Atentos aos sinais

O conceito ‘mudanças climáticas’ tem dado lugar ao de emergência climática, uma vez que os eventos extremos têm sido cada vez mais frequentes, mostrando que caminhamos rapidamente rumo à marca do aumento da temperatura global acima de 1,5°C. O Acordo de Paris sobre o Clima, de 2015, enfatizou a necessidade de “manter o aumento da temperatura média global a menos de 2°C acima dos níveis industriais e promover esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais”, de acordo com o documento da ONU.[1]

Efeito dominó

O aquecimento global leva ao derretimento das calotas polares, elevando o nível do mar e ao aquecimento dos oceanos; ao desaparecimento de ilhas e comprometimento das costas marítimas dos continentes, com o avanço do mar; ao desaparecimento de corais e da vida marítima, que não suporta temperaturas acima das que estão habituadas. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC),[2] esse aumento pode acarretar, entre outras catástrofes:

Grande possibilidade de que os principais polinizadores percam o seu habitat.

Um mundo sem (ou poucas) abelhas é um mundo faminto. Isso porque as abelhas são consideradas os principais polinizadores e responsáveis pela manutenção natural do ambiente agrícola, não apenas para a agricultura como também para as plantas consideradas selvagens. O desmatamento, em suas várias vertentes, associado ao uso intensivo de agrotóxicos, contribui para a diminuição da população das abelhas mundo afora.[3]

Derretimento das calotas polares

Podemos imaginar um verão verde na Antártida, sem gelo. Segundo o jornal Le Monde e a AFP (26 de setembro de 2023), “o gelo marinho da Antártica atinge o menor máximo de inverno já registrado”. Uma medição permanente sobre a camada de gelo marinho da Antártica é feita pelo Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA (NSIDC), programa apoiado pelo governo da Universidade do Colorado, verificou que o derretimento recorde é visto por muitos cientistas, mesmo com alguma ressalva, como uma consequência do aquecimento global. “Este é o máximo de gelo marinho mais baixo no registro de gelo marinho de 1979 a 2023, por uma ampla margem”, segundo o NSIDC. Já no pólo Norte, a medição do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo mostrou um mínimo de “4,23 milhões de quilômetros quadrados, o sexto mínimo mais baixo em 45 anos de manutenção de registros”. Para os cientistas do centro de monitoramento norte-americano, essa tendência descendente pode ser ocasionada pelo aquecimento global dos oceanos.[4]

Elevação do nível do mar.

O acréscimo de “apenas” um metro do nível dos oceanos pode afetar um número de pessoas entre seis milhões a 16 milhões, a depender da elevação da temperatura global, de 1,5°C para mais, nas áreas costeiras até o final deste século, aumentando de forma significativa número de refugiados climáticos. A informação é do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC).[5]

Além disso, o aquecimento da temperatura dos mares influencia “no clima, no tempo, nos ecossistemas e na capacidade dos oceanos de absorver carbono, relatam os cientistas”.[6] Segundo o jornal francês Le monde, o recorde anterior da temperatura marítima auferida era de 21°C, em 2016, mas agora a temperatura média da superfície dos oceanos, fora das regiões polares, permanece acima dessa marca desde março de 2023. Como é conhecido, El Niño provoca alterações a cada episódio, no entanto, mesmo em situações fora do fenômeno, em que se espera um clima menos extremo, a temperatura permanece.

Não apenas o nível do gelo das calotas polares está diminuindo. As neves dos Alpes estão derretendo, como as da Alta Sabóia, na França. Além dos turistas, que procuram a estação de esqui da região e sentirão a alteração na diminuição da camada de neve, a população local também será afetada. Sem o equilíbrio anual do derretimento normal da neve no verão que abastece rios e lagos, os habitantes temem ver seu fornecimento de água comprometido, tanto para o consumo como para a agricultura.[7]

Inundações de um lado…

A região Sul do Brasil foi atingida, no mês de setembro, por fortes chuvas, que causaram inundações e deixaram centenas de pessoas desabrigadas, além de mortos, desaparecidos e feridos. Longe de ser um caso isolado, especialistas afirmam que este foi um fenômeno que faz parte de uma série de “desastres climáticos mortais que atingiram o Brasil, e que provavelmente serão agravados pelas mudanças climáticas.[8]

Na Europa, duas inundações de grandes proporções em setembro tiveram lugar na Grécia. No início do mês, a tempestade Daniel alcançou o centro do país, com chuvas consideradas de quantidade cataclísmicas, deixando 17 mortos, destruiu colheitas e matou dezenas de milhares de animais de criação numa vasta área no coração da produção agrícola da Grécia”. No final do mesmo mês, novamente o centro do país foi atingido por inundações.[9]

O norte da África também sofreu em setembro com chuvas intensas, e a tempestade Daniel igualmente vitimou a cidade portuária de Derna, de Benghazi, Soussa, Al-Marj, localizadas no leste, e Misrata, no oeste, foi uma das cidades atingidas pelas inundações. A tempestade colapsou duas barragens e quatro pontes ruíram em Derna, destruindo um quarto da cidade. As informações são do portal https://www.bbc.com/portuguese/articles:

A BBC Clima aponta que Bayda, uma cidade a cerca de 170 km a oeste de Derna, registrou 414 mm de chuva em 24 horas durante a tempestade Daniel. De acordo com o Climate-data.org, setembro é normalmente um mês seco no nordeste da Líbia e as recentes chuvas são responsáveis ​​por 77% da média anual de Bayda.

