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SEXTA FEIRA Nº 6 - UTOPIA

A abordagem do tema Utopia dá-se por um tríplice viés: utópico, distópico e contra-utópico. O primeiro deles remete à idéia alargada de utopia como representação e projeção factível de uma situação futura na qual os valores, regras e instituições estejam acordados com aquilo que se considera ideal; o viés da distopia inverte a perspectiva utópica, uma vez que o futuro é previsto como pior que o presente, decorrência nefasta de um projeto coletivo; o terceiro plano diz respeito à contra-utopia, a qual desqualifica qualquer projeção (imaginação) de um futuro que desconsidere as possibilidades postas pelo presente.
A um só tempo ciência e imaginação, a antropologia convida para o encontro da utopia dos "outros" – tais como sociedades indígenas e movimentos milenaristas – e ao estranhamento das nossas utopias – ecologia, tecnologia, globalização, socialismo etc. etc. etc.

 

O projeto gráfico desta edição talvez seja o mais autêntico espelho de seu conteúdo. Os textos foram impressos sobre fragmentos de painéis de outdoor. Emblema por excelência do mundo contemporâneo, a mensagem do outdoor é breve e direta, dirigida para quem passa a distância, donde os pontos convertem-se na imagem almejada. Operando uma abstração pela redução, as páginas desta edição de Sexta Feira subvertem o caráter denotativo da mensagem, em nome de uma linguagem caótica e da unicidade do produto. Os painéis são combinados ao acaso, de modo que não há um exemplar igual ao outro, conferindo aura à obra através de sua reprodutibilidade técnica.

 

Artigos

A filósofa acompanha o estreito vínculo entre a aurora da modernidade e as idéias, hoje clássicas, relativas à utopia, remontando a autores como Morus, Campanella e Bacon para investigar as relações sempre históricas entre real e imaginado. Finalmente, contrapõe-se a Mannheim e Ricouer quanto a suas interpretações negativas da noção de utopia e seu serviço ideológico.

O ensaio explora o campo semântico de Estação derradeira, canção de Chico Buarque, tendo como pano de fundo o conjunto da obra do autor. Trata-se de interpretar o pensamento de Chico a respeito da natureza dos dramas sociais brasileiros, tão míticos quanto históricos, que aí se montam, e cuja especulação de seus desenlaces parece esboçar uma visão, alarmante ou promissora, do porvir coletivo brasileiro. Sendo matéria de escatologia social e imaginação prospectiva, a leitura recai sobre os princípios de oposição sociológica que desenham a visão de Chico e suas soluções para os dramas.

Utopias missionárias na América
Por Paula Montero
A autora discute a presença de missionários católicos entre populações indígenas na Amazônia à luz da matriz humanista consolidada no século XVI, na qual está inserida a obra A utopia de Thomas Morus e que teve influência sobre a empresa jesuítica. O foco está dado na presença da missão salesiana no Brasil, mais especificamente na sua atuação entre os índios Bororo, Xavante e Tukano, e na maneira pela qual a sua arquitetura espelha valores de um cultura missionária.

O autor analisa a palavra "utopia", criada por Thomas Morus em sua obra homônima e que quer dizer "em lugar algum", para discutir a trajetória das cidades no mundo ocidental, culminando em uma discussão sobre o sentido da cidade moderna e os projetos para sua superação. As reflexões de Hannah Arendt, em A condição humana, são debatidas à luz de projetos de arquitetos contemporâneos.

A antropóloga evidencia nesta entrevista, a partir de sua longa experiência com dois grupos tupi-guarani, como esses povos aprendem a "ser índios". Sua recusa da utopia do retorno a um mundo intocado nos conduz a uma reflexão mais geral sobre sua concepção de antropologia como incessante – e talvez por isso também utópico – trabalho de tradução em mão dupla.

O artigo problematiza a relação do grupo indígena Kayapó com a sociedade brasileira, deflagrando as utopias de um e outro lado que acabam projetando valores e conceitos no outro que lhes é exterior; o autor analisa principalmente a idéia largamente difundida de que o índio é, por princípio, um ecologista.

O conceito de Parque Nacional é objeto de análise neste ensaio, por meio de uma abordagem crítica sobre a noção reificada de "natureza" e de "populações tradicionais" a que ele é comumente associado.

O sociólogo analisa um variado leque de temas associados ao que chamou de "virada cibernética", pela qual a informação, processada no plano digital e molecular, foi apropriada pelo capital globalizado e opera de modo a converter a biodiversidade e a sociodiversidade mundiais em matéria-prima à disposição da tecnociência.

