores vieram sem saber sequer quem aqui vivia, mas já traziam regulamentos”, disse. “Temos que tomar cuidado com certificações como a ISO 9000, que estabelece uma norma como: ‘tudo o que você fizer, escreva; tudo o que você escrever, faça’. Isso, para um burocrata, é uma maravilha”, afirmou, provocando novos risos na platéia.

Barreto Lima relacionou também eficiência e ganho social, salientando que na administração pública a primeira só se justifica se contribuir para o bem comum. “Passou a ser vergonhoso pedir mais recursos, mas o bom administrador precisa deles. Se levarmos ao extremo o discurso de que ser eficiente é fazer mais com menos, chegará o dia em que poderemos fazer tudo sem ter nada.” O palestrante deu um exemplo que outra vez fez a platéia rir. “Vocês já viram um diretor de unidade escrever no relatório: ‘Este ano fiz tudo, mas no ano que vem vou fazer o dobro com corte de metade dos meus recursos’?”.

Avaliação também é diferente de monitoramento, salientou. No primeiro caso, em geral se analisa um processo já realizado, enquanto no segundo a análise ocorre já durante o andamento do trabalho. Outro aspecto levantado por Barreto Lima diz respeito à relação entre rigidez hierárquica e delegação. “É preciso chegar à menor distância possível entre o tomador de decisão e o executor”, defendeu. Aí entra-se num campo complicado porque travam-se disputas de poder e se atacam estruturas que já estão arranjadas de determinada forma por muito tempo. “É uma questão de política, porque os ‘donos do galinheiro’ não querem abrir mão dos seus espaços de poder”, afirmou.

Apesar de reconhecer que há muitos problemas e dificuldades no caminho da mudança de culturas tão consolidadas, Barreto Lima é otimista. Para ele, chegará o dia em que o cliente de uma empresa privada dirá: “Fui tão bem atendido que tenho a impressão de ter sido atendido por uma organização pública”. No caso da USP, o representante do Gespública congratulou-se ao ver que toda a alta administração da Universidade estava presente ao lançamento do programa, o que demonstra o comprometimento com o processo. Foi, por sinal, o que ressaltou ao final da palestra a reitora Suely Vilela, ao agradecer a Barreto Lima e a todos que compareceram. “Convido todos a assumir conosco o compromisso da mudança”, disse.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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