Duas guerras mundiais começaram lá: a primeira em Sarajevo (atualmente na Iugoslávia); a segunda em Danzig (hoje Gdansk, na Polônia). Trata-se da Europa Centro-Oriental, a Europa do Leste, conhecida também como a Outra Europa. É difícil defini-la geograficamente e mesmo chegar a um acordo acerca de seu nome. Em princípio, são os países que se situam entre a Alemanha e a URSS. Mas se pensarmos em Rússia em vez de URSS seria obrigatória a inclusão da Ucrânia e das repúblicas bálticas. Caso se considere o império soviético, a Alemanha Oriental deve também ser incluída. Em última instância, a Europa Central – e adotamos esse termo por julgar convincentes os argumentos de Czeslaw Milosz e György Konrád – é o conjunto de nações, povos e etnias que pertenceram, de alguma forma, a um dos impérios que se desfizeram depois da Primeira Guerra – o Austro-Húngaro, o Reich Alemão, o Russo ou o Otomano – e que depois da Segunda Guerra, com exceção da Iugoslávia, foram incorporados à órbita soviética.
Os países da região obtiveram muitas vezes a primeira página dos jornais: o rompimento de Tito com Stálin, a Insurreição Húngara, a Primavera de Praga, a formação do Solidariedade. Há mais de um ano, porém, a região, como um todo, não abandona os noticiários. Liberados por Gorbatchev da tutela russa, esses países assistiram à queda e desmoralização de seus regimes monolíticos. O fenômeno não apenas alterou o equilíbrio de uma Europa que estava pronta para experimentar a unidade a partir de 1992, como obrigou o mundo a repensar o conflito Leste-Oeste, declarando, ao que parece, o fim da Guerra Fria e suspendendo, por enquanto, a ameaça de uma guerra nuclear.
A Europa Central é, portanto, o tema do dossiê deste número da Revista USP. Sendo impossível esmiuçar todos os seus problemas, sua história, suas contradições e sua cultura, a Revista USP optou por artigos representativos, que apresentassem um ou mais tópicos relevantes à intelecção global. Há, portanto, ensaios gerais e específicos – alguns já publicados anteriormente, mas que continuam relevantes – sobre política e história, literatura, música e psicanálise. Como o humor dessa região pouco afortunada se tornou mundialmente famoso, o dossiê é complementado com obras criativas que trazem alguns de seus melhores exemplos. Não é nossa intenção esgotar o tema, mas tão só contribuir para um debate que não deve acabar tão cedo.

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