A HISTÓRIA DA MODA RETRATADA PELO JORNALISMO AMBIENTAL

Por Andréia Terzariol Couto.

O jornalismo ambiental tem dado relevância ao crescimento do setor agropecuário em áreas de desmatamento na floresta Amazônica, e em meio ao debate nacional e internacional sobre essa questão, recentemente setores alimentícios da Europa anunciaram que deixaram de comercializar carne brasileira. Recentemente, outro campo ligado à criação de gado ganhou as atenções da mídia: o da Moda. De acordo com estudos apresentados pelo Índice de Transparência da Moda Brasil, publicados na semana de 12 de dezembro de 2021, grandes marcas estão por trás da criação agropecuária em áreas de desmatamento ilegal. São as grifes internacionais as maiores produtoras de impactos humanos e ambientais em torno do seu processo produtivo.

Embora não seja surpresa total o fato de grandes marcas utilizarem couro proveniente de áreas ilegalmente desmatadas, o anúncio ligou o sinal de alerta para que os consumidores fiquem ainda mais atentos aos produtos que adquirem. A notícia veio em um momento em que as empresas estão se posicionando de forma a deixar claro para os consumidores sua visão em relação à forma de produzir e os consumidores têm se interessado mais pela forma como os produtos chegam até suas mãos, atentos à cadeia produtiva da indústria da Moda.

Diga-me como te vestes e eu te direi quem és

Um pequeno olhar pela História da Moda, é suficiente para mostrar que o frenesi consumista em torno da roupa e acessórios nem sempre foi assim. O filósofo francês Gilles Lipovetsky chama a atenção para o valor simbólico das roupas através dos tempos, além de um importante fator de diferenciação social, um fenômeno essencialmente ocidental*. Ainda assim, por mais que a vestimenta servisse como um divisor entre classes sociais e profissionais, não havia a preocupação, mesmo por parte das classes abastadas, de um consumo exagerado em busca de roupas e acessórios. Historicamente, a preocupação do indivíduo com a Moda dá seus primeiros passos no início do Renascimento e ainda assim, a noção de moda referia-se a alguns detalhes que demoravam anos para transformarem-se. O cenário começa a se transformar, de fato, na Europa, com a Revolução Industrial, a saída em massa de camponeses do campo em direção às fábricas nas cidades e o emprego de mulheres como força de trabalho. Das fábricas para o comércio, a mulher começa também a receber um dinheiro que antes não lhe era acessível. Torna-se consumidora.

Já no século 20, os períodos das duas guerras mundiais chamam novamente as mulheres a ocuparem postos de trabalho, dessa vez não para complementar a mão-de-obra masculina, mas para substituí-la, uma vez que os homens se encontravam em batalha ou estavam mortos. Após a Segunda Guerra, a mulher continua no mercado de trabalho, necessitando de roupas mais práticas, que possam ser usadas mais vezes sem que deformem ou amassem. A indústria têxtil vem ao seu auxílio e surgem o naylon, o rayon, a lycra. A roupa é lavada após o trabalho, pendurada em um cabide no banheiro e na manhã seguinte está pronta para o uso.

Mas a indústria têxtil e o comércio percebem que essa praticidade poderia levar as mulheres a consumir menos. Como levá-las a “precisar” de mais peças, desejar mais roupas? A resposta estaria nos grandes magazines e na roupa prêt-a-porter, ou pronta para usar, um conceito disseminado nos anos 1960 que existe até hoje. Naturalmente que essa transformação na forma de consumir roupa tem como base a transformação da produção do vestuário. As revistas de moda, cujo auge tem lugar em meados do século 20, são o sustentáculo dessa produção em série: repletas mensalmente de “novidades”, detalhes, desejos, ajudam a impulsionar as vendas de roupas e agora também de todo um arsenal de necessidades: os acessórios para complementar o look feminino.

O século 21 é o da explosão da moda descartável, feita de material de segunda linha, vendida a preço muito baixo, também porque utiliza mão de obra que beira a escravidão: a fast fashion, moda que é comprada para ser rapidamente descartada, transformando-se em montanhas de lixo que contaminam todo o ambiente. Em novembro deste ano, vários veículos de comunicação noticiaram a transformação de uma parte do deserto do Atacama, no Chile, em um imenso depósito de lixo proveniente de refugo da indústria têxtil norte-americana e europeia.

