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Para quem não conhece São Paulo a fundo, talvez possa parecer um exagero a USP manter dois campi na mesma cidade – e com o porte e a estrutura que a tradicional Cidade Universitária e a recém-inaugurada USP Leste têm. Mas o tamanho de São Paulo justifica a presença dessas instalações.

Além do tamanho físico de São Paulo, a quantidade de moradores e o potencial econômico do município são fatores que também estão relacionados com a existência de outras unidades da Universidade fora dos dois campi, como o complexo da saúde – formado pelas Faculdades de Medicina e Saúde Pública, Escola de Enfermagem, Instituto de Medicina Tropical e o Hospital das Clínicas (HC), situados no bairro de Cerqueira César –, a Faculdade de Direito, localizada no Largo São Francisco, centro da cidade, e outros centros de pesquisa, ensino e extensão espalhados pela mancha urbana paulistana.

A distância entre os dois campi supera os 30 quilômetros. Sem considerar o trânsito, ir de carro de um campus a outro é tarefa relativamente fácil, já que se faz praticamente uma linha reta em duas das maiores vias expressas da cidade, as marginais dos rios Pinheiros e Tietê. Mas a reportagem do Jornal da USP verificou como se faz essa viagem utilizando apenas o transporte coletivo – linhas de ônibus circulares e a rede ferroviária. No total, foi um percurso de pouco menos de três horas.

Créditos: Cecília Bastos

13h30 – “Corre pra não perder o ônibus!”

Deixamos o Edifício da Antiga Reitoria da USP, na Cidade Universitária, onde fica nossa redação. A primeira parte do roteiro, a pé, é até a avenida Professor Mello Moraes, no ponto de ônibus do Instituto de Psicologia, para pegar o ônibus circular.
Aí o percurso já ganha um pouco de ação: quando avistamos o ponto de ônibus, vemos que o veículo já está a caminho. Não há outra ação possível senão correr. Afinal, perder esse ônibus atrasaria toda a nossa programação. E um pouco de exercício também faz bem à saúde.

A viagem de circular é rápida e, pouco depois, descemos do ônibus, no ponto da Escola de Educação Física e Esporte. Ali, fazemos uma travessia pelo portão de pedestres e cruzamos a marginal Pinheiros, a pé, pela ponte Cidade Universitária. Avistamos, então, a homônima estação de trem. É hora de começar a viagem ferroviária.

14h – Conhecendo a CPTM

Na estação, somos apresentados ao jornalista Marcos Braga, da assessoria de imprensa da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), a empresa responsável por administrar os trens. Como explica Braga, a CPTM é um verdadeiro monstro. É a principal rede de transporte integrado da Grande São Paulo – além da capital, opera em mais 21 cidades, chegando até três municípios (Jundiaí, Várzea Paulista e Campo Limpo Paulista) que, na classificação oficial, pertencem ao interior do Estado. São 270 quilômetros de ferrovia divididos em seis linhas.

A média diária de passageiros é de cerca de 1,5 milhão, mesmo número de habitantes de Recife, por exemplo, uma das cidades mais importantes do Brasil. Os horários de pico, como explica Braga, são das 5h30 às 8h30, pela manhã, e das 17h30 às 20h30, no fim do dia. Não é o horário em que esperamos o trem, o que explica a pouca quantidade de pessoas na estação. Até conseguimos sentar quando entramos no vagão. Pegamos o trem da linha A, com destino a Osasco.

Créditos: Cecília Bastos

14h10 – A primeira baldeação

Uma explicação necessária para os que não conhecem bem o sistema dos trens: as linhas, em alguns pontos, se cruzam, e nesses locais os passageiros podem trocar de trem sem pagar nenhuma tarifa adicional. Em nossa viagem à USP Leste, precisamos fazer isso quatro vezes. Na parada Presidente Altino, que fica na cidade de Osasco, trocamos de trem pela primeira vez na viagem.

