Pauta ambiental e agenda ambiental: considerações sobre os conceitos

Pauta Ambiental

Até que as questões ambientais ganhem relevância e impacto para população, elas têm, antes de tudo, importância para a mídia, que as seleciona e disponibiliza para o grande público, às vezes gerando angajamento por parte dele. Segundo Wolf (2001),[1] de todo o material que chega às mãos das empresas jornalísticas através de agências, nem todo ele é utilizado, obviamente, e a escolha daquilo que vai ser “aproveitado” segue alguns critérios, sendo que essa espécie de triagem já estabelecida se configura como uma primeira forma de selecionar o que vai ou não virar notícia. Se por um lado essa escolha se refere a uma maneira de organizar e racionalizar a tarefa do jornalismo diário, por outro, ela se dá a partir do que se entende por valor-notícia, cujo objetivo final é “tornar possível a parte restante da seleção dos acontecimentos” (p. 240). Trocando em miúdos, o que sai ou deixa de sair no jornal cotidiano não está relacionado a uma vontade ou escolha subjetiva do jornalista, mas sim, é preciso analisar essa escolha a partir de critérios mais intrincados que vão mais além, que abrange todo o ciclo de “produção, transmissão e recepção” (THOMPSON, 2002, p. 19),[2] ou, para Wolf (2001), de motivações que vão desde as “fontes até o simples redator” (p. 240), que obedecem a critérios que não estão necessariamente na vontade ou necessidade de escolher aquilo que vai ser transmitido.

Via de regra, no mundo jornalístico, a noção de pauta está associada ao domínio mais técnico, como uma espécie de roteiro a ser seguido pelo repórter ao iniciar uma reportagem. Porém, para além de uma orientação ou guia para os repórteres, a pauta, no caso aqui tratado, a pauta ambiental – ou agenda internacional global – está muito mais ligada às intenções, que “inclui diversos objetivos acordados internacionalmente, abrangendo diversos desafios sociais e ecológicos (mudança climática, conservação da biodiversidade, cooperação econômica, migração e, mais recentemente, resposta a pandemias). [3]

Assim, a definição de pauta ambiental vai desde as orientações de como fazer, tecnicamente falando, a serem realizadas em uma reportagem sobre o meio ambiente  (a escolha das fontes, por exemplo, vai dar o tom da reportagem e o conjunto de abordagens, bem como a seleção das informações disponibilizadas), até o conjunto de finalidades a serem abordadas pelo jornalista ambiental (melhor se for especializado na área), além do seu comprometimento para coordenar seu trabalho, de acordo com o que Bueno (2007, p. 36) chama de As funções básicas do Jornalismo Ambiental: 1) a função informativa; 2) a função pedagógica e 3) a função política (p. 35)[4].

Ainda de acordo com autor acima citado,

Para o jornalista ambiental, a pauta ambiental não é mais uma pauta, mas a pauta. Cada uma delas deve ser pensada em função da sua importância, da sua repercussão, da contribuição que pode dar para mobilizar mentes e braços para a causa ambiental, uma mobilização que representa, em essência, um ato político na sua verdadeira acepção do termo (BUENO, 2007, p. 37-38).

O jornalismo ambiental, o local onde a pauta ambiental se torna mais visível, além do seu comprometimento com as funções acima mencionadas, é engajado, contrariamente às premissas do jornalismo científico tradicional (comprometido com uma parcela significativa da comunidade científica que tem privilegiado a continuidade das suas pesquisas, sem contextualizar as suas repercussões), e suas fontes “devem ser todos nós e sua missão será sempre compatibilizar visões, experiências e conhecimentos que possam contribuir para a relação sadia e duradoura entre o homem (e suas realizações) e o meio ambiente” (Bueno, 2007, p. 36), além de congregar uma visão multidisciplinar. Para o autor (2004, p. 35),[5] o jornalismo ambiental pode ser conceituado “como o processo de captação, produção, edição e circulação de informação (conhecimentos, saberes, resultados de pesquisas, etc.) comprometidas com a temática ambiental e que se destinam a um público leigo, não especializado” e no que diz respeito ao meio ambiente, a pauta ambiental é comprometida com uma visão de que algo precisa ser feito, que há problemas a serem resolvidos e há interesse em jogo (Bueno, 2007). Isso quer dizer que,  para além do passo a passo da pauta, é preciso ter uma visão ampla sobre as fontes consultadas e seu grau de comprometimento com setores que não estão envolvidos com interesses ambientais. Em entrevista para a autora, o professor Bueno analisa que

