Nos últimos anos, diversos cineastas e indústrias
cinematográficas de vários países têm
produzido filmes com estrutura multiplot. O termo, que pode parecer
técnico demais, refere-se às obras em que linhas
de ação independentes são narradas simultaneamente,
na maioria das vezes influenciando-se, interligando-se e alcançando
em um certo momento um ponto de contato. Dessa maneira, aproximam-se
mundos à primeira vista distantes entre si, e enredos paralelos
encontram-se, dando novo sentido para a obra. Foi pensando nesse
gênero cinematográfico que o Cinusp organizou a mostra “E
enquanto isso... – Roteiros Multiplots”, em cartaz
durante este mês. “É uma vertente que inclui
diversos filmes importantes dos últimos tempos e não
se resume a uma escola ou a um país”, afirma Ana Luíza
Béco, curadora da mostra.
O nome do ciclo se refere a uma expressão muito usada quando
se fala sobre um filme multiplot. “Não necessariamente
um filme é multiplot, entretanto, apenas porque há vários
personagens ou histórias paralelas. Esse tipo de filme mostra
a história a partir de uma variedade ampla de pontos de
vista, fornecendo uma visão mais abrangente da narrativa”,
explica a curadora. A linha de filmes multiplot comumente explora
um tema específico, usando seus personagens como pontos
de referência de determinadas visões acerca do assunto
abordado. Esse é o caso de Crash – No Limite, em que
se levanta a questão do preconceito entre diferentes grupos étnicos
e sociais dos Estados Unidos, quando os personagens são
unidos pela eventualidade de um acidente de carro. A eventualidade,
aliás, é outra marca da união entre as tramas,
presente tanto em acidentes automobilísticos como em crimes.
Como a seleção das obras é baseada na estrutura
de roteiro e não em uma temática predefinida, foram
reunidos filmes com enredos e propostas estéticas extremamente
distintos, provenientes de oito países diferentes. A mostra
começa com a exibição de Crash – No
Limite (EUA, 2004), de Paul Haggis, em que uma rica e mimada esposa
de um promotor tem seu carro de luxo roubado por dois assaltantes
negros em uma cidade ao sul da Califórnia, acabando em um
acidente que aproxima representantes de diversas etnias e classes
sociais de Los Angeles: um veterano policial racista, um detetive
negro e seu irmão traficante de drogas, um diretor de cinema
bem-sucedido e sua esposa, e um imigrante iraniano, com sua filha;
O Doce Amanhã (Canadá, 1997), dirigido por Atom Egoyan,
trata de um acidente com um ônibus escolar que provoca a
morte de 20 crianças em uma cidade no interior do Canadá,
e um advogado tenta convencer as famílias, ainda em luto,
a pedir uma indenização contra qualquer possível
responsável, sendo que uma sobrevivente talvez possa dar
o testemunho que decidirá o caso; e Dolls (Japão,
2002), do diretor Takeshi Kitano, que conta três histórias
sobre amor eterno, intercaladas de maneira sutil: um casal jovem
vagueia em busca de algo perdido, sempre ligados por uma corda
vermelha; um mafioso ao fim da vida regressa ao parque onde costumava
se encontrar com sua namorada; e uma estrela pop feminina desfigurada é confrontada
com a fantástica devoção do seu maior fã. A mostra ainda inclui filmes cujo recorte envolve a criminalidade – como
Sin City – A Cidade do Pecado, e Jackie Brown – e a
divisão de um mesmo espaço de moradia – como
em Agora ou Nunca e Alila. Sin City – A Cidade do Pecado
(EUA, 2005), de Robert Rodriguez e Frank Miller, é baseado
nas histórias The Hard Good-Bye, The Big Fat Kill e That
Yellow Bastard da graphic novel homônima de Miller, retratando
a história de três homens que partem em jornadas pessoais
em uma cidade sedutora, e é todo em preto-e-branco, raramente
em cores, como na publicação. Jackie Brown (EUA,
1997), do cineasta Quentin Tarantino, conta a história da
comissária de bordo Jackie, que trafica dinheiro para os
Estados Unidos a mando de um vendedor de armas. Dois policiais
oferecem um acordo para que ela entregue o bandido, mas a mulher
decide dar a volta em todos os envolvidos.
A convivência em um mesmo ambiente aparece em Agora ou Nunca
(Inglaterra, 2002), de Mike Leigh, em que são contadas as
histórias de um grupo de moradores de um conjunto residencial
de periferia, na Inglaterra: de uma caixa de um supermercado que
deixa de amar o marido taxista, da filha deles que faz faxina na
casa de idosos e do filho desempregado que desenvolve uma agressividade
acentuada, e acaba internado com problemas cardíacos, mudando
a perspectiva de vida de todos. Em Alila (Israel/França,
2003), de Amos Gitai, um condomínio entre Tel-Aviv e Jaffa é o
centro das tramas, que incluem os problemas de um idoso com vizinhos
que fazem barulho e moradores que pretendem construir uma casa
no jardim, e o sumiço de um jovem que desertou do exército
e desapareceu. Ainda estão na mostra os filmes Código Desconhecido
(França, 2000), de Michael Haneke, que conta as histórias
de um casal e seus sogros, de uma romena que luta para sua família
voltar para casa, e de um professor de crianças surdas-mudas;
Inverno Quente (Alemanha, 1997), de Tom Tykwer, sobre um fazendeiro
que perde sua filha quando bate o carro em um automóvel
roubado; Syriana – A Indústria do Petróleo
(EUA, 2005), de Stephen Gaghan, narra a trajetória de um
agente da CIA que percebe que as ações da agência
começam a se voltar à politicagem, deixando de lado
o combate a atos terroristas; Amores Brutos (México, 2000),
de Alejandro González-Iñárritu, retrata um
acidente na Cidade do México que provoca enormes transformações
nas vidas dos três envolvidos; e Coisas que Você Pode
Dizer Só de Olhar para Ela (EUA, 2000), de Rodrigo García,
em que as vidas de cinco pessoas, aparentemente desconexas, cruzam-se
em San Francisco Valley, em uma história de crimes, conflitos
familiares e transtornos afetivos. A mostra “E enquanto isso... – Roteiros Multiplots” começa
nesta segunda e vai até 1o de junho, com sessões às
16h e 19h, no Cinusp (r. do Anfiteatro 181, favo 4 das Colméias,
Cidade Universitária, tel. 3091-3540). Programação
completa e mais informações no endereço eletrônico www.usp.br/cinusp.
Entrada franca.
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