A estação de Altino tem um pátio onde, como explica Marcos Braga, alguns trens esperam o horário de pico para serem utilizados. É uma estação aberta e nossa vista é dominada pelos grandes conjuntos habitacionais próximos. O público da estação é variado. Percebem-se executivos a caminho do trabalho, estudantes universitários, crianças, idosos. A estação foi recentemente reformada para atender às necessidades das pessoas com deficiência. Depois de 15 minutos, nosso trem chega.

14h25 – “Dez paçoquinha é um real”

O trem que pegamos em Presidente Altino é menos bonito do que o que estávamos antes. Ali percebemos dois problemas típicos da CPTM – o vandalismo e a presença maciça dos vendedores ambulantes. Trens pichados, vidros riscados, cartazes rasgados dão o tom dentro do vagão. A companhia perde anualmente com isso, explica Braga, mais de R$ 1,5 milhão.

Quanto aos vendedores, o problema deles se traduz em várias vertentes. Uma é que a CPTM proíbe a prática dentro dos trens. Outra diz respeito aos seus produtos, muitos vencidos ou oriundos do roubo de cargas. Mas eles seguem fazendo seu trabalho. As mercadorias variam: refrigerantes, salgadinhos, chocolates. “Dez paçoquinha é um real, dez paçoquinha é um real”, repetia a vendedora no nosso vagão.

Estávamos na linha B, rumo à Barra Funda.

 

14h40 – É proibido fumar (e sujar)


Chegamos, então, na estação Barra Funda. O local impressiona por sua grandeza: além de estação de trem, funciona também como rodoviária e ponto final da linha 3 do metrô. A quantidade de pessoas que circulam é imensa, assim como as ocorrências. “Sempre tem gente que se perde aqui. Filho que perde mãe, mãe que perde filho...”, conta Braga.

Na escada rumo à plataforma do nosso trem, um aviso dos mais vistosos lembra que é proibido fumar. Mas ainda assim há os que fumam. É o que prova o leito do trem, que observamos enquanto o veículo não chega: uma verdadeira montanha de bitucas de cigarros repousa entre os trilhos.

O sistema ferroviário tem suas defasagens, mas esse episódio mostra que o usuário tem uma grande parcela de culpa pelos problemas. Além dos cigarros usados, há também as sujeiras “comuns”, como papéis de bala, sacos de salgadinhos e folhetos publicitários.

Enquanto esperamos o trem, discutimos se um rapaz que come um salgadinho vai jogar o lixo no chão ou no lugar correto. Ele sai do nosso campo de visão antes que tiremos a dúvida. Pouco depois, o trem chega.

Créditos: Cecília Bastos

14h50 – “Que Jesus abençoe seus olhos”

O trem que pegamos agora, rumo à Estação da Luz, na linha E, é talvez o mais mal-conservado do trajeto. O vandalismo é ainda mais visível do que antes, e a quantidade grande de pessoas faz com que a viagem seja desconfortável.

No fundo do vagão um homem pede a atenção de todos. É um senhor cego, aparentando seus 40 anos, que inicia um discurso bem conhecido dos usuários de transporte coletivo. Fala de suas dificuldades financeiras, de como é difícil ser cego e pede ajuda aos passageiros. “Dê pouco, mas dê de coração”, fala. A chamada não faz muito efeito e poucos colaboram com o pedinte. “Que Jesus abençoe seus olhos”, ele encerra, e nós chegamos à Estação da Luz.

15h05 – A bela Estação da Luz

Uma viagem de trem tem seus limites para quem quer conhecer a paisagem. Na maior parte do trajeto, o trem passa por trechos com muros nos dois lados, e pouco se pode ver da região em que estamos. Por isso, precisamos aproveitar quando a estação tem suas belezas.

É o caso da Estação da Luz. O local foi recentemente reformado e pode-se dizer que hoje é um dos pontos mais bonitos da cidade de São Paulo, concebida no estilo inglês, com construções à base de madeira e ferro.

Mas há uma grande interferência nessa decoração – um banner com seus 40 metros que repete o alerta da Barra Funda (e de todas as estações), dizendo que é proibido fumar. Ninguém pode dizer que não reparou no aviso. Mesmo assim, com uma olhada rápida, percebemos alguns fumantes no local.