Secas e incêndios de outro…

O mês de Setembro foi o mais quente já registrado, de acordo com o observatório europeu Copernicus, atingindo uma temperatura média 1,75ºC superior à média do período pré-industrial. Segundo informações do portal climainfo.org.br,

“Desde junho, o mundo tem experimentado um calor sem precedentes em terra e no mar. As anomalias de temperatura são enormes – muito maiores do que qualquer coisa que já vimos no passado”, comentou o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (WMO), Petteri Taalas. “O que é especialmente preocupante é que o evento de aquecimento El Niño ainda está em desenvolvimento, e por isso podemos esperar que essas temperaturas recordes continuem durante meses, com impactos em cascata no nosso ambiente e na sociedade”.

As interligações entre os sistemas que regulam o clima planetário atuam em harmonia e interdependência, como ocorre, por exemplo, com os rios voadores, decorrentes da evaporação proveniente da floresta, que se formam na região amazônica e atravessam o hemisfério em direção ao Sul, regulando o clima e o sistema das chuvas. As queimadas intensas na Amazônia alteram o sistema, causando estiagem no sul. As modificações que ocorrem nos oceanos, especificamente no Pacífico e no Atlântico, também alteram o clima amazônico e estão por trás da seca que atinge a Amazônia. Segundo o pesquisador Renato Senna, responsável pelo monitoramento da bacia amazônica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), dois fenômenos são responsáveis pela estiagem na região e estão ligados ao aquecimento dos oceanos: o El Niño, no Pacífico, e o aquecimento do Atlântico Tropical Norte:

 “Já é possível observar as consequências destes dois fenômenos sobre a região como um todo. Grandes áreas já apresentam chuvas muito abaixo do esperado para esta época do ano. Mesmo sendo considerado um período de poucas chuvas, estas ainda deveriam estar ocorrendo com maior frequência e intensidade. Por exemplo, na região da bacia do rio Negro e do rio Branco [em Roraima] e grande parte do norte do Pará”.[10]

A realidade do Estado do Amazonas é a do transporte fluvial, e tudo passa pelos rios, o abastecimento, o transporte, o atendimento médico. Com a baixa dos rios, a população se vê entrincheirada em seus povoados, sem receber as mercadorias para sua sobrevivência, sem poder se locomover e corre riscos em situações de emergência de saúde. Foram contabilizadas cerca de 4.543 famílias afetadas em Benjamin Constant, e a situação na zona rural é pior, sobretudo em 65 comunidades rurais.

Estamos jogando para o futuro uma meta que já deveria ter sido alcançada

De acordo com o mais recente relatório das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas – Desafios e oportunidades identificados durante o primeiro diálogo global sobre ambição e implementação de mitigação – o mundo não está no caminho certo para cumprir as metas climáticas do Acordo de Paris, incluindo limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius. Na abertura do evento no final de setembro que marcou o programa de trabalho de implementação e ambição de mitigação em Sharm el-Sheikh (Egito), Youba Sokona, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), enfatizou a necessidade de apressar a transição dos combustíveis fósseis para “acelerar a transição energética justa”.[11] A transição energética, com a eliminação dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) pela economia global será tema de amplas discussões da COP 28, que ocorrerá no final de novembro, na cidade de Dubai.

Enquanto a economia global não abandonar o uso intensivo dos combustíveis fósseis, sinais antes considerados isolados ao redor do planeta e explicados por fenômenos como o El Nino ou por eventos cíclicos planetários considerados “naturais”, passarão a ocorrer de forma cada vez menos espaçada e com maior vigor. Os sinais de que a natureza está sobrecarregada pelo desregramento sistêmico desde a Revolução Industrial mostram de forma clara para onde caminha a humanidade, caso a transição energética não seja uma prioridade a curto prazo.

 REFERÊNCIAS

[1] https://brasil.un.org/pt-br/88191-acordo-de-paris-sobre-o-clima

[2] https://www.unep.org/pt-br/explore-topics/climate-change/fatos-sobre-emergencia-climatica

[3] Imperatriz-Fonseca, V. L e Nunes-Silva, P.. As abelhas, os serviços ecossistêmicos e o Código Florestal Brasileiro. Artigos • Biota Neotrop. 10 (4) • Dez 2010

[4]https://www.lemonde.fr/en/climate/article/2023/09/26/antarctic-sea-ice-at-lowest-winter-maximum-on-record-data-shows_6140035_96.html

[5] https://www.unep.org/pt-br/explore-topics/climate-change/fatos-sobre-emergencia-climatica.

[6] https://www.lemonde.fr/en/climate/article/2023/04/20/the-ocean-surface-temperature-remains-at-record-highs_6023547_96.html.

[7] https://www.lemonde.fr/en/france/article/2023/09/10/in-haute-savoie-a-village-resigns-itself-to-closing-its-ski-resort-for-good_6131926_7.html

[8] https://www.lemonde.fr/en/environment/article/2023/09/07/at-least-36-dead-in-brazil-cyclone-many-still-stranded_6126941_114.html

[9] https://www.lemonde.fr/en/climate/article/2023/09/27/central-greece-hit-by-floods-second-flood-in-weeks_6140450_96.html

[10] https://amazoniareal.com.br/seca-no-amazonas-deixa-cidades-isoladas-e-com-escassez-de-alimento/

[11] https://unfccc.int/news/report-challenges-and-opportunities-identified-during-first-global-dialogue-on-mitigation-ambition

* Andréia Terzariol Couto é pós-doutora e pesquisadora do ALTERJOR, ambos pela ECA-USP.