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Berço de um dos primeiros núcleos de civilização da então colônia portuguesa e região estudada sob vários aspectos por pesquisadores da USP, a costa paulista que vai de Peruíbe a Bertioga ganhou um aguardado programa de recuperação ambiental. Em pouco mais de 162 quilômetros de extensão, os nove municípios que compõem a Baixada Santista abrigam importantes áreas de preservação, como a Estação Ecológica Juréia-Itatins, ao lado de agressivas paisagens urbanas, como as de Cubatão e subúrbios de Santos. Além dos contrastes naturais, as diferenças também se traduzem nos indicadores sociais. Índices alarmantes da cobertura da rede de esgoto em algumas cidades, como Itanhaém (10%) e Mongaguá (22%), expõem a situação emergencial de saúde pública e segurança ambiental da região. Mais que um anseio da população e do turismo, o investimento de R$ 1,23 bilhão no Programa de Recuperação Ambiental da Região Metropolitana da Baixada Santista – anunciado no dia 5 de março pelo governo do Estado e pela Sabesp – irá suprir lacunas importantes para a qualidade de vida e a proteção ambiental da área, acreditam alguns professores da USP.

Em quatro anos, a cobertura dos serviços da rede de esgotos na região alcançará patamares de países desenvolvidos, chegando a 95%, afirma o superintendente interino da Unidade de Negócios da Sabesp na Baixada Santista, Celso Eduardo Campos Osse. Atualmente, o índice médio de coleta e tratamento da rede de esgotos é de 62% nos nove municípios. Em Santos/São Vicente, o índice de atendimento é de 87%, no Guarujá, 72%, Praia Grande, 54%, Cubatão, 41%, Bertioga, 38% e Peruíbe, 24%, além de Bertioga (22%) e Itanhaém (10%). Os dados são da Sabesp.

Francisco Emolo
Paganini: menos custos hospitalares

“É absolutamente relevante, necessário e indispensável um programa dessa monta, não só pelos aspectos de qualidade de vida, mas por questões de controle ambiental. Custa caro, mas tem de ser feito. Os Estados Unidos investiram US$ 400 bilhões em 25 anos para fazer o controle da poluição da água. Estima-se que o Brasil tenha um déficit de investimentos em saneamento básico da ordem de R$ 140 bilhões. Uma hora vamos ter que pagar isso. É como faxina de casa, não dá para esconder a sujeira debaixo do tapete”, diz a professora Mônica Porto, do curso de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da USP.

Reformas – No programa de recuperação da Baixada está prevista a ampliação de 1.175 quilômetros das redes coletoras, a implantação de seis novas estações de tratamento e a reforma da estação de Peruíbe, entre outras medidas. Ao final de quatro anos, todas as obras corresponderão ao acréscimo de mais de 120 mil ligações domiciliares na rede de esgoto. As informações são da assessoria de imprensa da Sabesp.

Atualmente existe uma estação de tratamento para cada cidade da Baixada Santista, com exceção de Santos/São Vicente, onde há uma estação de pré-condicionamento que recebe os efluentes antes de sua disposição final em alto-mar, através dos emissários submarinos. Com os investimentos, cada cidade terá duas estações de tratamento, sendo que a estação de pré- condicionamento de Santos/São Vicente terá sua capacidade aumentada. O emissário de Praia Grande ganhará mais uma linha e o de Santos/São Vicente ganhará maior capacidade.

Segundo Osse, os investimentos em saneamento na região nunca estiveram paralisados, mas foram insuficientes para cobrir a demanda. “O País não tem recursos e não é sempre que se consegue um financiamento bilionário como este”, afirma.

Do total captado junto ao Japan Bank International Cooperation (JBIC), R$ 1,04 bilhão será direcionado para os empreendimentos de coleta e tratamento de esgotos e R$ 187 milhões, em aprimoramento dos sistemas de abastecimento de água.

