DIÁRIO DO RIO (485)

Por Leonel Alvarado.

485.

Esse número é meu. Preciso dele. Não poderia morar no Rio sem ele. Minha vida seria diferente.

Todas as manhãs pago 3.95 reais por ele. E minha vida muda. Top of Form

Ele leva toda a minha existência pelas ruas do Rio, entre pontes, túneis e centenas de loucos que procuram algum lugar prometido na cidade, um lugar onde eles serão mais ou menos eles mesmos.

O Rio está cheio de números rápidos e ávidos por alcançar o futuro que requer túneis e pontes para se realizar. Por 3,95 reais o 485 me leva ao meu futuro. Algumas vezes, encontro um assento e posso olhar para os outros passageiros, carregados de bolsas, mochilas, pacotes que eles precisarão no futuro.

Pela janela olho para os outros números do Rio: árvores, condomínios, prédios abandonados, grafiti, águas que brilham na distância ou se afogam no lixo, e uma paisagem interminável de tijolos mal remendados, mas determinados a reivindicar um lugar na cidade, a multiplicar seus números e subir os morros.

O 485 não me leva para esse planeta de tijolos. Só me oferece uma janela para que os tijolos, as árvores e os prédios abandonados me vejam passar como um número a mais.

Cada vez que desço do 485, tenho mais tijolos na minha vida, mais números e histórias que, embora não sejam minhas, já me habitam e irão comigo para esse futuro que existe longe do Rio.

 

Leonel Alvarado é Professor-Associado da Escola de Humanidades, Mídia e Comunicação Criativa na Massey University (Nova Zelândia).