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Num túnel negro como o Universo, o visitante do Museu
de Zoologia da USP se depara com uma nebulosa, pintada na parede
com seus tons de roxo e pontos prateados brilhantes. A obra de
Eduardo Kobra traz um toque de arte a uma história de
bilhões de anos, encantando os olhos daqueles que se perguntam
como tudo começou. Com o desafio de contar a história
da formação do Universo e do planeta Terra, o Museu
de Zoologia inaugurou no dia 9 passado a exposição “Origem
da Vida”, na qual conta, de maneira simplificada e com
muito visual, como essas duas histórias estão intimamente
ligadas.
O surgimento do Universo ainda instiga a comunidade científica.
A tese mais aceita pelos estudiosos é a do fenômeno
do big-bang, a “grande explosão”. Segundo
essa teoria, o Universo teria surgido de forma repentina, como
uma massa densa e quente, há cerca de 15 bilhões
de anos, originando, durante sua evolução, tudo
o que conhecemos hoje.
Embora essa teoria não esteja completamente comprovada,
muitos de seus aspectos foram confirmados nos últimos
anos. Um exemplo disso é o estudo sobre radiação
de corpo escuro (tipo de radiação emitida no momento
do big-bang), que rendeu aos norte-americanos John Mather e George
Smoot o Prêmio Nobel de Física deste ano.
A exposição conta como os átomos que formam
todas as inúmeras formas de vida na Terra já existiam
há bilhões de anos no Universo, unindo assim a
nossa história com a história do espaço. “Na
exposição, nós usamos uma linguagem simples,
fazendo uma correlação com o alfabeto. Assim, o
texto se relaciona com palavra e com letra, do mesmo modo que
a matéria se relaciona com molécula e átomo”,
compara Elisabeth Zolcsak, diretora de Difusão Cultural
do museu.
Como explica Elisabeth, foi com a grande explosão que
surgiu o primeiro átomo do Universo: o hidrogênio,
o mais simples dos átomos, formado por apenas um próton
e um elétron. Pela lei de atração do negativo
e do positivo, os prótons e elétrons espalhados
começaram a se unir, criando novos átomos. Esses átomos,
de maior peso, causaram diferenças de densidade no Universo,
que, ao longo dos bilhões de anos de expansão e
ação da força gravitacional, se tornaram
as sementes para o surgimento de estrelas, galáxias e
toda a estrutura do Universo que conhecemos atualmente.
Elizabeth Zolcsak,
diretora de Difusão Cultural do
Museu deZoologia da
USP (ao lado) e reprodução
de vestígios fósseis de
bactérias de milhões de
anos (acima):“A ciência
tem sempre espaço para o
pensamento e para a dúvida”
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O centro da criação – As estrelas foram
as grandes protagonistas dessa história. Formadas a partir
da condensação dos átomos de hidrogênio
devido a baixíssimas temperaturas, as primeiras estrelas
funcionaram como espécies de reatores químicos,
produzindo novos elementos, como carbono, oxigênio, nitrogênio,
hélio e lítio – mais tarde essenciais à formação
da vida na Terra.
Em um movimento infinito de criação e morte, essas
estrelas consumiram todo o seu combustível e, numa espécie
de explosão, espalharam essa nova matéria pelo
Universo. A poeira e o gás originados dessas explosões
formaram grandes borrões no céu, as nebulosas,
representadas pelo belo grafite de Kobra. “As nebulosas
representam a maior parte da massa do Universo. Elas também
funcionam como reatores nucleares e vão se transformando
em novas estrelas, as chamadas supernovas, pontos muito brilhantes
no céu”, explica Elisabeth. É nessas supernovas
que se formam os outros 86 elementos químicos conhecidos
hoje. Essa história, contada de forma breve na exposição,
visa a mostrar que a vida na Terra começou muito antes
de o planeta ter se formado. “Tudo aquilo que é básico
quando falamos da matéria que compõe os seres vivos – proteína,
aminoácidos e ácidos nucléicos – é formado
por esses elementos primordiais do Universo, o hidrogênio,
o carbono, o oxigênio. Isso prova que a história
da Terra não é algo isolado, mas está intrinsecamente
relacionada à formação do Universo, de suas
estrelas e galáxias”, explica Elisabeth.
Planeta azul – Foi de uma dessas nebulosas, 10 bilhões
de anos após a explosão que deu origem ao Universo,
que surgiu todo o sistema solar, incluindo a Terra. E, assim
como o Universo, muitas dúvidas cercam sua criação.
