Com
o objetivo de oferecer novos horários de apresentação,
ampliar a circulação de público e estreitar
o relacionamento com os universitários e com a comunidade
do entorno, o Teatro da USP (Tusp) criou a Sala Experimental Plínio
Marcos, no local onde eram realizados os ensaios. O nome da sala,
homenagem ao maior dramaturgo paulista contemporâneo, espelha
também o foco de pesquisa no novo espaço, que será inaugurado
nesta sexta, com a estréia da consagrada peça, O
Abajur Lilás. Escrito em 1969, o texto teve produção quase instantânea
de Paulo Goulart, mas acabou imediatamente proibido pela censura
do regime militar. Com a obra embargada por cinco anos, em 1975 tentou-se
nova montagem, desta vez com direção de Antonio Abujamra
e os atores Lima Duarte e Ariclê Perez no elenco. Após
uma maciça campanha empreendida pela classe teatral contra
a censura, veio um novo veto, decretado pelo próprio ministro
da Justiça, em razão de a peça ser “atentatória à moral
e aos bons costumes”. Apenas em 1980, o texto seria finalmente
encenado.
“Plínio Marcos estabeleceu uma linguagem dura, rascante,
e por isso foi chamado de pornográfico, mas não foi
ele quem inventou o palavrão”, afirma o diretor artístico
do Tusp, Marco Antonio Braz. O Abajur Lilás retrata as relações
existentes entre o cafetão Giro, homossexual assumido, as
prostitutas Dilma, Célia e Leninha e Osvaldo, capanga de Giro.
Em um contexto de exploração e violência, as
três mulheres são submetidas ao poder econômico
do cafetão e à truculência e sadismo de seu auxiliar,
que as tortura repetidamente. Concebida pouco depois do AI-5, a peça
foi encarada como uma metáfora das relações
políticas que se desenvolveram no Brasil após o golpe
militar de 1964.
Na montagem do Tusp, Giro pode ser interpretado como o poder
econômico
que contrata a força militar para torturar e reprimir qualquer
oposição surgida, acabando assim com todo vestígio
de democracia; Dilma é lida como o velho revolucionário
que conhece as artimanhas da história e propõe uma
transformação sempre em um futuro distante; Célia
se relaciona com o radicalismo que acredita que apenas a violência
suprime a violência; e Leninha representa a vertente da legalidade
que acha possível aliar-se à ditadura e com isso obter
vantagens pessoais. O professor e crítico teatral Sábato
Magaldi afirmou, sobre a montagem de 1980: “Em nenhuma outra
peça brasileira atual (...) o microcosmo retratado remete,
como em O Abajur Lilás, ao macrocosmo de uma certa situação
política, vivida nos últimos anos”. Duas versões – O grupo Tusp, visando a caracterizar
o aspecto experimental de seu trabalho, procurou de certa maneira
atualizar a obra do dramaturgo por meio de soluções
cênicas específicas. “Buscamos explorar as infinitas
possibilidades que o texto de Plínio Marcos apresenta”,
diz o diretor. Dessa maneira, foram montadas duas versões
para a peça, a heavy e a light.
ndependentes e ao mesmo
tempo complementares, as montagens se distinguem pela sonoplastia,
figurino e movimentação, além do aprofundamento
de aspectos psicológicos e inconscientes surgido do revezamento
dos atores Otacílio Alacran e Rafael Lemos nos papéis
de Giro e Osvaldo. “Uma versão remete aos anos 70,
no contexto do regime militar. A outra busca se aproximar de 1990,
quando já havíamos atingido liberdade política,
mas se apresentam outros mecanismos de repressão”,
explica Braz. Uma mesma ação cênica, apresentada
de maneiras diversas, consegue desta forma levar a leituras também
diferentes, permitindo uma compreensão mais rica da relação
entre espectador, criador e ator. A opção do Grupo Tusp pela experimentação
e pela integração do teatro com a Universidade tem
diversos desdobramentos. “Pretendemos dialogar com o público
da USP, recuperando o intercâmbio com o teatro universitário”,
conta Braz. O projeto previu um trabalho intimista, voltado a espaços
não-convencionais, dando versatilidade às encenações
e permitindo montagens com recursos cênicos mínimos.
Dentro do programa batizado de Plínio à Porter, o
grupo vai viajar pelos diversos campi da USP apresentando outras
duas peças do dramaturgo nesses moldes: Navalha na Carne
e Quando as Máquinas Param. “A idéia é fazer
encenações dentro da sala de aula”, informa
o diretor.
O caráter alternativo do Tusp também vai ser contemplado
pela escolha do repertório, que não vai concorrer
com o teatro comercial. Serão selecionados autores brasileiros
importantes para a dramaturgia mundial, como é o caso de
Plínio Marcos. “Há anos São Paulo não
tem uma montagem dele, entretanto, a obra do dramaturgo permanece
extremamente viva e tem um caráter profético. Alguns
aspectos de seus textos começam até mesmo a obter
traços de realidade”, define o diretor. Nas palavras
do próprio Plínio Marcos, suas “peças
são atuais porque o País não evoluiu”.
O Abajur Lilás fica em cartaz até 24 de junho, de
quinta a sábado, às 18h (Versão Light) e às
20h (Versão Heavy), e domingos, às 18h (Versões
Alternadas), no Tusp (r. Maria Antonia, 294, Vila Buarque, tel.
3255-7182, ramal 41 e 42). Ingressos a R$ 6,00 (inteira) e R$ 3,00
(meia-entrada).
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