Após mais de um ano de vigência, a portaria número
13 da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior) ainda divide opiniões
de alunos, professores e editores. Criada com o intuito de ampliar
o banco de teses de pós-graduação disponíveis
e gerar a renovação do conhecimento, a portaria obriga,
desde março de 2006, a publicação na íntegra,
na internet, de todas as dissertações de mestrado
e teses de doutorado produzidas no Brasil.
A proposta de um banco de pesquisas com todo o conteúdo
científico produzido pelas universidades brasileiras – públicas
e privadas – num meio de fácil acesso como a internet
agradou parte dos alunos e professores, que destacam as vantagens
para consulta e pesquisa.
Patrícia Camargo Magalhães, aluna de mestrado do
Instituto de Física da USP, acredita que a publicação é especialmente
vantajosa para alunos de outros campi e mesmo de outras universidades,
que não precisam vir até a USP para consultar esse
material. “Não é uma questão de discutir
a obrigatoriedade e sim analisar as conseqüências para
a comunidade discente, que, no meu ponto de vista, são positivas”,
afirma.
Fábio Coimbra, aluno de doutorado da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade (FEA), acredita que
a obrigatoriedade da publicação permite a formação
de um banco de teses dificilmente conseguido de outra forma. “A
intenção da portaria de disseminar a pesquisa e o
conhecimento no País é muito boa. Se não houvesse
a obrigatoriedade, muitos não publicariam seus trabalhos”,
afirma.
Para eles, mesmo sem a obrigatoriedade imposta pela Capes, é papel
da universidade pública divulgar para a sociedade o conhecimento
produzido com verba do governo e, portanto, cabe aos alunos disponibilizar
suas teses. “Todos concordam que o objetivo, quando se faz
uma tese, é publicar e a web é só uma facilitação.
Não acho que a portaria invada meus direitos porque, quando
se fala em universidade pública, você não tem
o direito de não divulgar, é seu dever. As teses
já são públicas por premissa”, defende
Patrícia.
Para o professor da Faculdade de Educação Vinício
de Macedo Santos, a internet é um grande facilitador, desde
que sejam tomadas as devidas precauções no uso desse
material. “Acho que a iniciativa tem o princípio interessante
de tornar disponível o conhecimento produzido em uma universidade
pública. Mas é fundamental que tenha proteções,
para que a fonte seja sempre indicada e para que o material seja
referenciado e citado de forma correta”, pondera.
Gutierre, da Editora da Unesp: portaria não afeta mercado
editorial A USP promove a divulgação das teses na internet
desde junho de 2001, quando inaugurou a Biblioteca Digital de Teses
e Dissertações, em parceria com o Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia. Desde
então, foram publicadas 6.738 teses de todos os departamentos
e campi da Universidade.
Com a criação da Biblioteca Digital, a USP tem feito
um trabalho de divulgação junto às unidades
para incentivar a publicação on-line, com o mesmo
propósito da Capes de disseminar o conhecimento produzido.
Contudo, até a data de vigência da portaria, cabia
ao aluno a livre escolha de publicação no portal
e também a decisão de disponibilizá-la na íntegra
ou em forma de resumo. A obrigação do aluno, segundo
a portaria 4.221 da USP, de novembro de 1995, é disponibilizar
um exemplar impresso da tese na biblioteca da unidade na qual desenvolveu
a pesquisa.
Para Fábio Coimbra, da FEA, não há grande
diferença entre essa obrigação e a nova, imposta
pela Capes. “Disponibilizar na internet é apenas um
facilitador de acesso, não muito diferente de colocar meu
trabalho na biblioteca”, aponta. Por isso, não fez
objeções a colocar sua dissertação
de mestrado, finalizada em dezembro do ano passado, no portal da
USP, e garante que colocará ali sua tese de doutorado. Obra
vulnerável – Para a professora Silmara Chinelato,
que leciona Direitos Autorais na Faculdade de Direito da USP, a
publicação na internet torna a obra muito mais frágil
e vulnerável à cópia, seja na íntegra
ou em partes. “A consulta da obra impressa tem maiores dificuldades
para reprodução, tendo em vista a restrição às
cópias pela Lei de Direitos Autorais, enquanto estar disponível
on-line significa a possibilidade de ser copiada totalmente”,
explica.