Créditos: Cecília Bastos

15h15 – Brás, a última baldeação

Chegamos ao Brás e, pela última vez na jornada, trocaremos de trem. A estação também foi recentemente reformada e é bonita. Como explica Marcos Braga, tem um espaço cultural que abriga espetáculos dos mais variados.

Logo que saímos do nosso trem entramos em outro vagão, que estava pronto para sair. Esperamos, junto com tantos outros passageiros, que ele começasse a andar.

Sinais de alerta soam, as portas se abrem e depois se fecham. Se abrem e se fecham. Mais e mais vezes. Permanecemos no vagão por mais de 15 minutos e nada de o trem começar a andar. No abrir e fechar de portas, uma vítima: uma senhora vê sua grande bolsa ser fechada pela porta automática. Passageiros solidários – inclusive este repórter – se esforçam para, no braço, livrar a bolsa da senhora da degola.

Depois de 20 minutos de espera, o sistema de som avisa que teremos que trocar de trem. Não são poucos os passageiros que reclamam em voz alta, com palavras até impróprias para serem reproduzidas nesse texto. Vamos para um outro trem – mais velho e mais lento do que o que estávamos, segundo Marcos Braga – e encaramos o último trecho da viagem, na linha E, rumo à estação Engenheiro Goulart.

15h40 – “Desculpa incomodar, mas vocês são de onde?”

Dentro do velho trem é difícil achar algum lugar mais tranqüilo para ficarmos, já que o horário de pico se aproxima e as composições vão ficando mais cheias. Estamos entrando na zona leste de São Paulo.

Mais uma vez os vendedores fazem seu trabalho dentro do vagão. A situação só não seria mais rotineira se um garoto que vendia latas de cerveja não chamasse a atenção. Percebia-se na figura daquele menino – que aparentava 10 anos de idade –, sem esforço, três práticas contrárias à lei. Ele vendia produtos (trabalho infantil), comercializava cerveja (tinha contato com álcool, proibido para menores) e ostentava um vistoso piercing na sobrancelha (outra ação contrária à legislação para crianças daquela idade).

A pouca idade era compensada pela desenvoltura. Anunciava a cerveja com gritos que não condiziam com seus 10 anos. Conversava e agradecia a seus fregueses com boa presença. Enquanto ele trabalhava, notou a câmera na mão do fotógrafo. Alertado por outro passageiro – que viu algo que não havia ocorrido de fato –, questionou o fotógrafo por ter tirado uma foto sua. Até mostrou educação, mas havia em sua voz algo de ameaçador. Mas foi só Marcos Braga dizer que era da CPTM para as ameaças darem lugar a um tom reconciliador coberto de desculpas.

16h05 – Termina a viagem de trem

Chegamos à Estação Engenheiro Goulart. A USP Leste terá sua própria estação em breve, mas, enquanto esta não está concluída, é em Goulart que os uspianos que pegam trem se encontram. Dessa estação sai um ônibus circular que entra no campus da USP, situado no bairro de Ermelino Matarazzo.

O aluno Jefferson Freitas, que cursa Sistemas da Informação, desce do trem ali. Estuda e mora no bairro, mas, por necessidade, teve que ir até o campus do Butantã. “Fazer toda essa viagem de trem é muito cansativo. Você viu as condições, né?”, aponta. Ele, que é de Pirassununga, está no segundo ano do curso e elogia o bairro que adotou: “Tem muito preconceito sobre a região. Mas é um lugar tranqüilo para morar”.

Despedimo-nos de Marcos Braga e deixamos a estação de trem. Nada mais de baldeação por hoje. Falta pouco para chegarmos à USP Leste.

Créditos: Cecília Bastos

16h30 – Enfim, a USP Leste

Depois de uma pequena espera, chegou o circular ao ponto da Estação Engenheiro Goulart. É um microônibus bem confortável – conforto de que sentimos falta na longa jornada pelos vagões.
O trecho entre o ponto do circular e o campus é curto. Depois de cerca de 10 minutos já estamos na USP Leste. Tempo para observar o local, sentir os ares do campus e, pouco depois, voltar para a Cidade Universitária. Mas, desta vez, de carro.

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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