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Meados da década de 1960. Quando Tarsila do Amaral confiava seus desenhos, cartas e documentos para aquela jovem jornalista, não imaginava que, nas quatro décadas seguintes, ela continuaria na sua pauta. E que Aracy Amaral iria se dedicar, como professora e historiadora de arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, a contar a sua vida, estudando e documentando seus desenhos, quadros, crônicas e sonhos.

A pesquisa de Aracy, que já resultou em cinco livros e diversas exposições, agora é referência para a realização do Catálogo Raisonné da artista, uma publicação que deve contar com aproximadamente 1.200 imagens, além de reproduções de catálogos, livros, cartas e fotos. O projeto é da Base 7 Projetos Culturais, em parceria com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que pretende propiciar um amplo material de pesquisa e estudo para instituições culturais, universidades, colecionadores e interessados em geral. E, o mais interessante, os brasileiros vão conhecer Tarsila no conjunto de sua obra, com uma amplitude muito maior. “Ela sempre foi muito preocupada com os seus papéis e documentos”, conta Aracy. “Daí a nossa responsabilidade em catalogar as imagens com muito cuidado.”
A pesquisa e o levantamento das obras estão sendo realizados por uma equipe especializada na obra de Tarsila. “São pesquisadores e historiadores com um olhar apurado. Há muitas imagens atribuídas a Tarsila, especialmente os desenhos, que vamos ter que observar com muito critério. É um desafio separar o joio do trigo e evitar a menor margem possível de erros.”

O projeto já analisou centenas de obras, que passaram por um criterioso trabalho de cruzamento de informações, baseado na bibliografia sobre as características das diversas fases da artista e nos diferentes acervos e coleções. “Muitas obras de Tarsila se espalharam pelo País e a nossa grande batalha é tentar localizá-las”, observa Maria Eugênia Saturni, diretora da Base 7 e coordenadora do projeto. “Uma grande parte está centrada em São Paulo e Rio de Janeiro, porém há muitos trabalhos que pertencem a coleções particulares e não a instituições. Sabemos também que há obras que foram adquiridas por colecionadores em Minas Gerais, no entanto, poucos se interessaram em participar.”

A Base 7 se coloca à disposição de todos os colecionadores e solicita que entrem em contato por meio do e-mail Tarsila@base7.com.br ou pelo telefone 3088-4530. O Catálogo Raisonné começou a ser organizado em janeiro e deve estar concluído em julho do ano que vem. Será disponibilizado primeiro em CD-ROM e internet. Todo esse processo de pesquisa está orçado em R$ 1,4 milhão e conta com patrocínio da Petrobras através da Lei de Incentivo do Ministério da Cultura. A próxima etapa do projeto é a publicação impressa, que ainda está em fase de planejamento.

 


Uma trajetória de muito afeto

Tarsila do Amaral está no coração da cidade. E, como sempre, alegra os paulistanos com as suas paisagens que fluem em cores e sonhos. Até esta sexta-feira, dia 8, 38 obras, realizadas entre 1919 e 1965, estarão expostas no Espaço Cultural BM&F, na praça Antonio Prado 48, no Centro.

A exposição “Percurso Afetivo – 120 Anos de Nascimento” procura pontuar a trajetória da artista. “Muito já se falou e escreveu sobre Tarsila do Amaral, personagem emblemática do Modernismo, e por que não?”, questiona o curador Antonio Carlos Abdalla. “Ela é uma das mais originais e marcantes figuras da cultura do País. Nesta mostra, apresentamos o fascínio que causa o mito que conviveu com intelectuais e promotores de cultura que fizeram história nas quatro primeiras décadas do século 20. A idéia da exposição surgiu a partir do conhecimento da existência do Diário de viagens, uma preciosidade em poder da família da artista.”

A partir dessa descoberta, Abdalla explica que o conceito da exposição ficou claro. “Procuramos traçar um percurso afetivo em homenagem aos 120 anos do nascimento de Tarsila, juntando todas as obras possíveis para dar o contorno da lembrança da ‘caipirinha vestida por Poiret’, como definiu Oswald de Andrade.” Abdalla lembra ainda que a mostra é relevante porque traz Tarsila de volta, pela primeira vez, ao centro urbano de sua formação em São Paulo. “Ela está próxima do Teatro Municipal, pólo irradiador de toda a agitada vida paulistana daqueles anos intensos.”

A exposição reúne obras de coleções particulares e de museus públicos. Há o Retrato de Mário de Andrade, em pastel sobre papel, que Tarsila pintou em 1922 para homenagear o querido amigo, e O mamoeiro, óleo sobre tela de 1925, que integram a coleção do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. E também A negra, óleo sobre tela de 1923, pintada pela artista em Paris, quando era aluna de Fernand Léger; A floresta, óleo sobre tela de 1929, e a EFCB (Estrada de Ferro Central do Brasil), óleo sobre tela de 1924, todas do Museu de Arte Contemporânea
(MAC) da USP.