Segundo Osse, o tratamento das águas para abastecimento segue as normas estabelecidas na Portaria 518 do Ministério da Saúde. A maior parte dos esgotos no litoral paulista recebe tratamento em estações biológicas. As novas estações serão implantadas com o sistema convencional de tratamento por lodo ativado, afirma.

Qualidade de vida – Para o professor Wanderley da Silva Paganini, do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, a redução nas taxas de doenças transmitidas por veiculação hídrica será um dos mais importantes resultados das melhorias implementadas pelo programa de recuperação da Baixada Santista. “O menor número de internações hospitalares em razão dessas doenças diminuirá os custos com medicina curativa. Nesse sentido, o programa tem um aspecto de medicina preventiva”, afirma.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), as doenças de veiculação hídrica constituem o principal tipo de enfermidade (85%) no mundo inteiro e a principal causa de internações hospitalares e consultas em postos de saúde.

A melhora na coleta, no afastamento e na disposição final do esgoto doméstico ampliará a balneabilidade das praias do litoral sul, o que conseqüentemente refletirá no turismo e na geração de empregos, diz o professor Paganini.

Para a professora da Poli, os reflexos do programa vão além da melhora nos indicadores de saúde pública. “Existe mundialmente um reconhecimento das sociedades de que o saneamento representa uma parcela importante não só da qualidade de vida, mas também da proteção ambiental”, diz Mônica.

Paganini considera o programa de recuperação ambiental da Baixada Santista “adequado e suficiente” e a professora da Poli qualifica as medidas como “relevantes e adequadas”. Porém, advertem para a necessidade de acompanhamento e continuidade do programa.

“Poderia ser interessante um sistema inovador de tratamento de água e esgotos, mas isso talvez demandasse mais 1 bilhão em recursos financeiros. Muitas vezes a busca do ideal impede a implementação do possível. O mais importante é a progressividade das ações iniciadas”, afirma Paganini.

Sem a cobertura necessária de saneamento, os canais de drenagem de águas de chuvas – os chamados bueiros – recebem ligações clandestinas e acabam se transformando em canais de esgoto dispostos diretamente nas praias. “Os efluentes deveriam receber tratamento antes da disposição final nos corpos d’água. Na falta da rede de coleta, os próprios moradores fazem as conexões clandestinas nos canais de drenagem. O resultado disso é a contaminação das praias”, diz o professor.

A professora Mônica avalia que a implantação da rede de esgotos permite eliminar grande parte das ligações clandestinas, mas não garante 100% de eficácia na coleta. “Depois de ampliar a rede de esgotos, a companhia de saneamento precisa fazer um acompanhamento cuidadoso junto aos moradores. Há bairros e edificações mais antigas que podem ter mais de uma ligação clandestina. Veja o lago do Parque do Ibirapuera, por exemplo, circundado por uma área totalmente urbanizada. No entanto, ainda persiste o mau cheiro no lago do parque”, exemplifica.


A Baixada Santista: ao longo de 162 quilômetros de extensão, os nove municípios da região receberão investimentos de R$1,23 bilhão para mudar suas atuais condições ambientais

Biodiversidade – Com a autoridade de ser uma das pioneiras a acompanhar a evolução dos dados da oceanografia biológica da baía de Santos, a professora Sônia Gianesella, do Instituto Oceanográfico da USP, adverte para a necessidade de um acompanhamento mais rigoroso nos dados da biodiversidade da região.

“O ambiente marinho da baía de Santos já está eutrofizado, uma vez que recebe uma carga excessiva de nutrientes. A eutrofização é o crescimento excessivo de microalgas que, ao morrer, demandam grandes quantidades de oxigênio durante o processo de decomposição. Assim, acabam por competir com os animais na absorção do oxigênio disponível”, afirma Sônia. “Não que a competição por oxigênio vá causar uma mortandade visível de peixes; é mais uma questão de seleção de fases larvais de microorganismos marinhos, o que altera toda a estrutura trófica do sistema. Em última análise, isso significa a redução da biodiversidade.”