É  possível assumir que as duas expressões – pauta ambiental e agenda ambiental podem ser expressões que se equivalem, se não levarmos os termos agenda e pauta ao pé da letra, como sinônimos, e podem convergir para um ponto comum. A pauta ambiental tem se confundido com a ideia de agenda ambiental, que pode extrapolar o jornalismo, como políticas públicas para o meio ambiente, por exemplo. (…) Muitas vezes, quando me refiro a pauta ambiental  –  pensando jornalisticamente – estou levando em conta na prática o que é pauta mesmo, um roteiro para elaboração de uma notícia ou reportagem jornalística, mas para não cair num preciosismo acadêmico, não vejo problema em assumir as expressões como equivalentes, o que talvez fique claro se explicitarmos o que estamos entendendo por isso: um conjunto de temas, planos, programas, ações a serem cumpridas dentro do planejamento e execução de uma política ambiental.[6]

Sendo assim, a pauta ambiental segue alguns atributos básicos: (…) ser consistente, estar respalda em dados concretos, não se limitar a versões ou opiniões emitidas por fontes comprometidas, (…) ser válida, legítima; estar enriquecida com a vivência (experiência, leitura, conhecimento) do repórter porque ela não se sustenta apenas com as falas fragmentadas das diversas fontes que a repercutem; (…) estar costurada, articulada, tecida a partir de um roteiro básico que reflita a perspectiva daquele que a vai cumprir; (…) ser aberta, mostrando-se disponível para incorporar ângulos não previstos e para acessar fontes inicialmente não consideradas; deve encaminhar para a indicação de soluções concretas, não mágicas, portanto perfeitamente exequíveis, e não sugerir que elas sejam de responsabilidade única das autoridades porque a superação do impasse ambiental requer o concurso de todos; (…) deve inserir um vínculo com a realidade local, não permitindo a leitura, quase sempre equivocada, de que os problemas se situam em um plano distante; (…) precisa cumprir uma função pedagógica, educativa, criando laços entre a prática do jornalismo ambiental e a da educação ambiental, tendo em vista a importância dos meios de comunicação para a mobilização de mentes e braços para a causa ambiental (Bueno, 2009, pp. 122-123)[7].

Agenda ambiental

As discussões sobre Meio Ambiente têm estado cada vez mais presentes na atualidade, seja através da imprensa, da produção acadêmica, técnica e científica, e das políticas públicas levadas a cabo pelos governos. Devido às ações antrópicas e seus impactos no planeta, como o buraco na camada de ozônio, mudanças climáticas, aquecimento global e seus resultados visíveis sobre a saúde planetária, a população tende a se interessar pelos assuntos ambientais, que começam a se fazer mais presentes não apenas em setores especializados, mas também em ONGs e na sociedade civil.

Na década de 1960, período de grandes transformações tecnológicas, políticas, econômicas e sociais, Rachel Carlson publica Primavera Silenciosa (1962), com grande impacto em vários setores da sociedade. Dez anos após a publicação de Carlson, Estocolmo sedia a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano e daí em diante vários encontros mundiais vêm ocorrendo periodicamente tendo como foco o Meio Ambiente, servindo para intensificar as discussões acerca do futuro da vida no planeta. Para a realização desses eventos, uma ampla agenda ambiental é previamente colocada e discutida, envolvendo as partes mais interessadas, como governos, ambientalistas, pesquisadores, organizações não governamentais, representantes da sociedade civil. É comum vermos na imprensa o termo Agenda Ambiental, envolvendo os momentos que antecedem esses encontros.

