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Gleb Garanich/Agência Reuters
Estudos Avançados nº 59 – Dossiê Energia, publicação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, 392 páginas, R$ 30,00. O lançamento será no dia 26 de abril, às 17h30, na Sala do Conselho Universitário da USP, no prédio da Reitoria. Às 14h30 será realizado debate com os professores Carlos Vainer, Luiz Pinguelli Rosa, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Guilherme Leite da Silva Dias, da USP.


esq:Agência Reuters; dir: Oswaldo Rivas/Agência Reuters

A energia nuclear é realmente segura e representa uma alternativa viável para responder às necessidades de todos os países? Como conciliar os grandes investimentos e empreendimentos necessários para a geração de energia com a preservação ambiental? Há risco de que a produção agrícola destinada aos biocombustíveis “roube” espaço daquela destinada aos alimentos? Temas como esses estão em debate no mundo todo e, no Brasil, a possibilidade de dar um salto com a liderança planetária na produção de etanol, por exemplo, faz com que sua importância seja ainda maior.

“A revolução energética do século 21 mal está começando. O que podemos dizer com certeza é que a transição da era do petróleo ao pós-petróleo será longa e que é difícil antecipar o seu transcurso. Daí as interrogações que emergem dessa reflexão preliminar”, aponta Ignacy Sachs, professor honorário da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, na França, e pesquisador convidado do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. “O que diferencia a revolução energética atual é que nenhuma das energias alternativas oferece, por enquanto, vantagens econômicas claras com relação ao petróleo e seus derivados. Ao mesmo tempo, o imperativo ecológico vai, segundo tudo indica, atuar com uma força cada vez maior, à medida que se afinam os contornos da crise desencadeada pelas mudanças climáticas.”

Sachs apresenta suas reflexões no Dossiê Energia, ao qual o IEA dedica a maior parte da edição nº 59 de sua revista Estudos Avançados, que será lançada no final deste mês. Os dezenove textos do dossiê são divididos em quatro partes. A primeira aborda vários temas da área de energia; a segunda concentra-se em energia hidrelétrica; a terceira é sobre os biocombustíveis e a quarta é dedicada à energia nuclear. Não são apresentadas soluções prontas e acabadas para os problemas energéticos do País, mas sim reflexões e propostas que contribuem para as decisões que a sociedade deve tomar. Tanto é assim que há artigos que defendem pontos de vista divergentes sobre os mesmos temas, a começar pela falta de consenso a respeito dos níveis atuais e futuros de consumo e demanda de energia no Brasil.

Gleb Garanich/Agência ReutersUsinas nucleares – Um exemplo de divergência é a discussão a respeito da utilização da energia nuclear. Num artigo assinado em conjunto, Carlos Feu Alvim, Frida Eidelman, Olga Mafra e Omar Campos Ferreira, da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, Economia e Energia, defendem o seu uso afirmando que o custo da geração nuclear é competitivo com o da geração a partir dos derivados de petróleo e com o gás natural, e que o risco de acidentes deve ser comparado com os demais ciclos de combustíveis. Quanto aos resíduos, afirmam que a “solução do problema não apresenta dificuldades tecnológicas, sendo uma questão de decisão política e de aceitação pública”. Para eles, “certamente” a energia nuclear faz parte do futuro energético brasileiro.

Quem também defende a adoção mais intensiva dessa modalidade é Carley Martins, professor do Departamento de Física Nuclear e Altas Energias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em entrevista, Martins afirma que “não há riscos significativos para a população de Angra dos Reis decorrentes da construção de uma nova usina”, pois “a tecnologia existente permite reduzir a valores desprezíveis a probabilidade de ocorrência de falhas graves no núcleo, nos sistemas de controle e de operação dos reatores”.

