Com um atendimento de referência a uma população
de 40 mil pessoas por ano, o Centro de Saúde-Escola Professor
Samuel B. Pessoa, da Faculdade de Medicina da USP, completou 30
anos de atenção à saúde e à formação
de recursos humanos. A data foi comemorada com uma solenidade e
um seminário, intitulado Os Centros de Saúde-Escola
e os Desafios do Ensino na Produção do Conhecimento
e Atenção Primária à Saúde,
realizados no dia 5 de julho na Faculdade de Medicina.
Além dos pacientes, o Centro de Saúde-Escola Samuel
B. Pessoa acolhe os alunos de graduação de medicina,
fonoaudiologia, fisioterapia e enfermagem e médicos residentes
em pediatria, medicina da família e comunidade e medicina
preventiva, para dar continuidade à formação
acadêmica. Ele foi criado há três décadas
a partir de um convênio entre a USP e a Secretaria de Estado
da Saúde, com o objetivo de oferecer um espaço de
ensino na área de saúde que não fosse exclusivamente
hospitalar e superespecializado. “Naquela época o
ensino médico era centrado no Hospital das Clínicas.
O aluno raramente via o paciente ao longo da sua formação.
A proposta era ter um espaço ambulatorial mais próximo
da realidade da população, que fizesse atenção
primária e desse continuidade no atendimento ao paciente”,
explica o médico Ruben Kon, diretor-técnico do centro
de saúde-escola.
Atendimento à população: história de
dedicação à saúde pública
Por atenção primária define-se o primeiro
nível de atenção dado ao paciente dentro do
sistema de saúde, que é caracterizado por ser a referência
mais imediata da população e se basear na promoção
e prevenção da saúde. O posto de saúde,
o centro de saúde, a unidade básica de saúde
têm esse caráter de primeiro atendimento. A população
sabe que nesse espaço encontra-se um serviço de referência
e que pode contar com ele para todo cuidado ao longo do tempo.
Kon ressalta que é a partir dessa porta de entrada que o
indivíduo pode ser encaminhado para níveis mais especializados
do sistema de saúde. “Uma consulta ou exame especializado,
assim como para uma internação.”
O diretor lembra que a ênfase dada não é no
atendimento curativo, mas em ações de promoção
da saúde e qualidade de vida e de prevenção,
que são combinadas com o atendimento dos problemas mais
corriqueiros através de profissionais com um perfil mais
generalista. “Não há o atendimento especializado,
com o cardiologista, o dermatologista, mas há o clínico,
o pediatra, o sanitarista e o psiquiatra.”
A missão do Centro de Saúde-Escola Butantã,
como é mais conhecido, é sempre combinar a assistência
ligada ao ensino e à pesquisa. Segundo Kon, no campo da
pesquisa há várias abordagens. Para a área
de tecnologias de assistência e atenção primária,
as pesquisas vêm pensando formas de organização
que combinam profissionais com modalidades de assistência
e formas de enfrentar as necessidades de saúde.
Projeto São Remo – Outras linhas de pesquisas ligadas
a problemas e situações comuns à saúde
trabalham com a questão de violência de gênero,
com o atendimento ao homem no serviço de atenção
primária, já que este é um individuo refratário
para cuidar da saúde. É uma pesquisa voltada para
a questão do acolhimento, ou seja, busca-se saber como se
consegue desenvolver em um serviço de saúde uma relação
mais humanizada com o indivíduo que procura esse atendimento.
Há ainda pesquisas sobre patologias mais comuns nas crianças,
como doenças respiratórias e desnutrição.
A pesquisa sobre violência de gênero na saúde
se tornou um trabalho de referência regional, gerando inclusive
uma modalidade de atendimento específico, chamada Confad – Conflitos
Familiares Difíceis. Kon esclarece que esta foi uma pesquisa
feita em colaboração com outros centros semelhantes
e serviu para evidenciar o fato de que a violência era uma
presença muito constante no serviço de saúde,
mas nem sempre reconhecida. “Muitos usuários procuravam
intensamente nossos serviços e tínhamos dificuldade
de caracterizar o problema do paciente. Ao aprimorarmos o olhar
para a questão da violência, começamos a perceber
que o problema não é uma patologia bem definida,
mas uma vontade de expressar sua situação de violência,
pedindo socorro.”
