Boas notícias – mas nem tanto

O governo brasileiro fechou o primeiro semestre na área ambiental com saldo positivo: conseguiu fechar acordos internacionais de financiamento para o Fundo Amazônia com importantes parceiros, como Estados Unidos (US$ 500 milhões), Reino Unido (80 milhões de libras – R$ 500 milhões), Alemanha (R$ 192 milhões para o  Fundo Amazônia, parte do total de R$ 1,1 bilhão para políticas de desenvolvimento sustentável, combate ao desmatamento e inclusão social, segundo o jornal Valor Econômico) e Noruega (R$ 3 bilhões). Interrompeu a situação de calamidade das invasões do garimpo ilegal em terras indígenas, especialmente nas dos Ianomamis, bem como estabeleceu a ajuda humanitária a esta nação que, durante os quatro anos anteriores, sofreu com o abandono, desnutrição, assassinatos e destruição ambiental; estabeleceu o ministério dos Povos Indígenas, dando protagonismo às necessidades das nações indígenas, trazendo à luz as discussões sobre o marco temporal, demarcação das terras indígenas, invasões de seus territórios, ameaças, mortes e perseguições por milícias rurais. Embora o governo enfrente uma oposição avessa às discussões e tomadas de decisão na esfera da política para os povos indígenas e pautas ambientais embasadas na sustentabilidade, importantes avanços foram feitos. A volta dos financiadores internacionais ao cenário das políticas para barrar o desmatamento, aparelhar os órgãos técnicos e de fiscalização ambiental e o compromisso de diminuir as emissões de CO² como consequência das queimadas descontroladas durante o governo precedente, se deve à credibilidade do presidente Luís Inácio Lula da Silva e de sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na cena internacional, agregando ainda o lado positivo do ministério dos Povos Indígenas, sob o comando de Sonia Guajajara.

Ao tomarem posse de seus respectivos ministérios, Marina Silva e Sonia Guajajara lançaram uma luz de esperança nas áreas ambiental e indígena, a primeira dispensando comentários sobre sua competência na área ambiental, já tendo ocupado o posto de ministra do Meio Ambiente em anteriores governos petistas – entre 2003 e 2008, além de ter grande respeitabilidade internacional, e Guajajara vem se destacando nacional e internacionalmente por seu engajamento, combatividade e luta pelos direitos dos povos originários. Apesar de terem, as duas, suas pastas estremecidas por barganhas políticas, a presença das duas mulheres diante dos dois ministérios trouxe confiabilidade no compromisso do governo Lula nos acordos internacionais.

Parte dos problemas da pasta ambiental começaram a aparecer por causa de deputados que criticaram a decisão do Ibama de negar licença para a Petrobras explorar petróleo na foz do rio Amazonas. O relatório que pede a retirada de importantes atribuições da pasta do Meio Ambiente foi proposto pelo deputado Isnaldo Bulhões, do MDB de Alagoas, pedindo em medida previsória (MP 1154/23) a reestruturação dos ministérios. Marina Silva mal começou a exercer seu cargo e a oposição se mobilizou contra o ministério em importantes esferas. No documento está colocada, por exemplo, a retirada da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta do Meio Ambiente e, pior, a retirada da demarcação das terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas para o da Justiça e Segurança Pública! Ou seja, tudo o que foi construído, articulado para dar peso e relevância aos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, importantes demandas do povo brasileiro, está na mira dos opositores para ser desarticulado. É importante lembrar que tanto um quanto o outro são ministérios de grande visibilidade internacional e de suas boas e efetivas ações dependerá o cenário de ajuda financeira para o território amazônico. Nesse sentido, Marina confirma que será ruim para o Brasil, caso as mudanças se confirmem, inclusive para fechar acordos comerciais com os países do Norte. À Agência Câmara de Notícias Marina Silva criticou a decisão: “A proposta de retirada da demarcação de terras indígenas e da Funai do Ministério dos Povos Indígenas é um dos piores sinais (…) Estamos dizendo que os indígenas não têm isenção, para fazer o que é melhor para eles mesmo em relação a suas terras”, completou.

Segunda a Agência Câmara de Notícias, a pasta comandada por Marina Silva também ficaria sem o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). À ACN Marina declarou: “Eu sinceramente não entendo a lógica, porque toda a parte de regulação, formulação, avanço tecnológico nessa agenda tem a ver com a gestão ambiental brasileira”.