Diante desse cenário das condições marinhas da região, a professora considera apropriada a reforma do emissário de Santos/São Vicente, que prevê a adequação dos difusores e o prolongamento do emissário em 400 metros. “Está correto aumentar a capacidade de dispersão e prolongar o emissário mais para alto-mar. Sem dúvida as obras de saneamento serão benéficas para a população, especialmente pela redução de doenças de veiculação hídrica. Mas isso não elimina a necessidade de um monitoramento e comparação dos dados em torno dos emissários, para ver se de fato a dispersão dos efluentes está ocorrendo de forma satisfatória”, diz Sônia.

A professora do Instituto Oceanográfico coordena há cerca de um ano a área de plâncton e produção primária do Ecomanage, projeto de cooperação internacional realizado nos sistemas estuarinos de Santos, da Baía Blanca (Argentina) e do fiorde Aisén (Chile), com o objetivo de monitorar informações ambientais e socioeconômicas da costa.

Marco do saneamento – Segundo o superintendente interino da Unidade de Negócios da Sabesp na Baixada Santista, Celso Osse, o programa de recuperação e saneamento ambiental da região não está diretamente ligado aos direitos e deveres impostos aos governos locais e regionais pela Lei do Saneamento. A regulação, recém-aprovada no Senado, tramitou no Congresso durante 20 anos. “As medidas implantadas pelo programa nada mais são que uma obrigação da Sabesp e, se a empresa não tem recursos, foi captar fora. O financiamento do banco japonês vem sendo negociado desde 2002 e, portanto, é uma discussão anterior à aprovação do marco regulatório do saneamento”, diz Osse.
Depois de tramitar por 20 anos no Congresso, a Lei do Saneamento finalmente aprovada estabelece obrigações e direitos dos usuários e dos prestadores de serviço, os mecanismos de cobrança e fiscalização da qualidade dos serviços, bem como os critérios para reajuste de tarifas, entre outras medidas. “A Lei do Saneamento prevê um modelo de financiamento, o que permite a organização dos setores interessados”, diz a professora Mônica Porto, da Escola Politécnica.

A professora afirma que, na dedada de 1970, o governo investiu pesado em saneamento, possibilitando o aumento da cobertura dos serviços. Na década de 1980, o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), do Banco Nacional da Habitação, financiava investimentos no setor. “Desde que o Planasa foi extinto, o setor de saneamento não se vinculou a nenhuma forma de financiamento. A Lei do Saneamento vem suprir essa lacuna porque organiza os financiamentos para a área”, diz Mônica.
Mas a questão da titularidade dos serviços de saneamento, principal motivo que postergou por tanto tempo a aprovação da lei, teve de ser suprimida do texto final. A Constituição diz que a titularidade dos serviços de água e esgoto pertence aos municípios e que caberá aos Estados a execução dos serviços de interesse comum. Dado que o conflito é evidente, ficou para o Supremo Tribunal Federal (STF) resolver essas questões. “A questão não resolvida ficou para ser decidida caso a caso”, diz Mônica.

De acordo com dados da ONU e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 60 milhões de brasileiros não têm acesso ao saneamento básico. Cerca de 10 milhões não contam com coleta de esgotos e 3,4 milhões de residências não têm água tratada (o que atinge 15 milhões de brasileiros). De todo o esgoto coletado nas cidades brasileiras, 75% não recebe tratamento, o que agrava ainda mais o quadro de doenças que podem levar à morte.

As Metas do Milênio instituídas pela ONU estabelecem até 2015 o prazo para a redução em 50% dos déficits mundiais de abastecimento de água e saneamento. Para a professora Mônica Porto, tais metas são genéricas e de pouca efetividade no seu cumprimento e por isso não possuem poder de pressão em ações locais. “Muitos dos países que têm tais obrigações a cumprir provavelmente não conseguirão alcançar aquelas metas. O que acontece, de fato, é um movimento mundial em torno da qualidade de vida. As pessoas e os governos perceberam a importância do saneamento para a proteção ambiental e o tema acabou entrando na agenda política e, portanto, passou a ser prioridade”, afirma a professora da Poli.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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