O público pode apreciar também o lirismo de O chapéu azul, óleo sobre tela de 1922, que a artista pintou depois de freqüentar o ateliê de Emile Renard; a alegria do Manacá, óleo sobre tela de 1927, com as suas flores em tons de lilás e rosa, e a delicadeza das Crianças (Orfanato), óleo sobre tela de 1935. Tem também o célebre Operários, óleo sobre tela de 1933, e ainda diversos retratos em grafite sobre papel de Lasar Segall, 1928, Blaise Cendrars, 1924, e Oswald de Andrade, 1923 entre outros.

“Percurso Afetivo – 120 Anos de Nascimento”, até 8 de dezembro no Espaço Cultural BM&F (praça Antonio Prado, 48), de segunda a sexta, das 10 às 18 horas. Entrada franca

 


Tempo de Tarsila

 

Caipirinha vestida por Poiret
A preguiça paulista reside nos teus olhos
Que não viram Paris nem Piccadilly
Em Sevilha
À tua passagem entre brincos

Locomotivas e bichos nacionais
Geometrizam as atmosferas nítidas
Congonhas descora sob o pálio
Das procissões de Minas

O poema de Oswald de Andrade, de 1925, reforça o mito Tarsila, a caipirinha que se tornou o símbolo do Modernismo. Um mito que se justifica na liberdade das cores, na ingenuidade das formas e na alegria que faz a sua obra atravessar o tempo. É esse percurso que a pesquisadora e crítica de arte Aracy Amaral revela no livro Tarsila – Sua obra e seu tempo, relançado pela Editora da USP (Edusp) e Editora 34.

Aracy, que também teve uma atuação luminosa na direção do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, vem se dedicando ao estudo da obra de Tarsila há quase 40 anos. “Quando nos dedicamos a uma investigação sobre um artista ou sobre um tema, acabamos nos tornando um pouco reféns do assunto em questão”, diz. “Assim foi que, durante as últimas décadas, escrevi inúmeros artigos sobre Tarsila para simpósios e catálogos, além de organizar exposições sobre seu trabalho.”

Ser refém de Tarsila, no entanto, trouxe para Aracy momentos de muita delicadeza. E, ao mesmo tempo, propiciou um trabalho único. Muito se fala de Tarsila, mas Aracy foi a única pesquisadora para quem a artista confiou, durante sete anos, o seu arquivo de documentos, fotos e cartas. “Infelizmente, ela morreu sem ver o livro pronto”, diz. “Mas pude compartilhar da sua alegria. Era uma pessoa muito sonhadora, muito suave. Gostava de receber os jovens na sua casa.”

Aracy soube muito bem retribuir esse convívio e amizade. Tarsila foi o tema de seu doutorado, o primeiro defendido na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em 1972. Escreveu vários livros, como Blaise Cendrars no Brasil e Os modernistas (Editora 34), Artes plásticas na Semana de 22 (Editora Perspectiva), Desenhos de Tarsila (Cultrix), Tarsila Cronista (Edusp) e Correspondência de Mário de Andrade (Edusp).

No livro Tarsila – Sua obra e seu tempo, Aracy pontua os momentos mais marcantes da trajetória da artista. Descreve a menina que nasceu em Capivari, no dia 10 de setembro de 1886, “em meio à paisagem ondulada e sem arestas da hoje região dos canaviais paulistas”, e sua primeira infância passada na Fazenda São Bernardo. Era filha de José Estanislau do Amaral e Lydia Dias de Aguilar do Amaral e neta de um fazendeiro afortunado. “A infância de Tarsila foi assim. Primeiro nessa fazenda e depois em Santa Teresa do Alto, em Monte Serrat, na região de Itupeva. O pôr-do-sol da região, entre pedras de formatos variados e montanhas, inspirou o universo da artista. A devoção por essa paisagem não a abandonou nunca.”

Tarsila casou-se em 1906 com André Teixeira Pinto, com quem teve sua única filha, Dulce. Separou-se e começou a estudar escultura em 1916 com William Zadig e Mantovani. Depois, passou a estudar desenho e pintura com Pedro Alexandrino. Em 1920, foi para a Europa com a mãe. “Inscreveu-se primeiro na Academie Julian, onde desenhou intensamente”, conta Aracy. “É dessa primeira fase, em Paris, que escreve a Anita Malfatti, falando das suas idéias e impressões. Como se vê, a descoberta do Modernismo não se deu somente de volta ao Brasil, em junho de 1911. Nessa carta, ela mostra que tinha não apenas noção do que havia de novo em arte, através das exposições que visitava, como também contato com a literatura dos novos movimentos.”
Aracy apresenta uma série de cartas e depoimentos curiosos. “Em suas constantes viagens nos anos 20, Tarsila sempre se correspondeu com Mário de Andrade, independentemente das brigas deste com Oswald.”

O casamento com Oswald de Andrade, de quem se separa em 1930, e com o poeta Luís Martins, seu companheiro por 20 anos, estão registrados no livro com a delicadeza e discrição da artista. Sua biografia é apresentada num conjunto de informações que resgata a história da arte e dos artistas. Destaca, particularmente, a década de 1920, o que torna o livro indispensável para quem quiser conhecer não só a obra de Tarsila como detalhes preciosos do Modernismo.

Tarsila – Sua obra e seu tempo, de Aracy Amaral, Edusp e Editora 34, 514 páginas, R$ 69,60.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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