Uma das questões principais do embate entre os políticos progressistas e os conservadores são as formas de ocupação do espaço para gerar renda. Enquanto a ministra Marina Silva defende relatórios técnicos e avaliações do Ibama para a exploração de recursos na região equatorial, e defesa de utilização sustentável e de preservação, há uma ala que, além de negar as ações da mudaça climática, se baseia no imediatismo da exploração econômica, sempre com o discurso que as populações pobres precisam do dinheiro que essa ação vai gerar. De fato, retirar as populações da floresta, os ribeirinhos e os próprios indígenas da situação de miséria é fundamental, no entanto, esses povos precisam da floresta em boas condições para que tenham uma vida digna utilizando a região de forma sustentável, cohabitando com formas econômicas que lhes tragam beneficios sem danificar o meio ambiente. Para os deputados da oposição, a exploração do petróleo na foz do Amazonas trará imensos benefícios aos pobres da região. Será mesmo? A história da exploração petrolífera em regiões equatoriais da África, por exemplo, está aí para nos dizer o contrário. É necessário um profundo debate que envolva políticas públicas, representantes da sociedade civil, entidades de proteção ambiental, a população local para discutir os rumos do desenvolvimento da Amazônia. Levar a questão sempre para a esfera econômica, que as explorações dos recursos minerais gerarão riqueza à população da região não é mais convincente. À época da construção da barragem de Belo Monte, por exemplo, o discurso foi o mesmo: as populações locais seriam beneficiadas pela imensa geração de energia proveniente da usina, além da geração de empregos, desenvolvimento do comércio local etc. Hoje sabemos que, além do desastre ambiental, da expulsão de povos indígenas do local da barrragem, da inundação de preciosa reserva natural, o benefício para a população local é ínfimo. Qualquer que seja o empreendimento de grande impacto social e ambiental na Amazônia não pode ser decidido com canetadas políticas que beneficiem empresas nacionais e internacionais e políticos. A Amazônia, queiram ou não, deve ter um plano de desenvolvimento alicerçado em bases sustentáveis, de proteção aos povos originários, ribeirinhos e da floresta. Isso é fato, não se pode mais pautar o discurso desenvolvimentista fundamentado na extração predatória dos recursos naturais. Tampouco deve ser visto como um santuário ecológico, intocável. O Brasil, através de seu compromisso com as políticas ambientais alinhavadas com os acordos internacionais,  precisa se empenhar para cumprir as metas elaboradas em seu plano de ação ambiental.

No início de julho, em reunião científica na cidade de Letícia, na Colômbia, o presidente Lula falou sobre conservação da floresta. Participaram, do lado brasileiro, Marina Silva e Sonia Guajajara. O convite para o evento foi feito pelo presidente colombiano Gustavo Petro e pressupôs uma discussão para negociações diplomáticas de proteção para a Amazônia, envolvendo representantes do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, o chamado OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. De acordo com a Folha de S. Paulo (08/07/2023), o presidente Lula também cobrou dos países ricos recursos e transferência de tecnologia para uma “transição ecológica”. “[Essa transição] não pode se basear na exploração predatória dos recursos naturais nem justificar novos protecionismos. Em suma, não pode servir de fachada para o neocolonialismo. A descarbonização não deve aprofundar a desigualdade entre os países”, disse o presidente. Durante o encontro, a Colômbia propôs que os países amazônicos zerassem o garimpo ilegal e exploração de petróleo, além de zerar o desmatamento até 2030. Enfim, nossa riqueza tem que parar de ser nossa maldição.

Em defesa de sua reputação, Marina Silva acumula os “melhores resultados do combate ao desmatamento no Brasil ao longo de suas gestões como ministra do Meio Ambiente. No primeiro ano à frente da pasta [2003], o país registrou 25,3 mil quilômetros quadrados de área desmatada. Em 2008, quando deixou o governo, foram contabilizados 12,9 quilômetros quadrados de desmatamento”, de acordo com o portal  brasildefato.com.br, de 29/12/2022. Desde o início de sua carreira política e de luta pelo meio ambiente reuniu prêmios como “Goldman, considerado o Nobel do Meio Ambiente. Em 2007, o jornal britânico The Guardian incluiu Marina Silva na lista das 50 pessoas do mundo que mais ajudaram a salvar o planeta. Ainda no mesmo ano, ganhou o Champions of the Earth, o principal prêmio da ONU na área ambiental. No ano seguinte, recebeu a medalha Duque de Edimburgo, em reconhecimento à sua trajetória e luta em defesa da Amazônia brasileira, concedida pela rede WWF (World Wide Fund for Nature)”, ainda segundo o portal citado.

Fazem parte do grupo de deputados que criticam as atribuições da pasta de Marina Silva: deputado Zé Trovão (PL-SC);  deputado Delegado Fábio Costa (PP-AL); deputado José Priante (MDB-PA), citados pela ACN de 24/05/2023.

Mudanças climáticas

Enquato o ministério do Meio Ambiente se debate com possíveis lesões às suas atuações, no hemisfério Norte o verão atingiu temperaturas recordes, ocasionando  mortes e incêndios em alguns países, como Canadá e Grécia. As temperaturas médias para essa época do ano estão mais altas do que nos anos anteriores. Inundações ocorreram também na Itália e na China.

De acordo com um estudo publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) – Global Annual to Decadal Climate Update, “existe 50% de chance de a elevação da temperatura média global ultrapassar 1,5°C nos próximos cinco anos. Entre 2017 e 2021, a chance da meta ser excedida era de 10%”, além de haver uma grande probabilidade de os próximos anos, até 2026, serem mais quentes do que os últimos cinco”. Outro resultado da pesquisa mostra que “os padrões de precipitação previstos para os próximos cinco anos, em comparação com a média entre 1991 e 2020, tornarão mais secas as condições da Amazônia e dos sudoeste da Europa, Sahel, nordeste do Brasil e Austrália”. As informações estão contidas no portal brasil.un.org/pt-br.

Diante disso, os gavernos devem se comprometer de forma inequívoca sobre as resoluções resultantes do Acordo de Paris, a reduzirem as emissões de gases do efeito estufa.

* Andreia Terzariol Couto é jornalista, escritora e pós-doutoranda na ECA-USP.