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Tudo começou com uma ação do Ministério Público do município de Londrina para a retirada de 120 catadores do lixão da cidade. Pelo Termo de Ajustamento de conduta, eles deveriam se integrar à coleta seletiva municipal, que, em 2000, seria ampliada para 50 mil residências, ou um terço do total de domicílios. Outros 20 catadores de rua e 30 carrinheiros reivindicaram o direito de serem incluídos na central de triagem da prefeitura e se mobilizaram em torno de uma organização não-governamental. Uma deflagração de movimentos de catadores e desempregados terminou por descentralizar o programa da prefeitura, com uma demarcação de coleta por setores, a fim de evitar a competição pelas mesmas áreas.

O que era um movimento de catadores se materializou juridicamente em 2002 numa congregação de ONGs. Criada em 2002 com apoio da prefeitura, a Central de Pesagem, Prensagem e Vendas (Cepeve) nasceu com o objetivo de aumentar o preço da venda do material coletado e eliminar a ação de atravessadores.

Dividido em 26 setores e com renda revertida às associações dos próprios catadores, o programa contava em 2004 com um contingente de 500 pessoas reunidas em torno de 29 associações. Naquele mesmo ano, 32 itens estavam sendo comercializados, entre tetrapack, papelão misto e PET, num total de 90 toneladas ao dia, que geravam rendimentos de até R$ 400,00 por pessoa.

O estudo de caso sobre o programa de coleta seletiva de Londrina compõe a coletânea Gestão compartilhada de resíduos sólidos no Brasil – Inovação com inclusão social. Organizado pelo professor Pedro Jacobi, da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP, o livro pertence à coleção Cidadania e Meio Ambiente, da editora Annablume.

O caso de Londrina, apresentado por Gina Rizpah Besen como dissertação de mestrado na Faculdade de Saúde Pública da USP em 2006, ilustra o processo de construção participativa de uma rede de atores sociais e a forma como essa rede introduziu mudanças no ambiente. Naquele município, o que se percebeu na prática foi o aumento do material coletado e a adesão da população; o aumento do grau de organização e ampliação de ONGs; a redução do apoio da prefeitura e a maior autonomia dos grupos organizados; a ampliação da área de abrangência do programa; e o aumento do tempo de vida útil de aterros em dez meses, além da redução da disposição de resíduos sólidos em aterros de 348 toneladas/dia para 307 toneladas/dia.

Um levantamento do IBGE mostra que, dentre os 5.560 municípios brasileiros, apenas 451 possuem programas de coleta seletiva. De acordo com a autora, o programa elevou o índice de reciclagem em Londrina de 1% em 2001 para 23% em 2004. Durante os três anos do estudo, a autora mostra que o índice de recuperação de resíduos sólidos no município ficou em 22,6%, “possivelmente o maior da América Latina e maior do que muitos Estados americanos e europeus”, traz o texto. Entre outros tópicos, a autora descreve a logística do programa e contextualiza o momento em que surgiram os grupos organizados de catadores de Londrina.

“Consórcio Quiriri: programa intermunicipal de tratamento participativo de resíduos sólidos da região do alto Rio Negro catarinense” é o título do capítulo 5, em que Jacobi apresenta o conceito e o processo de formação de consórcios, uma forma de cooperação horizontal entre municípios que buscam consensos para a resolução de problemas comuns.

Sônia Maria Dias traz o caso de Belo Horizonte com o texto “Coleta seletiva e inserção Cidadã: a parceria poder público/Asmare em Belo Horizonte”. As dinâmicas econômicas, socioambientais e políticas dos trabalhadores da reciclagem na região metropolitana de Porto Alegre são o foco do estudo de Clitia Helena Backx Martins.

Uma rede intrincada – Outro caso emblemático de programa de coleta seletiva de lixo que, ao contrário dos outros retratados no livro, redundou em retumbante fracasso e total descrédito da população foi o da Prefeitura da cidade de São Paulo. “Da vanguarda à apatia, com muitas suspeitas no meio do caminho – gestão de resíduos sólidos domiciliares em São Paulo entre 1989 e 2004” mostra a intrincada rede de corrupção, escândalos e polêmicas que permearam quatro gestões nas quais o lixo ocupou um lugar de destaque.

A administração petista de Luiza Erundina (1989-1992) levantou a bandeira da coleta seletiva que, afinal, acabou se tornando um fardo econômico. Os incineradores de lixo para a geração de energia prometidos por Paulo Maluf (1993-1996) não passaram de fantasia. O escândalo da “máfia dos fiscais”, envolvendo empresas de limpeza urbana e autoridades de governo, veio à tona com Celso Pitta (1997-2000). Quando se esperava um processo de moralização e retomada do projeto inovador com a administração petista de Marta Suplicy (2001-2004), novos questionamentos judiciais, denúncias e rejeição popular à taxa do lixo reafirmaram o descrédito da população na capacidade dos governantes locais organizarem um programa bem-sucedido de coleta seletiva de resíduos sólidos.

O estudo apresentado pela jornalista Mariana Viveiros, como dissertação de mestrado pelo Procam, em 2006, reúne dados diversos sobre a geração, coleta e destinação final do lixo da região metropolitana. Remete e confronta os números com reportagens publicadas no período da pesquisa. Na coletânea, o texto é assinado a quatro mãos, com a participação do professor Jacobi.

Entre os 11 milhões de habitantes da maior metrópole da América Latina, estima-se que cada morador produza em média 1 quilo de lixo doméstico por dia, o que totalizou em 2004 9 mil toneladas diárias de resíduos, incluído o lixo de varrição das ruas e feiras livres. Numa avaliação conservadora, estima-se que 30% é passível de reciclagem. Porém, mesmo com dois aterros sanitários em vias de esgotamento, apenas 0,9% do total coletado era, de fato, reciclado, segundo levantamento da autora.

Os desafios técnicos para a gestão do lixo urbano na região metropolitana de São Paulo remontam a 1984, quando a necessidade de aterros impulsionou a administração de Jânio Quadros a alocar recursos para o tratamento e destinação final do lixo. A primeira recicladora do município só foi implantada em 1989, com Erundina, que lutou contra a cartelização da prestação dos serviços de limpeza urbana.

Mas com Maluf retornava o modelo de contratações de grande porte. Uma reportagem da Folha de S. Paulo, de 29 março de 1994 (“Maluf enterra lixo de coleta seletiva”), flagrou caminhões transportando materiais do centro de triagem de Pinheiros para o aterro Bandeirantes.

A onda de denúncias e irregularidades é apontada no texto de Mariana e Jacobi como o maior empecilho à implantação de programas de coleta seletiva no município. “Nos 12 anos em que esse tipo de problema foi constantemente apontado pela imprensa, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do Município, inúmeros secretários de Serviços e Obras, responsáveis pela limpeza, caíram, vereadores foram presos, licitações, suspensas por ordem judicial e houve mudanças no sistema. Os transtornos e alterações de rumo, de certa forma, impediram que uma política consistente e sustentável fosse efetivamente implementada e que inovações fossem ao menos iniciadas, tendo em vista o imenso desafio que será gerenciar o lixo de São Paulo no futuro próximo.”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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