A Casa Branca no Planalto verde-oliva

Insistir no debate sobre o cenário transnacional é o melhor caminho para entender, além do dia 31 de março, ou do 1º de abril, os 21 anos que se seguiram 

Na efeméride dos 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964, um dos temas que mais se discutiu foi o papel das relações internacionais naquela ruptura, mais precisamente o papel da influência dos Estados Unidos. Na agora recordação dos 60 anos daquela subversão, outros temas estão sendo preferidos nas mais atuais discussões sobre esse tema na historiografia brasileira, com ótimos resultados. Entretanto, considerando-se que as relações internacionais parecem um imperativo que se mostra inescapável até para compreendermos o que ainda é consequência das ideologias formadas durante o militarismo brasileiro, 60 anos depois que Castelo Branco tomou o governo para si, há de se discutir política externa e como elas moldaram os cinco generais que ocuparam o planalto de Brasília. 

A tarefa de buscar culpados de um complexo momento de ruptura constitucional é sempre ingrata, porque não há como a culpa não ser compartilhada entre muitos. Frente a discussões que questionam o quanto Henry Kissinger teve ou não a ver com as decisões de Augusto Pinochet no Chile, os esforços historiográficos parecem ir mais para um campo jurídico que sociopolítico. A juristas cabe separar cada aspecto de um crime, para penalizar os perpetradores proporcionalmente ao seu papel naquele ato. Já a historiadores cabe analisar uma megaestrutura sociopolítica que explica o que aconteceu naquele momento. Então, Kissinger deu um golpe no Chile ou foram os chilenos os responsáveis? A resposta é que essa é a pergunta errada, que não serve tanto para fazer entender o que houve naquele país. 

De volta ao Brasil de 1964, ao invés de questionar quem deu o Golpe, há de se perguntar por que ocorreu o Golpe. Foi através de perguntas como estas que a historiografia conseguiu chegar à acertada decisão de chamar aquela ruptura de Golpe Civil-Militar de 1964. Puristas podem dizer: mas os civis não empunharam as armas que derrubaram o governo constitucional de João Goulart. As armas de fogo não, mas as armas de manipulações político-jurídicas e as ferramentas de legitimação para mostrar ao Brasil e ao mundo que Castelo Branco era “legítimo” naquela posição, foram sim empunhadas majoritariamente por civis. A partir dessa compreensão, qual foi o papel dos estrangeiros nessa parte do Golpe? 

Essa resposta importa porque um Golpe não se dá gloriosamente num dia de batalha. A historiografia contemporânea já compreendeu que o que define as mudanças que moldaram a experiência humana não provêm de momentos cinematográficos ou de “grandes personalidades”. Isso serve ao cinema, mas não permite compreender as coisas na complexidade necessária para lidar com as consequências reais desses momentos de “revolução” das estruturas sociais, políticas e institucionais. Por exemplo, é possível imaginar que aquele dia 31 de março, ou o próprio 1º de abril, seria hoje relembrado sem o papel que os civis e os estrangeiros tiveram naquele movimento? Provavelmente não, devendo ser pouco recordado fora da academia, assim como aquelas semanas entre 25 de agosto e 7 de setembro de 1961 hoje são, quando se freou um golpe militar na famosa Campanha da Legalidade. 

Mais importante do que culpados individuais sobre uma ruptura é o que permitiu que essa ruptura se tornasse uma nova institucionalidade. Nesse sentido, Castelo Branco não passa de um personagem pouco relevante, inclusive nas influências reais que teria sobre o desenvolvimento daquilo que nascia no Brasil sobre “seu” comando. Nós lembramos do Golpe de 1964 porque ele deu origem a uma autêntica ditadura militar, que durou 21 anos na institucionalidade brasileira. Deixo aos juristas que julguem como seria apto punir Castelo Branco pelo seu crime, mesmo que o general golpista tenha morrido impune. Essa discussão segue importante para restaurar a possibilidade de se criar uma interpretação útil para frear que rupturas possam voltar a acontecer no país. Contudo, isso pouco serve para autenticamente explicar o que ocorreu. 

