PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO

 

Depois da vaca louca, da gripe aviária e da transgenia, o mundo nunca mais foi o mesmo em tudo o que diz respeito a alimentos. A confiança do consumidor virou uma meta almejada por fabricantes de todos os elos da cadeia alimentícia e um reflexo disso é a busca cada vez maior por sustentabilidade e responsabilidade social e ambiental nas empresas. O II Global Feed & Food, realizado de 16 a 18 de abril em São Paulo, com a presença de 66 palestrantes de vários países, ofereceu uma boa amostra dessa tendência. A começar pelo tema – “Sustentabilidade – Produzindo para o bem-estar de todos com qualidade, segurança e responsabilidade, preservando o meio ambiente” –, que norteou a segunda edição do evento promovido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), pela Federação Internacional da Indústria de Alimentação Animal (Ifif) e pelo Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações).

De acordo com dados da FAO, existem 828 milhões de subnutridos no mundo, sendo 792 milhões em países subdesenvolvidos e 54 milhões na América Latina. O organismo trabalha com a estimativa de que a população mundial deverá aumentar mais de 50% até meados deste século e que em 20 anos será preciso dobrar o volume de alimentos para suprir a demanda crescente. Além disso, existe a preocupação de como a produção de biocombustíveis irá afetar a segurança alimentar no mundo, lembrou José Graziano da Silva, representante regional da FAO para América Latina e Caribe.

“A fome é um tema fundamental num continente de abundância. Temos que olhar não apenas para o futuro da segurança alimentar, ou seja, para a necessidade de garantir acesso abrangente ao alimento para uma nutrição adequada de toda a população, mas também para a questão do alimento seguro, ou livre de contaminantes ou substâncias que possam causar danos à saúde”, disse Tito Diaz, diretor de Produção e Saúde Animal da FAO para a América Latina e Caribe. “A América Latina tem dificuldades transnacionais a superar, como a erradicação de doenças como a febre aftosa, por exemplo, e questões relacionadas à sustentabilidade.”

Exigências – Desde os últimos incidentes envolvendo alimentos na Europa, o fabricante cada vez mais tem de dar conta da rastreabilidade do seu produto, ou seja, mostrar que o que produz é seguro, sustentável e socialmente responsável em todas as etapas de produção, desde a origem até a distribuição e comercialização, mostraram as palestras. “Os produtores de suprimentos alimentares precisam cada vez mais atender às exigências de um consumidor em transformação, que tem se tornado mais consciente quanto às questões ambientais e o consumismo ético”, afirmou Paul Davies, professor de Sistemas Agrícolas e vice-reitor do Royal Agricultural College (RAC) do Reino Unido.

De acordo com Mário Sérgio Cutait, presidente do Sindirações, as empresas não olham mais para o consumidor externo ou interno porque há pouca diferenciação entre um e outro. “Produzimos para o mundo e, portanto, precisamos de padrões, seja de inocuidade e qualidade do alimento ou de sustentabilidade.”

Na busca de um consenso do que é seguro, saudável e sustentável, os produtores, processadores e distribuidores europeus e sul-americanos de alimentos e rações oficializaram acordos durante o II Global Feed & Food, envolvendo diversos elos da cadeia produtiva. Num deles, o Euro-Retailer Produce Working Group (EurepGAP) reconheceu o Programa de Boas Práticas de Fabricação (BPF) Nível Internacional do Sindirações. Trata-se de um código de regras e condutas para que produtores brasileiros de frutas, vegetais, bovinos, suínos, aves e alimentação animal tenham uma certificação equivalente aos padrões de qualidade exigidos pelo grupo de supermercados europeus reunidos em torno do EurepGAP.

“A sustentabilidade está ligada à segurança do alimento e também à sustentabilidade econômica. É uma questão ampla que envolve as próximas gerações, o aquecimento global, a alimentação de pessoas, enfim, é uma abordagem global ligada a muitas questões e opiniões e por isso é preciso ir parte a parte, módulo a módulo, aproximando os interesses. Este acordo firmado com produtores brasileiros significará acesso a novos mercados, porque os consumidores buscam cada vez mais produtos certificados”, disse Kristian Möller, diretor-executivo e secretário do EurepGAP.

A European Feed Manufacturers Federation (Fefac), com sede em Bruxelas, na Bélgica, também firmou acordo com produtores de soja do Brasil, Argentina e Paraguai, segundo o presidente da entidade, Martin Tielen. “Baseado no tripé da sustentabilidade, formulamos nove princípios para serem implementados para uma produção responsável de soja, não só na Europa mas no mundo todo. Esses nove princípios estão acordados no Roudtable of the Responsible Soil e a partir deles desenvolveremos um sistema de certificação para produtores no Brasil, Argentina e Paraguai. Segurança é segurança em qualquer lugar do mundo e buscaremos harmonizar os procedimentos”, disse.

Demanda – Para o presidente do Ifif, Fred Stephen, a indústria alimentícia precisa olhar para a sustentabilidade mais do que nunca, tendo em vista a crescente demanda que o mundo terá por grãos e proteína animal. “Se olharmos para a indústria de alimento animal e a exposição que ela teve nos últimos anos no mundo inteiro e para a crescente demanda por milho nos Estados Unidos e nações desenvolvidas, e também por etanol e biocombustíveis, perceberemos que, paralelamente às questões ambientais, podemos supor que não mais teremos os baixos custos e a disponibilidade que historicamente tivemos de certos grãos, e quase certamente isso indica que os custos da indústria de produção animal irão aumentar e, portanto, o consumidor final será afetado”, disse.

Para William J. Doyle, presidente da PotashCorp, uma multinacional de fertilizantes, a própria distribuição de uma demanda crescente de alimentos será um desafio. “Um futuro sustentável envolve muitos aspectos, desde a produção até cada ação que realizamos e que imprime alterações ao ambiente. O Brasil terá que desenvolver as áreas mais precárias de infra-estrutura e serviços de distribuição, como portos e estradas, para continuar crescendo. Entre as mais importantes economias voltadas ao agronegócio que eu conheço, este é o país que enfrenta os maiores desafios em logística. Não se trata apenas de levar o alimento ao consumidor final, mas fazê-lo de forma segura e a um custo viável”, afirmou o executivo.

“A América do Sul não tem dado muita importância, por exemplo, à questão dos aditivos de rações, manejo de minerais e resíduos de minerais, pois não tem tido problemas nessas áreas, porque aqui as pastagens são mais esparsas. Mas à medida que houver um aumento na demanda por proteína animal e for necessário fazer uma alimentação mais intensiva desses animais, teremos que levar em conta a segurança ligada à eliminação de determinados resíduos e a própria sustentabilidade desse elo da cadeia produtiva”, disse Fernando Eluchian, presidente da Câmara Argentina de Nutrição Animal.

Porém, se há normativos na Comunidade Européia exigindo a rastreabilidade dos alimentos desde 2005 e 92% do mercado japonês já pede a rastreabilidade, o Brasil ainda engatinha nessa área, já que 34% dos alimentos totais produzidos no País apresentaram resultados insatisfatórios do ponto de vista de segurança alimentar, de acordo com dados de 2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Isso demonstra que o Brasil oferece ao mundo o melhor alimento, mas não possui uma política interna que garanta ao consumidor a qualidade do alimento. Nesse sentido o Ministério da Agricultura vai iniciar um projeto com todos os elos da cadeia em favor da qualidade e inocuidade do alimento”, disse Márcio Portocarrero, secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

 

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]