A maior parte das teorias modernas sustenta que o nosso planeta
foi formado pela agregação de poeira cósmica
em rotação, que se aqueceu a temperaturas altíssimas
por meio de violentas reações químicas.
Logo após sua criação, o planeta passou
por um longo período conhecido como accretion, em que
milhares de meteoritos bombardearam sua superfície. “O
maior desses bombardeamentos foi quando um bloco muito grande
se chocou com a Terra e, por seu tamanho, voltou ao espaço.
A ação de gravidade da Terra acabou prendendo o
meteorito em sua órbita, dando origem à nossa Lua”,
conta Elisabeth.
Esse bombardeamento de meteoritos comprovaria a teoria de que
os elementos químicos que hoje compõem o planeta
não foram formados aqui, mas sim trazidos do espaço
com essas rochas. Alguns cientistas defendem até que não
só elementos químicos, mas também os primeiros
elementos orgânicos foram trazidos ao planeta naquele período.
Sem a pretensão de resolver um dilema de milênios,
o Museu de Zoologia da USP apenas apresenta essa teoria e deixa
ao visitante a liberdade de refletir e definir qual aquela que
mais lhe parece verossímil. “Existem várias
teorias sobre o quanto o núcleo da Terra foi realmente
afetado por esses bombardeios, mas o que é consenso é que
realmente houve o accretion. Para provar isso, nós temos
diversos meteoritos que recebemos do Instituto de Geociências
da USP. São rochas de ferro e níquel de altíssima
densidade que vieram de distâncias incalculáveis
do espaço”, diz Elisabeth.
Na época do accretion, a Terra era muito diferente do
que é hoje. O planeta era coberto por vulcões constantemente
em erupção. Sem a proteção da camada
de ozônio, a Terra recebia radiação direta
do Sol, atingindo temperaturas altíssimas, além
de não possuir oxigênio nem atmosfera. Foi nesse
ambiente inóspito que surgiram as bactérias – os
primeiros habitantes da Terra. Elas formaram grandes colônias
e criaram as condições para transformar a atmosfera
e permitir, milhões de anos depois, a existência
dos seres vivos no planeta (leia o texto abaixo). A exposição “Origem da Vida” fica
em cartaz até 30 de junho de 2007 no Museu de Zoologia
da USP (avenida Nazaré, 481, Ipiranga, São Paulo),
de terça-feira a domingo, das 10h às 17h. Entrada:
R$ 2,00. Mais informações: (11) 6165-8100.
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E assim surgiu a vida
Do Universo negro ao azul profundo da Terra, o visitante da exposição “Origem
da Vida”, em cartaz no Museu de Zoologia da USP, é convidado
a penetrar na segunda ala da mostra, onde, mais uma vez, ele se
depara com mais incertezas do que afirmações. A origem
da vida no planeta instiga a humanidade e há milênios
tem sido abordada pelos mais diversos pensadores e cientistas,
buscando explicar suas origens remotas. A teoria mais conhecida é aquela
que compara a Terra de bilhões de anos atrás com
uma enorme sopa, a sopa primordial.
Segundo o russo Aleksandr Ivanovitch Oparin – destaca a exposição –,
os oceanos primordiais funcionaram como um imenso laboratório
químico, alimentado pela forte radiação solar.
Nesse meio aquoso, formaram-se o que os cientistas chamam de coacervados
(aglomerações de compostos orgânicos). Esses
coacervados teriam sofrido inúmeras reações,
até que conseguiram aprisionar proteínas e uma molécula
de ácido nucléico, que lhes deram a capacidade de
se reproduzir, característica básica do ser vivo.
Uma teoria mais recente aponta que seriam microesferas, e não
coacervados, os primeiros organismos vivos. Segundo essa teoria,
bilhões de microesferas foram formadas nessa fase inicial
do planeta com o aquecimento de aminoácidos, elemento
básico da proteína.
Essas microesferas podiam absorver e concentrar outras moléculas
existentes na solução ao seu redor e podiam também
fundir-se entre si, formando estruturas maiores. Os defensores
dessa teoria apontam, como prova de sua veracidade, o fato de que
a partir das microesferas podem se formar brotos. “A exposição
mostra as duas teorias, mas não afirma nenhuma delas como
verdadeira. Não existe comprovação de nenhuma
dessas teorias. Isso é o interessante da ciência:
se é afirmação, não é ciência,
mas fé. Ciência sempre tem espaço para o pensamento,
para a dúvida”, teoriza a professora Elisabeth Zolcsak,
diretora de Difusão Cultural do museu.