 Ato 1 – Desestabilização e o gérmen da legitimação de uma ruptura 

O primeiro fator que explica tanto o que ocorreu em março/abril de 1964, como os próprios 21 anos de ditadura, vem do que aconteceu ainda nas décadas de 1950 e nos primeiros anos de 1960. Na república brasileira, fundada com os militares imaginando “herdar” o papel do imperador deposto, nasce o que se conceitualizaria como florianismo. Trata-se da ideia de que as Forças Armadas brasileiras seriam os “guardiães” da paz entre a separação dos poderes, os representantes do “poder moderador” que era exercido por Dom Pedro II. Os generais desse país, com essa ideia, se colocaram como peso na balança em 1930, ao lado de Getúlio Vargas, e, em 1945, contra Vargas e a favor da influência dos Estados Unidos. 

É claro que os personagens dessa história importam, já que a personalidade humana sempre influencia em parte o que acontece enquanto exerce seu poder, contudo, explicam quase sempre pouco do que ocorre. Isso elucida porque Vargas, que no fundo era tão mais próximo do Eixo, na Segunda Guerra Mundial, acabou do lado dos Aliados. Isso também aclara porque Eurico Gaspar Dutra, quando depôs o petebista do palácio no Rio de Janeiro, serviu aos interesses dos EUA. Recorda-se que Dutra era um general que participou do Estado Novo varguista, sendo inclusive um entusiasta do fascismo europeu, que acreditava piamente na vitória alemã no grande conflito que ocorreu naqueles anos. 

O realismo do cenário internacional, entretanto, se impôs àqueles personagens tão estudados atualmente. Nas origens do que viria a ser a Ditadura Militar brasileira, o cenário internacional também se impôs, mas nem sempre pela confluência, senão que posteriormente também pelo conflito. 

Embora saiba-se que as políticas de desestabilização do governo de Jango tiveram sim amplo apoio entre a classe média, setores religiosos e da imprensa brasileira, é impossível questionar quão exitosas realmente seriam frente a um governo popular, sem o apoio da chamada Aliança para o Progresso, imaginada por John F. Kennedy e posta em prática majoritariamente pelo seu “herdeiro”, o democrata Lyndon B. Johnson. Toda imagem que hoje é “vigente” sobre o que derrubaram – de que Goulart tinha um governo inseguro e impopular por exemplo – nasceu dessas políticas, com esforços nacionais e internacionais documentados. 

Alguns números básicos ajudam a entender que Jango não era esse vice tão impopular que se desenha. Vargas ganhou as eleições de 1950 com 48,73% dos votos válidos (3.849.040 votos); o vice eleito naquele momento, Café Filho, teve 35,76% (2.520.790). Em 1955, Juscelino Kubitschek foi eleito com 35,68% dos votos (3.077.411), Goulart ganhou como vice com 44,25% (3.591.409). Jango, aqui, já tinha mais votos que JK. Finalmente, em 1960, Jânio Quadros foi eleito por 48,26% dos votos (5.636.623), com Goulart ganhando a vice-presidência novamente, com 41,63% (4.547.010). 

Mesmo considerando o crescimento populacional brasileiro, relembrando que o voto naquela época ainda era exclusivo a alfabetizados, é difícil chamar Jango de “pouco legítimo” ou de impopular. O máximo que se pode dizer é que, em 1955, Goulart era mais popular que em 1960, e isso ainda é questionável por outros fatores, já que o voto brasileiro não era tão “ideológico” naquele momento. Mesmo assim, é lugar comum encontrar, até entre historiadores, os que ainda defendem que parte do que levou Jango a cair era sua “indecisão”, seu governo ser algo “desorganizado”, suas ações serem “radicais” e não necessariamente populares. Muitos desses, inclusive, tratam JK como o mais popular dos presidentes deste período, mesmo que as votações não indiquem exatamente isso. 

Está claro que se mede a estabilidade e a popularidade de um governo por mais do que os votos que recebeu. Contudo, Jango foi um dos poucos que foi testado em mais de uma eleição naquele momento e se mantinha sim firme. Combina-se isso com a política externa estadunidense e como ela diretamente sabotou os esforços do governo federal brasileiro, enquanto alimentava descaradamente governadores opositores, cada vez mais golpistas, como eram Carlos Lacerda (Guanabara), Adhemar de Barros (São Paulo) e Magalhães Pinto (Minas Gerais), para que fique claro que as análises sobre Goulart se mantêm até hoje ligadas a essas narrativas. A história não perdoa os golpistas que o derrubaram, mas se esqueceu de repensar o quanto usa do próprio discurso da desestabilização que levou ao golpismo ainda na sua narrativa sobre o governo de Jango. Para enxergar isso, é necessário olhar para o macro, e não é possível fugir de notar os movimentos de Washington. 