Essa pesquisa gerou tanto uma modalidade de assistência como
também uma proposta de organização dos serviços
para dar respostas concretas às pessoas que sofrem violência,
gerando conhecimento para estar atento às formas de aparecimento
do problema da violência, que nem sempre são explícitas,
esclarece Kon.
O centro de saúde procura também desenvolver projetos
de extensão e assistência que possam contribuir para
a melhoria do atendimento.
O Projeto São Remo é um deles e já está em
andamento há seis anos. É inspirado no programa Saúde
da Família e busca repensar essa modalidade de atendimento
para oferecer ao programa novas alternativas de trabalho.
Atualmente o projeto conta com 12 agentes comunitários de
saúde, moradores da comunidade São Remo – localizada
nas proximidades da Cidade Universitária, em São
Paulo –, que foram treinados, selecionados e contratados
e atuam diretamente no bairro em programas vinculados ao centro
de saúde-escola. A atuação dos agentes é baseada
em visitas às famílias, desenvolvendo algumas frentes
de trabalho específicas. Fazem assistência a todas
as crianças nascidas no bairro, assim como um acompanhamento
intensivo e prolongado para aquelas identificadas como casos de
risco – nascimento com baixo peso, com alguma patologia,
ou se são de alguma família especialmente desestruturada –,
além de identificar as necessidades dessa família
e mediar possibilidades de intervenção do serviço,
diminuindo os riscos da criança adoecer e morrer.
Os agentes também desenvolvem oficinas entre grupos de diferentes
faixas etárias para discutir temas de saúde, crianças,
adolescentes e idosos. Exemplos disso são as questões
do lixo, da saúde e da sexualidade. Já com os idosos
há um trabalho de resgate da memória. Kon conta que em 2006 foi feito um projeto para resgatar a memória
dos idosos, baseado em fotos dos objetos que remetiam à história
de vida das pessoas. “Queríamos resgatar a história
deles para valorizar o papel do idoso dentro dessa comunidade.”
Evermando dos Santos Santana há seis anos exerce a função
de agente comunitário de saúde no Jardim São
Remo. Morador do bairro, une seu conhecimento de cidadão
ao de agente comunitário ajudando famílias mais vulneráveis
com informações sobre saúde e cidadania. Também
ajuda em atividades comunitárias para a melhoria do ambiente. “Com
esse trabalho vejo melhor os problemas do bairro. Procuro promover
nas famílias uma atitude de ir em busca do que é de
direito delas”, ressalta. Atenção domiciliar – Junto com o programa
dos agentes comunitários da comunidade São Remo há um
programa de atenção primária domiciliar. Formado
por uma equipe multiprofissional, atende em domicílio os
indivíduos que por diversos motivos têm dificuldade
de se locomover até o centro de saúde, ou por limitação
física, ou por estar acamados, até por problemas
sociais e econômicos, como também a mãe que
não consegue trazer o filho pequeno porque trabalha. “Nosso
trabalho é dar assistência primária, em casa,
para essas pessoas, procurando contribuir para o desenvolvimento
de uma tecnologia de atendimento que possa ser aplicada em outros
centros de saúde”, esclarece o diretor-técnico.
Para os adolescentes foi criado o projeto bate-papo. Como os
jovens são outro grupo muito resistente aos serviços de
atendimento à saúde, entendeu-se que o contato com
eles é mais produtivo fora dos serviços de saúde,
como nas escolas ou em outros espaços de encontro.
A equipe do centro de saúde fez um trabalho nas escolas
da região e identificou jovens com interesse em trabalhar
a questão saúde e juventude. Com treinamento e capacitação,
os jovens tornaram-se multiplicadores e formaram uma ONG chamada
Jovem Inventivo. Atualmente a sede fica em um contêiner,
comprado com recursos próprios, e se encontra no pátio
do Centro de Saúde-Escola Butantã. Kon conta que
eles desenvolvem trabalhos em diversas regiões, procurando
criar espaços para que o jovem se identifique com a atuação
do núcleo de saúde e encontre abrigo para as suas
questões, que são muito específicas e não
podem ser tratadas de maneira convencional. “O jovem não
vem aqui para ficar esperando pela consulta, nunca se acha doente.
Ele está aberto para outras formas de discussão da
saúde.”
|