O presente artigo busca discutir o conceito de transculturação na contística do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Para realizar tal discussão, elegeu-se como corpus de análise o conto “Orientação”, presente na coletânea Tutaméia (1967). O termo “transculturação” foi elaborado por Ortiz (2002) para explicar a formação cultural do continente latino-americano. Posteriormente, tal expressão foi aperfeiçoada pelo crítico uruguaio Ángel Rama (2001) para designar o processo de revitalização da literatura regionalista frente à modernidade. Por essa perspectiva, a prosa regionalista adquire uma roupagem nova, ultrapassando a denúncia da realidade do subalterno sertanejo. Munido de uma visão crítica e problematizadora, o escritor percebe, pelo viés dialético, as dinâmicas e contradições que regem os discursos hegemônicos quando se propõe a definir conceitos como “identidade” e “cultura”. Para Rama (2001), existem três níveis fundamentais de transculturação para o romance latino-americano: revitalização da língua, estruturação literária e cosmovisão, elementos seguramente presentes na ficção rosiana.
Esta dissertação tem como objeto de pesquisa o texto "Evanira!", de Guimarães Rosa, do livro Ave, palavra. Publicado originalmente em jornal, o texto é hermético e de grande densidade poética; por outro lado, em ―Evanira!‖ Rosa dá continuidade aos temas que lhe são caros, como o destino, o amor, a saudade, situações que convergem para a compreensão do sentido do absoluto. Evocando os mitos platônicos, o autor nos transporta para um outro plano apresentando-nos imagens e sonhos de um universo em segredo, universo em que dois amantes se encontram, e embora ocorra uma "necessária separação" eles voltam a se encontrar e se elevam a uma superfície menos cortante, rumo ao "CIMO", à Alegria. A análise do conto abarca os encontros amorosos como reencenações arquetípicas para se alcançar a transcendência. Para isso, recorro à figura emblemática de Beatriz, aos mitos de Adão e Eva, de Orfeu e Eurídice, de Eros e Psiquê, bem como aos mitos platônicos. Pelo viés do mito, discuto a contemporaneidade em Guimarães Rosa, mostrando que a linguagem vinculada ao sagrado e as questões arquetípicas da Origem fazem do autor mineiro um escritor ao mesmo tempo contemporâneo e para além de seu tempo. Em ―Evanira!‖, Rosa transgride e redimensiona os tradicionais gêneros literários, fundindo, de forma radical, o lírico com o épico. Para desenvolver a apreciação do gênero literário do texto em evidência, baseio-me no livro Vita nuova, de Dante, bem como em Menina e moça, de Bernardim Ribeiro. O aporte teórico a este estudo é buscado em Santo Agostinho, Platão, Mircea Eliade, Carl Gustav Jung, Gaston Bachelard, Walter Benjamin e Giorgio Agamben.