Afinal, eram precisamente essas “constatações” do que era o governo Goulart que levaram ao momento, em 1964, em que se assumia que uma ruptura não somente poderia ser feita, como seria “legítima”. Teria isso sido possível da mesma maneira se os três governadores golpistas não tivessem recebido fundos consideráveis da política externa estadunidense? Teria sido tão exitoso esse esforço de desestabilização sem ações diplomáticas norte-americanas em apoio à mídia que comprava esse discurso no Brasil? Já quando a quartelada ocorria, muitos ainda dizem que o governo caiu pela indecisão de Jango, cabe, então, a pergunta: quanto dessa indecisão estaria vinculada à consciência de que Johnson estava às suas portas, preparado para legitimar qualquer um daqueles governadores como um “poder paralelo” no país? As próprias conversas do então presidente com seu chanceler, San Tiago Dantas, indicam perfeitamente que seus cálculos políticos foram fartamente influenciados por essa consciência na cúpula do governo. Espera-se mesmo que Goulart tivesse “lutado” com as forças que tinha? Estas que nem nas suas próprias Forças Armadas eram majoritárias. Se assim tivesse decidido o presidente, seria compreensível. A decisão contrária, no entanto, também o é politicamente, para além de julgamentos do “caráter” de Jango. 

Decisões de lutar não são simples como se desenha nesses relatos, ainda menos num país como o Brasil. Há de se considerar que aquele governo deveria saber, por exemplo, que na Espanha que enfrentou o golpismo de um general fascista, no início do século XX, a resistência a essa subversão gerou uma Guerra Civil que matou mais de 500 mil pessoas. Além disso, era possível vencer aquela subversão alimentada por combustíveis e recursos quase infinitos dos Estados Unidos? Se a resposta é não, não seria isso especialmente devido ao dedo da política externa estadunidense? Para além dos personagens, é o realismo do momento histórico que se impõe. 

 Ato 2 – Faz o que tu queres, dentro dessa cartilha 

O primeiro general que marchou para o Golpe não foi Castelo Branco, foi o velho integralista Olimpio Mourão Filho, de Juiz de Fora. O general que foi o grande líder da derrocada final da constitucionalidade em Brasília foi Costa e Silva. No entanto, o general que se fez presidente com o golpe foi Castelo Branco. Entre tantas as características que o golpista que se faria presidente ostentava estavam as famas de ser “legalista” e “moderado”. No entanto, havia outra coisa mais importante que era de amplo conhecimento dos conspiradores naquele momento. O grande amigo dos “yankees” era Castelo Branco. Os militares estadunidenses citados na política de desestabilização da Casa Branca, nos documentos hoje desclassificados que podemos acessar, sempre se indicam como “próximos a Castelo”. Seria sábio, uma vez mais, ignorar esse fator como determinante na escolha do primeiro líder daquela “revolução”? 

Castelo Branco, uma vez presidindo o país, soltou os cachorros das depurações e do terrorismo do Estado desde o primeiro dia que esteve com a faixa. Com isso, o general presidente acalmava as sanhas beligerantes de figuras que posteriormente seriam descritas como a linha dura das Forças Armadas. Isso foi uma realidade desde 1964, mesmo que sempre se vai recordar, e com razão, o Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 1968 como o momento em que a ditadura virou “instituição” e os “guardas da esquina” foram empoderados para fazer o que quisessem, parafraseando o vice-presidente civil da época, Pedro Aleixo. Mudou-se, nesse momento, o nível e a amplitude da liberdade para aterrorizar as pessoas com o poder do Estado. Contudo, são já suficientes as vítimas de antes do AI-5 para se determinar que a ditadura foi dura desde o seu princípio. 

Outro ponto, que menos se recorda e marcou os anos de Castelo Branco, foi a economia do regime. O general amigo dos “yankees” fez uma política econômica também muito amiga dos estadunidenses. O país abandonava qualquer tipo de papel do Estado na economia e entrava de cabeça em um liberalismo amplo, alimentado por dinheiro das “aids” financeiras da Casa Branca democrata. Castelo Branco seria o homem que avisaria aos setores civis, que apoiaram então o Golpe, que deixassem de esperar as eleições presidenciais de 1965. Mal sabiam estes que o país não veria uma dessas até 1989. Castelo Branco já definiu que mesmo que o Golpe tenha sido Civil-Militar, a ditadura era autenticamente militar. O poder civil dos tecnocratas existia e tinha influência, mas o controle político foi total e completo entre os poderes militares, seja dos guardas da esquina ou dos “intelectuais” da Escola Superior de Guerra (ESG). 

