A quem interessa a barbárie?

Talvez a melhor pergunta seria: quem lucra com ela? Há tempos os cientistas alertam sobre o risco iminente que corre o planeta se o aquecimento global continuar nos níveis perigosos da atualidade, e as consequências para a vida planetária tal qual a conhecemos deverão ser seriamente comprometidas se as ações predatórias sobre a Terra continuarem no ritmo em que estão.

Não bastam os alertas, estudos, relatórios, resultados, observações empíricas: quem bate o martelo é o grande capital e um exemplo disso é a COP28, sediada em Dubai, de 30 de novembro a 12 de dezembro, tanto em relação ao país de sua realização (os Emirados Árabes são uma das dez maiores nações produtoras de petróleo do mundo – estariam interessados no fim do uso dos combustíveis fósseis ou mesmo na transição energética?), como no anfitrião do encontro, o empresário do petróleo Al Jaber, que mesmo antes do início do evento, já viu seu nome envolvido em controvérsias sobre sua atuação na COP.

Mesmo depois de décadas de alerta, caminhamos não mais lentamente, mas agora rapidamente, para o abismo, e se não bastasse a queda, lá embaixo é muito, muito quente. Os alertas sobre o aquecimento de 2,7° C deve chegar ainda no final do século 21. Parece distante? A considerar o que temos vivenciado ultimamente em termos de alterações climáticas, quando atingirmos essa marca por volta de 2100, a vida será muito diferente do que observamos hoje. A partir dos relatórios climáticos, como o IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, governantes de vários países – 196, à época do Acordo de Paris, assinado em 2015, se comprometeram a manter o aumento médio das temperaturas globais abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, tentando, inclusive, limitar o aumento a 1,5°C. No entanto, conforme os resultados dos acordos e da atitude dos maiores poluidores do mundo, os países industrializados, essa meta a ser alcançada parece quase irreal.

Para não largarem o osso do lucro imediato, vale até a proposição de soluções mirabolantes, como o guarda sol gigante que seria utilizado para impedir os raios solares UV de chegarem à terra com toda a sua intensidade, porém a viabilização do projeto levaria décadas até se tornar viável economicamente e possível cientificamente. Além de a idéia ser complicada para ser colocada em prática, cientistas alertaram sobre o perigo de um bloqueio dessa natureza, pois poderia modificar a atmosfera terrestre. Mesmo que isso fosse possível e se tornasse uma realidade, seria uma licença para continuar a exploração dos combustíveis fósseis, continuar a devastação e a poluição? As especulações são muitas.

De qualquer forma, colocar todas as fichas na barreira dos 1,5°C não é racional, pois mesmo na atualidade já estamos vivenciando situações catastróficas.

E o que significa realmente o aquecimento de dois graus?

“Bem, os 1,2°C de aquecimento global, que é onde estamos, já é demais. Já estamos vendo consequências devastadoras. Portanto, é realmente uma questão de quão ruim estamos dispostos a deixar as coisas ficarem. Se 1,5°C seria ruim, dois graus seria muito ruim e três graus talvez seja, como defendo em meu novo livro “Our Fragile Moment”, o fim da civilização, e que a diferença entre 1,5°C de aquecimento e dois graus poderia ser devastadora”.

Michael Mann, diretor do Penn Center for Science, Sustainability and the Media da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

COP28

O que se esperava dessa reunião? A princípio, um comprometimento maior dos governantes sobre a freada em relação ao aquecimento global, sendo a exploração dos combustíveis fósseis um dos seus grandes geradores. No entanto, desde o início sombras foram lançadas sobre a escolha do local da reunião, e mais: a nomeação, pelo país sede, do presidente-executivo da empresa petrolífera estatal para liderar as negociações da COP28. Sim, incongruente. A raposa tomando conta do galinheiro, pois, segundo o portal BBC, a empresa de Al Jaber pretende expandir sua capacidade de produção.

Em sua defesa e de seus negócios, o executivo afirmou que

“está excepcionalmente bem colocado para pressionar a indústria do petróleo e do gás a tomar medidas e que, como presidente da empresa de energias renováveis Masdar, também supervisionou a expansão de tecnologias limpas, como a energia eólica e solar”.

Resultados e contradições

Como resultado da COP28 os governantes se comprometeram com metas históricas de eliminar gradualmente nos próximos trinta anos os combustíveis fósseis e o governo brasileiro comemora resultados positivos da reunião. Em nota do Ministério das Relações Exteriores,

“O principal resultado das negociações da COP de Dubai foi a conclusão do primeiro balanço global sob o Acordo de Paris, que avaliou o estado da arte da resposta global à mudança do clima. Ao reconhecer o senso de gravidade e urgência alertado pela ciência, o balanço global apontou avanços na luta climática desde a adoção do Acordo de Paris, identificando, porém, lacunas significativas de implementação de compromissos climáticos, principalmente por parte de países desenvolvidos, em termos de esforços passados de cortes de emissões e de obrigações financeiras junto a países em desenvolvimento”.

No entanto, para

“O documento final da COP 28, resultado de uma negociação diplomática considerada dramática e resultado de muita mobilização dos movimentos ambientais e sociais, pode ser considerado um pequeno avanço para o fim da era dos combustíveis fósseis por ser um sinal inédito para o alcance desse objetivo.