No século 21: a degradação ambiental e a exploração do trabalho se aceleram, mas a conscientização aumenta

No ano de 2012, uma importante loja espanhola instalada no Brasil foi acusada de empregar trabalho escravo em suas confecções. Pressionada pela imprensa, defendeu-se alegando que terceirizava sua produção, portanto quem havia empregado os trabalhadores em estado de escravidão era a empresa contratada, e que, portanto, não se envolvia em todas as etapas do processo produtivo da sua marca. Ou seja, a indústria da moda é como outra qualquer, segue uma lógica de produção que está inserida em um sistema que visa o lucro, em primeiro lugar, e em último, as condições de trabalho dos empregados.

Também no ano de 2012, a gigante da confecção sueca H&M foi acusada de manter os funcionários de sua produção no Camboja em péssimas condições de trabalho, produzindo em um galpão quente e mal ventilado.  As grandes empresas de confecção dirigem-se a países pobres, onde as leis trabalhistas e tributárias são menos rígidas do que em países industrializados, permitindo que as empresas possam produzir com um lucro gigantesco, sem se preocupar com salários, condições de trabalho, entre outras exigências. Além disso, em certos países, a fiscalização concernente ao uso de produtos químicos na lavoura, como fertilizantes e defensivos químicos, é bastante permissiva. A produção de algodão, por ser muito suscetível a pragas, exige que o produtor aplique uma quantidade excessiva de agrotóxicos, muitos deles já banidos pela legislação vigente em alguns países industrializados, mas usados livremente em muitos países pobres. O que aconteceu com os trabalhadores do Camboja foi que entraram em contato direto com resíduos desses produtos químicos altamente tóxicos, presentes no tecido de algodão que manuseavam. Mais de cem funcionários foram intoxicados e levados para os hospitais locais com sérios sintomas de intoxicação respiratória e de pele.

No ano seguinte, em Bangladesh, um prédio de oito andares, o Rana Plaza, onde funcionava uma fábrica de tecidos, desmoronou, matando cerca de mil trabalhadores e deixando cerca de 2.500 pessoas feridas, além de desaparecidos, segundo informações veiculadas à época pelo portal Repórter Brasil, de maio de 2013. A tragédia revelou um dos lados mórbidos da indústria da moda, que procura sua mão de obra em países pobres ou em desenvolvimento, pagando salários miseráveis, com extensa jornada de trabalho e condições desumanas. Por trás de tragédias como essa, estavam grandes magazines europeus e norte-americanos e marcas famosas. Esse episódio serviu como ponto de partida para o movimento global Fashion Revolution, através do qual se discutem, entre outras coisas, as questões éticas por trás da produção industrial têxtil. Outro movimento importante que busca conscientizar o consumidor sobre as condições de trabalho na moda é “Quem faz minhas roupas”, surgido em 2014.

Os casos acima servem para mostrar que algumas empresas estão mais atentas com o produto que colocam à venda, interessando-se pelo processo de produção em todo o seu percurso, desde as condições de trabalho até a matéria prima utilizada na confecção. Hoje é possível encontrar vários produtos de origem orgânica ligados à moda, desde roupas até produtos de higiene e beleza. Modo de produção limpo, sem agressão ao meio ambiente e aos recursos naturais, respeito à natureza, a quem produz e consome. Hoje as empresas ligadas à Moda então se engajando nessa maneira de produzir e para isso querem mostrar aos consumidores como produzem e o que fazem pelo meio ambiente.

Moda pós-pandemia

Os últimos dois anos parecem ter interferido de forma significativa nas reflexões acerca da grande profusão de lançamentos das coleções da moda. Ao ficarem confinadas em casa, as pessoas passaram a refletir mais sobre seus hábitos de consumo, experimentaram trabalhar em casa com roupas confortáveis e muitos passaram a se perguntar para quê consumir tantos produtos de vestuário.

Nesse meio tempo, esquentaram as discussões globais sobre meio ambiente, além das evidências físicas das mudanças climáticas. Parece que está ficando cada vez mais clara a ideia de que sim, os atos e hábitos individuais de consumo cotidianos podem ter um impacto – positivo ou negativo – sobre o meio ambiente. Resta saber quantos de nós estão dispostos a participar dessa mudança de hábitos. E o Jornalismo Ambiental tem se mostrado atento a esse debate.

 

Referências

* LIPOVETSKI, G. O império do efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

** https://reporterbrasil.org.br/2013/05/tragedia-em-bangladesh-simboliza-despotismo-do-lucro

*** https://www.fashionrevolution.org/brazil-blog/quem-fez-minhas-roupas-as-vidas-por-tras-do-que-vestimos/

 

Andréia Terzariol Couto é pós-doutoranda do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)