Em 1967, então, haveria uma transição na ditadura. O homem que sonhou tanto em ocupar aquela presidência conseguiu seu objetivo. Brasil inaugurava Costa e Silva e entrava numa linha em que os linha-dura iam ser tão alimentados e afagados que se chegaria ao ápice das violências no início dos anos 1970, já sob o controle de Emílio Garrastazu Médici. Essa mudança inicial de Castelo Branco para Costa e Silva já desagradou em algo o apoio dos Estados Unidos, isso se nota até nas coberturas dos jornais norte-americanos sobre o Brasil. O verniz das políticas de desestabilização que justificaram que se chegasse aonde se estava chegando ia se desgastando para a imprensa estrangeira, antes que para a imprensa nacional (inclusive porque os correspondentes não eram protagonistas do Golpe como tantos articulistas nacionais foram). Uma nova demão de verniz poderia ser passada e isso ocorreu. Contudo, nem todos os correspondentes foram tão “afáveis” a esses discursos, e começavam a surgir as acusações cada vez mais amplas de autocracia no Brasil. Naquele momento, os motivos eram, principalmente: as violências da ditadura brasileira, atrapalhando a imagem dos democratas frente à opinião pública doméstica, e o fato de que a solução militar havia sido somente pensada como um “tampão” até o próximo presidente civil mais “afável” à Washington chegar. Os Estados Unidos começaram a olhar com medo o militarismo no Brasil se manter no poder, temendo perder o controle sobre estes. Esse último fator é confirmável nos famosos áudios em que Kennedy assume que a possibilidade de um golpe militar no Brasil oficialmente era aceitável para ele, após as insistências de um paranoico anticomunista embaixador, Lincoln Gordon. 

 Ato 3 – Amigos talvez, negócios a parte 

Desde que jornais como o New York Times começaram a denunciar os abusos da ditadura no Brasil, isso jamais parou na mídia estrangeira. Mesmo assim, a Casa Branca viveria seus anos republicanos – sobre a influência primeiro de Richard Nixon, logo de Kissinger – seguindo no plano de se manter próxima ao Brasil militar, com mais sorrisos do que se viram nos anos de Johnson. Era uma aliança geopolítica. Mas, amigos de Washington de verdade não poderiam ter pretensões tão “soberanas” ou nacionalistas. Quando Médici começou a criar sua ideia de um “novo” Brasil, com seus “milagres”, na ESG, crescia então a ideia de um país influente, soberano e com papel de protagonista no mundo.  

Hoje, olhando para trás, é fácil dizer que esse plano da ditadura falhou. Há diversos fatores para isso, incluindo uma política econômica “quase” soberana, mas que não soube abandonar as cartilhas liberalizantes de Roberto Campos, Antônio Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen. Os tecnocratas jamais concordaram muito com os quarteis nessa ideia de um Brasil “grande” de verdade. Mesmo que não exercessem um controle político real na ditadura, fizeram com sua influência “técnica” ótimas formas de apodrecer por dentro qualquer ideia muito estatizante que vinha da ESG. Porém, é impossível escapar outra vez da influência do cenário internacional nesse período de “afastamento” da ditadura do dito mundo ocidental. 

O “milagre econômico” morreu, em grandes partes, de sede. Quando a Guerra do Yom Kippur provocou a Crise de Petróleo de 1973, o Brasil, tão magro em produção do que precisava para manter sua incipiente indústria funcionando, correu para garantir suas fontes de gasolina. Pouco da diplomacia brasileira daquele momento na África não se explica por esse condicionante econômico. Ernesto Geisel votar na ONU para equiparar sionismo a racismo, o Brasil militar ser o primeiro país a reconhecer a independência da Angola frente a Portugal, em seguida apoiando o movimento marxista na guerra civil que se montou no país, ao lado de Cuba e da União Soviética (contra, obviamente, os Estados Unidos), em grande parte era por precisar do petróleo árabe e subsaariano, enquanto se tentava garantir mercados para uma economia brasileira que parecia “superaquecer”, como adoravam descrever os jornais da época. 