Por sua vez, Jean-Pierre Dupuy, professor da Escola Politécnica de Paris e da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, faz um balanço dos 20 anos do acidente de Chernobyl (Ucrânia). “O mais duro de ver são as fotos dos bebês monstros que nasceram de mães que tiveram a infelicidade de estar grávidas em Pripyat (cidade em que viviam os trabalhadores da central e suas famílias), naquele 26 de abril de 1986”, escreve. Há ainda um crescente alerta em todo o mundo quanto à possibilidade de as usinas se transformarem em novos alvos para terroristas. Ignacy Sachs afirma que a decisão a respeito não pode ser deixada unicamente aos cientistas: é um processo que “requer o debate e a participação ampla dos cidadãos”.

Ao traçar uma retrospectiva da produção e consumo de energia no Brasil e no mundo, José Goldemberg, ex-reitor da USP e ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, e Oswaldo Lucon, assessor técnico da Secretaria, dizem que o Brasil possui uma condição bastante favorável no momento. Cabe ao País aproveitar a oportunidade de explorar as energias renováveis, que devem ser cada vez mais utilizadas em todo o mundo. Os atuais padrões de produção e consumo de energia são baseados nas fontes fósseis, o que gera emissões de poluentes locais e gases de efeito estufa, colocando em risco o suprimento de longo prazo no planeta.

Preocupação ambiental – Goldemberg e Lucon defendem que “a vocação” do Brasil “está nas hidrelétricas”, havendo “grandes potenciais ainda não explorados”. Para evitar os enormes impactos ambientais ocorridos em empreendimentos como Tucuruí (PA) e Balbina (AM), “o que se impõe é que os órgãos ambientais encontrem saídas para o complicado processo de licenciamento das usinas hidrelétricas”. A solução, dizem, passa por “compensações ambientais, pelas quais o empreendedor deve alocar pelo menos 0,5% do valor total da implantação de seu projeto na criação de novas unidades de conservação ou na manutenção das existentes”, além do reassentamento adequado das populações atingidas pela construção das usinas.

Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que é preciso colocar em discussão os impactos da reestruturação e privatização do setor elétrico. “Trata-se de examinar se, e em que medida, o processo em marcha tende a favorecer o recrudescimento de um tratamento insensível e irresponsável dos impactos sociais e ambientais de grandes barragens. Trata-se, sobretudo, tanto do ponto de vista legal-institucional quanto do ponto de vista político prático, de garantir às populações atingidas, e à sociedade civil de modo geral, uma efetiva participação nos processos de decisão e um efetivo controle sobre os novos empreendimentos”, afirma.

Encerrando o dossiê, a revista reproduz uma crônica publicada por Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil em junho de 1980. No texto, o poeta se refere a um documento que recebeu do Movimento em Defesa da Vida, “formado por pessoas de todas as classes, homens e mulheres, sob orientação de geneticistas reputados e físicos nucleares não menos categorizados da USP”. O documento alertava para os perigos das usinas nucleares, focando na intenção do governo brasileiro – o presidente era o general João Figueiredo, o último da ditadura militar – de construir uma planta desse tipo na região florestal da Juréia, entre os municípios paulistas de Peruíbe e Iguape. O projeto fazia parte do acordo entre Brasil e Alemanha, mas acabou não vingando, e hoje a Juréia é preservada como reserva ambiental.

Citando o documento, o poeta fala de casos ocorridos em várias partes do mundo – seis anos antes, recorde-se, da tragédia de Chernobyl e sete anos antes do acidente com o Césio 137 em Goiânia – e critica os “riscos impostos ao País para nos envaidecermos de empreendimentos que buscam o chamado progresso e liquidam a segurança de viver”. “Eu, homem do povo e escrivão público, participo desse terror. E acho que o Poder Legislativo tem obrigação de pedir contas desse programa assustador, desenvolvido a sua revelia e sob total ignorância do povo”, encerra, com palavras que mantêm sua atualidade em meio ao debate sobre os desafios para a produção de energia no Brasil e no mundo do século 21.

Os destaques entre os demais textos que compõem a edição são o artigo “Origens da vida”, de Augusto Damineli e Daniel Damineli, e uma entrevista com o cineasta Nelson Pereira dos Santos, que fala sobre sua vida e obra e o Brasil das últimas décadas.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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