Para ela, apesar dos propósitos benéficos previstos,
a portaria contraria a Constituição Federal e a Lei
de Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), cujo
artigo 5º, inciso XXVII, assegura aos autores “o direito
exclusivo de utilização, publicação
ou reprodução de suas obras”.
Assim, segundo Silmara, a portaria ofende tanto os direitos morais
do autor que eventualmente não queira publicar a obra como
os direitos patrimoniais. “A publicação on-line
impede que ele explore o conteúdo patrimonial do direito
autoral, já que não haverá interesse por parte
das editoras em publicá-lo de modo impresso”, critica.
Prevendo os casos em que o autor necessite manter sua tese em
sigilo, a portaria da Capes prevê, no artigo 2º, o eventual
não depósito da obra, “motivada pela proteção
ao sigilo industrial ou ético”. Assim, os trabalhos
inclusos nesses casos estariam livres da obrigatoriedade, bastando
para tal, segundo a Capes, apenas a indicação do
motivo no formulário de inscrição da tese.
Para Silmara, o artigo não explicita claramente que situações
permitiriam que a tese não fosse publicada e destaca que,
mesmo se fosse melhor explicitada, a portaria continuaria sendo
uma afronta à Lei dos Direitos Autorais.
O presidente da Capes, Jorge Guimarães, disse ao Jornal
da USP que a publicação é uma forma importante
de difundir conhecimentos e de avaliar a pós-graduação
brasileira (leia entrevista na página ao lado).
Plínio Martins, da Edusp: tese na internet acaba com interesse
das editoras Mercado
editorial – Formado por grandes editoras comerciais
e pelas universitárias, o mercado editorial também
se divide sobre a portaria da Capes. De um lado, há aqueles
que defendem a internet como meio de publicação de
baixo custo e, de outro, aqueles que acreditam que a publicação
na internet acaba com o ineditismo das obras e prejudica sua possível
publicação impressa.
Para o presidente da Editora da USP (Edusp), Plínio Martins
Filho, a presença das teses na internet acaba com o interesse
das editoras em publicá-las na versão impressa. “Por
que a editora vai investir dinheiro em um livro cujo conteúdo
está na internet?”, questiona.
Por isso, Martins critica duramente a obrigatoriedade da publicação
e defende que esta deve ser uma escolha livre do autor. “O
autor deve ter a liberdade de colocar ou não sua pesquisa
na internet e deve também estar consciente de que, se o
faz, está fechando uma porta nas editoras”, afirma.
Já para o editor-executivo da Editora da Unesp (Edunesp),
Jézio Gutierre, a portaria não afeta o mercado editorial,
já que a tese raramente é publicada da mesma forma
que é defendida. “Há toda uma produção
editorial que a transforma de produto acadêmico a produto
de consumo mais amplo, de maior acesso ao leitor”, explica.
Segundo Gutierre, a publicação das teses on-line é ainda
uma maneira de não onerar as editoras universitárias,
que recebem cada vez mais pedidos de publicação. “O
número de teses aumentou muito no País, assim como
a especificidade dos trabalhos. Nem tudo pode ser publicado na
via impressa e aí a internet se mostra como uma boa solução”,
aponta.
Para Plínio Martins, nem sempre os dois veículos
são diferentes. “Os livros de consulta e manuais,
por exemplo, pouco mudam da tese para o livro. A editora investe
muito dinheiro para tornar a obra conhecida, para depois as pessoas
simplesmente acessarem o trabalho na internet, gratuitamente”,
critica.
Sócio-diretor da Editora Contexto, Jaime Pinsky diz que
a publicação das teses resulta na melhora da qualidade
das teses. “Isso permite uma avaliação mais
rígida dos aprovadores, porque será uma responsabilidade
maior julgar uma tese acessível a toda a comunidade científica.”
Também favorável à portaria, o coordenador
editorial da Editora Annablume, Joaquim Antônio Pereira,
defende que a internet é um veículo de publicação
muito diferente do impresso, com leitores também diversos.
Assim, a existência do conteúdo on-line não
ameaçaria o livro, que continua como objeto de fetiche,
com um público fiel. “Poucas pessoas lêem grandes
obras on-line ou mesmo imprimem dezenas de páginas. A internet
oferece caminho para obras que são muito técnicas
e que têm um público muito pequeno e por isso nunca
serão lucrativas para a versão impressa”, conclui.
|