Na esfera política, na atualidade os governos têm dado grande importância à sua agenda ambiental, discutida dentro e fora de ministérios voltados para o meio ambiente, como noticiado no portal Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB), nos cem dias do governo Lula:

O retorno à pauta ambiental é um dos pilares do novo governo Lula, o presidente anunciou suas propostas ainda durante a COP 27 e as discussões entram em foco no início de seu mandato[8]

A pauta ambiental, aqui, surge no sentido do rol de ações governamentais voltadas ao meio ambiente, como um assunto importante da agenda do governo, que tem dado prioridade a essa área e assumiu sua importânca com dois ministérios importantes, o do Meio Ambiente, tendo à frente Marina Silva, e o ministério dos Povos Indígenas, com Sônia Guajajara liderando a pasta.

Além de uma promessa de campanha, o governo Lula atendeu a uma exigência interna e externa de proteção aos biomas, estando as verbas internacionais de apoio ao setor condicionadas à seriedade com que se conduz a pasta ambiental. Infelizmente, há bem pouco tempo, as duas pastas ministeriais citadas sofrearam grandes revézes, com a diminuição de sua independência de ação, além da aprovação pelo Congresso do Marco Temporal. Essas duas situações mostram que o governo, embora apoie uma agenda ambiental ambiciosa e que vai de encontro aos anseios de setores mais comprometidos com o meio ambiente, tanto no nível doméstico como internacional, tem que lidar com um congresso atrasado e descompromissado com a sociedade brasileira e até mesmo global. Nas palavras do presidente da Câmara, Athur Lira, em entrevista à CNN no dia 05/06/2023, “o congresso é conservador e liberal”. Daí podemos concluir não apenas esses últimos entraves como os que estão por vir.

Outro exemplo de agenda ambiental é o comprometimento firmado pelas Nações Unidas sobre o rol e intenções da pauta ambiental para 2030, ao afirmar que:

“Desemprego, escassez de recursos, mudança climática, insegurança alimentar e desigualdade sinalizam a necessidade de mudanças radicais em nossas sociedades. Para trazer essa mudança, todo o sistema da ONU deve enfrentar o desafio de oferecer desenvolvimento sustentável com prosperidade compartilhada para todos, dentro dos limites ecológicos do nosso planeta. O papel da ONU nessa transformação é auxiliar os países a implementar as dimensões econômica, social e ambiental da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável de forma equilibrada e integrada”.[9]

É possível afirmar que a noção de pauta ambiental surge forte na atualidade no sentido de tratar do conjunto de assuntos referentes ao meio ambiente, tanto na mídia como na esfera governamental, e nesse sentido, talvez obedecendo a um anglicismo, o termo agenda ambiental, como é comumente visto nos textos jornalísticos e acadêmicos de língua inglesa, tenha estado de forma bastante presente também na produção brasileira, desde a jornalística à política e acadêmica, no que se refere ao conjunto de temas, planos, programas, ações a serem cumpridas dentro do planejamento e execução de uma política ambiental.

Referências:

[1] WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Presença, 2001.

[2] THOMPSON, John P. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 2002.

[3] Balbi et al. The global environmental agenda urgently needs a semantic web of knowledge. Environmental Evidence (2022) 11:5. Disponível em:

https://environmentalevidencejournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13750-022-00258. Acesso 01/06/2023.

[4] BUENO, Wilson da Costa. Desenvolvimento e Meio ambiente. UFPR n. 15, p. 33-44, jan./jun. 2007.

[5] BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico, ciência e cidadania. In: MORAIS DE SOUZA, Cidoval. (org.). Comunicação, ciência e sociedade: diálogos de fronteira. Taubaté/SP: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2004.

[6] Entrevista realizada no dia 02/06/23, via celular.

[7] BUENO, Wilson da Costa. O jornalismo ambiental circula na arena da ciência e da política Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 13 n.13, p. 113-126, jan/dez. 2009.

[8] Disponível em: https://opeb.org/2023/04/04/a-pauta-ambiental-nos-100-dias-do-novo-governo-lula/ Acesso 31/05/2023.

[9] The United Nations Environment Programme and the 2030 Agenda Global Action for People and the Planet. Disponível em

https://www.unep.org/resources/report/united-nations-environment-programme-and-2030-agenda-global-action-people-and). Acesso 31/05/2023.

Andreia Terzariol Couto é jornalista e pós-doutoranda na ECA-USP.