O documento é apontado frustrante por não trazer dados considerados fundamentais para o fim da era dos combustíveis fósseis, como de onde virão os recursos para a transição e por não mencionar a necessidade de financiamento dos países ricos para ações climáticas nos países em desenvolvimento”. 

De forma contraditória ao que vem defendendo na área ambiental, o governo brasileiro aceitou, durante o encontro de Dubai, participar da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep. Ao fazer parte do clube dos poderosos que dominam a área dos combustíveis fósseis do mundo, o Brasil encontra-se na encruzilhada entre o comprometimento junto aos países doadores de dinheiro para a Amazônia e, de certa forma, entre os jogadores dos petrodólares, cujos olhos brilham em direção à exploração petrolífera brasileira, inclusive em terras indígenas. Não dá para jogar nos dois lados nesta questão. Do que se depreende uma posição cada vez mais fragilizada de Marina Silva em sua pasta, a do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, que, apesar de ver sua posição cada vez mais diminuída na tentativa de barrar as agressões ambientais no país, acaba de ser destaque como uma das pessoas que mais fez pela ciência em 2023, de acordo com a revista Nature, em relação à sua defesa pelo meio ambiente.

Diante da crítica interna e externa por essa decisão, o presidente Lula defende a entrada do Brasil na Opep como uma forma de melhor poder se posicionar por decisões que possam acarretar danos ambientais, colocando-se como uma espécie de observador e para convencer os países a engajarem-se na transição para a energia limpa, mas esse discurso não foi suficiente para evitar as críticas. Como se essa decisão não bastasse:

“O governo brasileiro realizou o maior leilão de combustíveis fósseis da história na fase final da conferência em Dubai. No dia 13, foram leiloadas mais de 600 áreas para exploração e produção de petróleo, o que gerou protestos de ambientalistas, movimentos sociais e indígenas”.

E durante a COP28, a Noruega, maior doadora ao Fundo Amazônico, anunciou o donativo de R$ 250 milhões ao Brasil. Porém, diante desse novo ataque à floresta amazônica, o governo norueguês se omitiu. Como gerir doações como a do país nórdico à floresta amazônica enquanto o governo brasileiro leiloa áreas no local para exploração de petróleo? Estaria o governo norueguês escondendo, de fato, seus reais interesses na floresta ao não se pronunciar sobre o fato? Segundo o portal OECO, há mais histórias por traz da benevolência norueguesa. Enquanto coloca dinheiro através do Fundo Amazônia, de ONGs como a Rainforest Foundation, investem bilhões em atividades econômicas danosas à mesma floresta, como, por exemplo, no setor de mineração. A Hydro é uma empresa mineradora que investiu R$18 bilhões na Amazônia, através da compra do setor de exploração da bauxita e alumínio da Vale. Um dos maiores acionistas da Hydro é o governo norueguês, que doou R$ 250 milhões para a proteção da floresta e fez parte do investimento de R$18 bilhões para minerar na região. Apenas mais uma “contradição” do modus operandi do capitalismo selvagem.

Segundo o portal do governo brasileiro, os povos indígenas saíram fortalecidos da COP 28, de acordo com a avaliação da Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que “exalta o caráter histórico do encontro, destaca a participação efetiva dos povos indígenas nas discussões e revela que sentiu, junto à comunidade internacional, um clima de grande expectativa para a COP 30, em 2025, em Belém (PA)”.

Pois mal a ministra chegou em casa e já presenciou um dos maiores ataques à Constituição de 1988: com a voracidade e velocidade que só os interesses capitalistas podem gerar, foi agredido mais uma vez o direito dos povos originários durante a votação no Congresso que derrubou o veto do Presidente Lula em relação ao marco temporal, no dia 14 de dezembro de 2023.

“Na Câmara, o ato de Lula foi derrubado por 321 votos a 137 e uma abstenção. No Senado, foi rejeitado por 53 votos a 19. Para a derrubada de um veto, são necessários votos de 257 deputados e 41 senadores (…)

A derrubada do veto foi liderada e articulada pela bancada do agronegócio, contrária a ampliação de demarcações de terras indígenas no país”.

A bancada ruralista, juntamente com as bancadas mais reacionárias do Congresso, realizaram um tratoraço sobre o veto de Lula. Basta uma pequena análise nas redes sociais e portais biográficos na internet sobre os congressistas que votaram pelo fim do veto e teremos uma resposta à pergunta inicial deste texto. As decisões políticas, sejam elas locais ou planetárias, visam resultados imediatos com foco no lucro. Apostar em soluções que darão resultados em anos ou que beneficiarão gerações futuras não lhes interessa.

A reação internacional

Um dos assuntos que mais chama a atenção da ONU é a questão dos direitos dos povos indígenas e a rejeição ao veto que o presidente Lula havia colocado ao marco temporal, em setembro, gerou reações negativas, uma vez que a oposição ao veto imposta pelos parlamentares significa um sério ataque aos direitos humanos.

“A votação também traz outros elementos preocupantes que prejudicam os direitos dos povos indígenas ao permitir atividades econômicas em suas terras”.

Parafraseando o Nobel de literatura de 2003, o sul africano J. M. Coetzee, já não estamos à espera dos bárbaros; eles já chegaram.

* Andréia Terzariol Couto é pós-doutora pela ECA-USP.