O trabalho propõe analisar a relação entre tempo e linguagem em Grande sertão veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967). Por meio de um movimento de escritura que faz da narração objeto da própria experiência (RICOEUR, 2010, v.2), o romance rosiano absorve a temática do tempo como leitmotiv da experiência ficcional, que já no plano da criação artística, manifesta-se na reverberação do próprio sentido de tempo (NUNES, 1985 e 1983). Assim que Riobaldo, narrador do romance, toma a linguagem como suporte para estruturação da experiência, descerra-se o limite temporal da narração, anula-se as fronteiras entre passado, presente e futuro e o tempo torna-se um movimento contínuo (BERGSON, 1988) capaz de colocar em cheque o conhecimento da realidade e da humanidade do homem-humano (ROSA, 1982).
O presente trabalho propõe o exame do tempo em Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa, e em A paixão segundo G.H. (1964), de Clarice Lispector. Nesse sentido, o tempo, a priori, categoria estrutural de toda narrativa, é tomado como temática recorrente ao mundo ficcional, provocando a leitura crítica acerca da experiência temporal vivida e narrada pelos personagens Riobaldo e G.H., respectivos das obras supracitadas. Portanto, uma vez repassado à matéria da narrativa, o tempo reorganiza a realidade sui generis do mundo ficcional e nos impõe a necessidade do ato interpretativo.
Encontram-se, no bojo da literatura moderna, obras as quais zeram da temática da temporalidade o leitmotiv da criação literária. Com base nessa perspectiva, objetiva-se examinar o aspecto da fragmentação temporal na construção de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, e de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Por meio da comparação dessas duas obras, poder-se-á apontar como a construção de uma escritura temporalmente fragmentada possibilita o surgimento de uma literatura que coloca em suspensão a noção de realidade e de humanidade e, por meio disso, radicaliza a relação entre forma, tempo e linguagem.