O artigo traz uma reflexão sobre as relações entre ciência e ética, chamando a atenção para o distanciamento que hoje se repara quanto ao ideal humanista centrado no binômio humanidade-dignidade. Os discursos que provêem de pesquisas atuais na área da genética baseiam-se em uma concepção de ciência pura, autônoma, portanto acima de questões éticas, quando, na realidade, ela parece se mostrar, mais do que nunca, impregnada de questões sociais, econômicas e culturais.

A resenha crítica procura recuperar a importância da tese de doutorado de Duglas Teixeira Monteiro, Os Errantes do Novo Século, de 1972, defendida no antigo departamento de Ciências Sociais da USP, que se debruçou sobre o histórico movimento milenarista do Contestado, ocorrido na fronteira entre Paraná e Santa Catarina, no início do século passado (1912-16). Uma das interpretações mais interessantes do trabalho de Duglas está na idéia de que, em meio à guerra, à repressão policial e à incompreensão por parte dos não adeptos ao movimento, as festas passaram de exceção à regra, de periodicidade à permanência. Nas vilas santas, ao invés de estarem intercaladas no calendário sertanejo, como suspensões da rotina, as festas se tornaram cotidianas, com distribuição farta de comida, bailes, sem deixar de lado, é claro, os rituais de reza e procissão.

Texto biográfico e comentado sobre o intelectual Duglas Teixeira Monteiro, que acompanha o percurso acadêmico do sociólogo ao lado de algumas histórias de sua vida que, muitas vezes, esteve voltada para o estilo de vida caipira ou do mundo rural.

Em uma entrevista singular, Giannotti pincela as noções de utopia e imaginário, revelando sua aposta nos "vetores do presente". O futuro, em seu entender, deve ser pensado a partir de sua inscrição no presente. Em pequenas "pílulas", o filósofo explora ainda idéias de Marx e o debate sobre a (a)moralidade na política.

Pensador engajado, Paulo Arantes remonta em perspectiva histórica, e numa espécie de exegese, as noções e sentidos de revolução e socialismo, percorrendo sem vacilo século após século da chamada tradição crítica, libertária ou emancipadora, assim tornando mais compreensível, por exemplo, a relação entre utopia e história.

O que seria uma "resenha" do livro do antropólogo Benedict Anderson, chamado Comunidades imaginadas, torna-se uma revisão crítica do conceito de Nação, associado à imaginação. Contra a idéia de que a Nação surge de um processo racional de burocratização, os autores abordados propõem pensar culturalmente a invenção da Nação, acompanhando o momento em que a unidade político-administrativa transforma-se em "comunidade imaginada", passando a ganhar um novo significado coletivo.

Luís Inácio Lula da Silva, presidente de honra do PT, tece reflexões sobre as utopias que permeiam suas preocupações políticas e sociais, desde o início de sua carreira como sindicalista até a atual campanha política para as eleições presidenciais. Entre as idéias discutidas na entrevista estão a nova – e polêmica – concepção de socialismo de Lula e a importância de atores políticos emergentes, como os movimentos sociais e as ONGs.

Nesta entrevista, o cineasta do curta Ilha das Flores fala da sua produção recente – seu primeiro longa-metragem deverá ser exibido no início de 2002 – e discute diferenças e semelhanças entre curta e longa-metragem, documentário e ficção, cinema e televisão.

A distopia como vertente fundamental do cinema de ficção científica é o tema do ensaio do jornalista e escritor Chico Lopes. Blade Runner – O caçador de andróides é tomado como paradigma deste cinema em que o futuro é ao mesmo tempo evocado e exorcizado.

Os autores discutem o conjunto da obra de Pierre Clastres, antropólogo e filósofo francês notável que teve o desenvolvimento de seu pensamento interrompido por morte súbita, quando era ainda jovem. Clastres é apresentado como defensor de uma "ciência da sociedade ameríndia" em contraposição a Claude Lévi-Strauss, mais interessado em fundar uma "ciência do homem". Assim, o tema aqui perseguido é a construção de uma imagem da sociedade ameríndia que toma para si discussões caras à filosofia política e à teoria antropológica.

Um desafio proposto por Pascal aos ateus, no século XVII, é o mote da crônica do escritor e jornalista Bernardo Carvalho. O questionamento sobre a existência de Deus revela-se uma armadilha lógica, à qual se percebem presos o "tio jesuíta" e o próprio autor.