Mas como sequer se chegou nesse cenário? Graças às políticas do sorridente Nixon, que tirou aquela memorável foto com Médici na Casa Branca, anos antes. O republicano não somente jogou o general brasileiro numa cova de leões com seu “elogio” ao Brasil (tendo dito a frase “para onde for o Brasil, irá todo o continente” latino-americano), que provocou com que a América Latina hispânica buscasse se unir contra o gigante ao lado, que queria expandir mercados entre seus vizinhos. Se o Brasil não podia vender seus novos produtos para os vizinhos e tampouco para os Estados Unidos, que orgulhosamente pregavam liberalismo ao Sul e protecionismo em casa, sobrava para a ditadura buscar mercados em outras regiões do mundo, onde poderia exercer algo de uma influência diplomática, para gerar expansão econômica. Aqui entra a África, não sem relação com a política externa estadunidense. 

O que depois iria se contar sobre o ápice do afastamento entre os militares brasileiros e os Estados Unidos, nos anos que Jimmy Carter retornou os democratas ao poder naquele país, na verdade já havia começado com os republicanos. Onde parecia que o problema era só político, a questão era profundamente econômica. Não muito distante do que era a situação nos anos de Jango, quando se criou o cenário para a ruptura, a partir desse ponto, os documentos e os jornais estadunidenses mostram que, sim, apareceu uma nova onda de política desestabilizadora para o Brasil, agora contra a ditadura. Quem havia nascido com apoio da Casa Branca, agora precisava se provar sem ele e com um autêntico boicote, ainda que na maioria das vezes velado e gradual. A história diz como acabou esse desafio para aquele regime ilegítimo: provou-se que a ditadura realmente não se sustentava sem o cenário internacional favorável, oferecendo caminhos para que aquilo funcionasse. 

 Resumo da Ópera: goste-se ou não, o peso externo é determinante 

Se algo está claro ao se estudar o cenário internacional dos anos militares é que: para o bem ou para o mal, a influência exterior foi determinante naqueles anos. Do mesmo lugar, vieram políticas que fizeram majestades de farda, e depois queimaram seus castelos. O peso na balança do que se decidia em Washington, para o Brasil, era tremendo. O boicote da política de Kennedy em negar ajudas a Goulart foi determinante, assim como o controle econômico e o estrangulamento por dívidas em dólar que foi feito contra os generais da ESG, que buscaram “soberania” em seu tempo, foi também inescapável. Se a sociedade brasileira infelizmente demonstra sua dificuldade em resistir o julgo florianista das Forças Armadas sobre a sua democracia, há de se considerar que também não é capaz de escapar das ondas gravitacionais de Washington sobre os caminhos que escolhe trilhar. 

Ignorar isso em nome de buscar figuras mais culpabilizáveis dentro do país certamente pode ser válido em nome de recuperar a dignidade daqueles que foram mortos pelo terrorismo de Estado dos anos militares. Só por isso, todo o apoio deve ser dado para se apontar quem foram os brasileiros que patrocinaram e levaram a cabo a ruptura que causou a bola de neve de caos que se seguiu. Contudo, jamais se pode esquecer que, mais importante do que dar um Golpe, é mantê-lo. Sem o cenário e as influências estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos, isso não seria possível nos 21 anos da Ditadura Militar. Aceitar isso como um fato é a única forma que tem o Brasil para buscar entender como romper esse padrão de dependência a ponto de não precisar, por exemplo, contar com a sorte de ter Joe Biden na Casa Branca enquanto um movimento militarista tentava renascer a ideia de ruptura no Brasil, em 2023. A compreensão sobre essa situação é o caminho para que o país um dia não precise ser mais refém destes cenários, ao menos não completamente, como hoje segue sendo. 

Para além disso, entender que o contexto externo também nos serve para que, na mesma linha dos esforços que devemos fazer internamente em busca de punir os responsáveis domésticos por toda a violência que assolou essa nação, aceitemos que temos a nossa parcela considerável de culpa pelos responsáveis domésticos de algumas das ditaduras dos nossos vizinhos. Se Kissinger instalou Pinochet, nossos militares instalaram e mantiveram (algumas vezes quase sozinhos, sem muito apoio dos Estados Unidos) o ditador Hugo Banzer Suárez na Bolívia, para dar somente um exemplo. 

* Daniel Azevedo Muñoz é professor e jornalista, mestre e doutorando em História Contemporânea pela Universidad Autónoma de Madrid. Integra o grupo de pesquisa em Jornalismo Popular & Alternativo, da Universidade de São Paulo. 

OBS: artigo publicado, originalmente, no Le Monde Diplomatique Brasil e reproduzido com autorização do autor:

https://diplomatique.org.br/estados-unidos-ditadura-brasileira/