Debates à parte, Elisabeth aponta o que considera o verdadeiro
mistério desta história: o encapsulamento das moléculas
por uma membrana de gordura e proteína, que permitiu a formação
das células, estrutura básica de todos os seres vivos. “Não
se sabe como, dessas moléculas, sejam coacervados ou microesferas,
surgiram as células. O misterioso é justamente como
essa matéria se transformou numa cápsula, o que fica
por conta da metafísica de cada
visitante”, diz Elisabeth. Os primeiros habitantes – Entre tantas dúvidas, a
exposição dedica sua parte central à única
certeza do meio científico quanto às origens da vida:
as bactérias foram os primeiros seres vivos a habitar o
planeta. Como prova, o museu exibe uma radiografia de rocha em
que se vê o fóssil de uma bactéria de cerca
de 3,5 bilhões de anos. “As bactérias foram
as primeiras a surgir e estão aqui até hoje. São
o registro mais antigo
de ser vivo existente”,
destaca Elisabeth.
No ambiente quente e sem atmosfera que caracterizou a Terra
logo após sua criação, somente as bactérias
conseguiram sobreviver e foi essa difícil batalha pela sobrevivência,
de quase 3 bilhões de anos, que permitiu toda a evolução
dos seres vivos até o surgimento do homem.
Para resistir às condições desfavoráveis
de vida, as bactérias viviam em grandes colônias,
os estromatólitos. “Eles são formações
como corais, em camadas. São característicos de ambientes
marinhos ou de regiões que já foram submersas no
mar”, explica Elisabeth.
Muitas dessas bactérias eram fotossintetizantes, ou seja,
produziam sua energia através da luz do Sol, extremamente
abundante à época. Como resultado da fotossíntese,
começaram a expelir oxigênio na atmosfera, elemento
químico letal para elas. “Por isso elas tinham que
se proteger em diversas camadas. As mais sensíveis ao oxigênio
ficavam embaixo e as mais resistentes, em cima”, afirma Elisabeth.
Se o oxigênio era letal a essas bactérias, sua produção
foi essencial para transformar a atmosfera da Terra e permitir
a existência dos seres vivos no planeta. “Os 20% de
oxigênio que hoje temos na atmosfera terrestre foram formados
há bilhões de anos por essas bactérias fotossintetizantes”,
lembra Elisabeth.
Por cerca de 3 bilhões de anos, toda a evolução
da vida na Terra foi resultado dos estromatólitos, única
forma de vida existente, aprendendo a sobreviver naquele ambiente.
O público pode conferir de perto alguns estromatólitos
mais recentes, cedidos pelo Museu de Geociências do Instituto
de Geociências da USP. Aparentemente rochas comuns, eles
guardam os segredos da vida no planeta. “Os estromatólitos
não só resistiram aos bilhões de anos em que
a Terra viveu numa grande convulsão, como existem até hoje
nos mares e oceanos”, acrescenta Elisabeth.
Com o resfriamento do planeta, todo o processo de convulsão
pelo qual passava a Terra diminuiu de intensidade, permitindo melhores
condições de vida e a evolução de outros
seres, como plantas e animais. “Hoje, as mudanças
na
Terra acontecem de maneira muito mais sutil, com o afastamento
dos continentes
de maneira muito gradual”,
explica Elisabeth.
A exposição se encerra com aquele que é a
chave do surgimento das inúmeras espécies de seres
vivos a partir das bactérias: o DNA. Através de um
modelo de aço de um metro de altura, o museu explica os
conceitos básicos envoltos na mutação do DNA
e no conseqüente surgimento de formas de vida diferentes. “Nós
contamos o que é o DNA, o que é o gene e como se
dá essa mutação que permitiu criar a variedade
de vida que temos hoje. Tudo de uma maneira curtinha, tranqüila,
sem grandes sofisticações de informações,
para que fique facilmente acessível a todo tipo de público”,
afirma Elisabeth.
Após conhecer a história do Universo, da Terra e
da vida no planeta, o visitante chega ao fim do túnel com
um outro convite: conhecer o resto dessa história através
da exposição permanente de dinossauros do Museu de
Zoologia. “A exposição ´Origem da Vida`
acaba falando do período imediatamente anterior ao surgimento
dos primeiros animais, há 600 milhões de anos, pouco
antes dos dinossauros, que são tema
de outra exposição do museu. As pessoas podem conhecer,
em uma única visita, bilhões
de anos de história”,
convida Elisabeth.
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