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A vertiginosa urbanização e a industrialização das grandes capitais brasileiras, a partir dos anos 50, atraíram um grande número de migrantes em busca de melhores oportunidades. As cidades em construção não deram conta de integrar esses novos moradores em sua infra-estrutura, que então passaram a habitar suas margens, em locais irregulares, sem água, saneamento básico, energia elétrica ou estrutura viária. Atualmente, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 23% dos municípios brasileiros possuem favelas. Urbanizar essas regiões, muitas vezes habitadas há décadas, é um investimento municipal caro e complexo, o que resulta em ações esporádicas e pouco efetivas.

Para oferecer novos caminhos para a mudança desse quadro, professores da Escola Politécnica da USP se uniram a pesquisadores das Universidades Católica de Salvador, Federal de Minas Gerais e Federal do Rio de Janeiro, para realizar um estudo de caso que analisou 12 programas de urbanização de favelas no Brasil. “Nós criamos uma metodologia de avaliação que leva em consideração os diversos aspectos técnicos da urbanização, como abastecimento de água, coleta de esgoto, iluminação pública e drenagem. Como amostra, escolhemos os três casos mais representativos em cada região metropolitana onde se situam as universidades”, explica Alex Abiko, chefe do Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica. Os resultados da pesquisa vão ser publicados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) no início de 2007, com o título Manual para qualificação de assentamentos urbanos degradados. “Nós não pretendemos desenvolver esses projetos, mas sim subsidiar as prefeituras nas suas ações”, diz Abiko.

A equipe do professor da Escola Politécnica estudou as favelas Capuava, em Santo André, e Sete de Setembro e Parque Amélia Santa Margarida, em São Paulo. Para obter as informações a serem analisadas, os pesquisadores realizaram entrevistas com técnicos dos municípios e consultaram documentos e dados disponibilizados na internet, além de fazer visitas aos empreendimentos.

Esses estudos são parte do Projeto Refavela, inserido no Programa Habitare (de estudo sobre tecnologias de habitação) da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Nós avaliamos erros e acertos desses 12 projetos para que possamos indicar diretrizes que ajudem as prefeituras no processo de urbanização desses assentamentos”, afirma Abiko.

Em dois anos de estudos, os pesquisadores analisaram todos os custos daquele programa de urbanização e concluíram que ele é muito menor do que se imaginava. Os dados indicam que, para urbanizar uma favela, deve-se investir de US$ 2 mil a US$ 4 mil por família, enquanto para construir um conjunto habitacional, como o Cingapura, em São Paulo, são necessários cerca de US$ 10 mil por família.

Ações integradas – Uma das iniciativas bem-sucedidas dos casos estudados, segundo Abiko, foi a integração das ações de urbanização, feitas todas de uma só vez. “Se você coloca uma rede de esgoto mas não faz a coleta de lixo, esse lixo vai ser direcionado diretamente para a rede de esgoto, entupindo-a e prejudicando seu funcionamento”, exemplifica Abiko.

Já um erro comum é desconsiderar as características e vontades da população que habita as favelas e supor que a imposição da urbanização será bem-vista devido às melhorias da infra-estrutura, diz o professor. Afinal, sem o apoio dos próprios moradores, é impossível ter a sustentabilidade de qualquer obra de urbanização, por mais benefícios em qualidade de vida que ela traga. “Os projetos que têm dado certo são aqueles que contam com a participação da comunidade, porque, quando a família participa desse processo, ela se sente parte dele, preocupando-se com a questão da manutenção das melhorias”, avalia Abiko. “Se você não capacitou, educou e trabalhou com aquela família, a partir do momento em que ela muda para o lugar, começa a depredar, quebrar e usar de forma inadequada”, avalia Abiko.

Para conseguir a aprovação da população local, são necessárias ações integradas de conscientização dessas famílias e principalmente dos líderes da comunidade, lembra o professor. “É necessário que a população tenha uma educação ambiental, para que os moradores, uma vez a favela urbanizada, tenham a consciência de que eles estão ocupando um novo espaço. Ela precisa ser preparada para todas essas mudanças.”

Além da conscientização, os planejadores urbanos devem fazer uma análise cuidadosa dos impactos econômicos e sociais na população local. Afinal, a urbanização traz não só água, rede de esgoto e energia elétrica para as casas, mas também a responsabilidade de pagamento desses serviços às suas concessionárias. Essas despesas representam um grande custo para o orçamento da população de baixa renda, que muitas vezes mora em assentamentos irregulares justamente por não ter condições de pagá-los.

Para resolver esse problema, o grupo propõe uma negociação entre a população local e as concessionárias, visando a um acordo sobre a melhor maneira de cobrar essas taxas. “A comunidade tem que estar ciente de que vai ter uma série de benefícios, mas também uma série de responsabilidades. Ela não vai precisar roubar energia elétrica, mas também tem de pagar pela tarifa. Nesse caso, você pode ter tarifas sociais ou mesmo um período em que não se paga a tarifa, como se fosse um período de carência”, defende Abiko. Baseado nas experiências analisadas, os pesquisadores apontam uma outra solução: a adoção de projetos integrados de geração de renda. “Assim, as famílias conseguem um trabalho, aumentam sua renda e podem fazer frente a essas novas despesas.”

Na procura por um local para habitar, muitas famílias acabaram ocupando áreas de risco, como terrenos muito íngremes, sujeitos ao desabamento com chuvas muito intensas. Nesses casos, os responsáveis pelo projeto de urbanização removem essas famílias para locais seguros. “A urbanização de favelas tem como princípio manter as pessoas onde elas estão morando. Mas, nesse caso, você faz a remoção das famílias em risco e faz as obras de contenção na região. Mesmo fazendo a remoção buscamos colocar essas pessoas o mais próximo possível do local que habitavam antes”, afirma Abiko.

O professor lembra que, quando as favelas começaram a ser construídas, os governos tentavam solucionar o problema removendo as famílias para outros lugares. A partir dos anos 80, com o crescimento do número desses assentamentos, os administradores públicos começaram a pensar em melhores soluções para o problema da habitação. “Faltavam parâmetros para executar com segurança os projetos de urbanização”, afirma Abiko, sobre os motivos que levaram ao pequeno número de projetos de urbanização desenvolvidos até hoje no Brasil. “Essa pesquisa é a contribuição da Universidade.”

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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