O presente estudo propõe uma reflexão acerca da poética de João Guimarães Rosa (1908-1967). A hipótese é que a produção do escritor apresenta características essenciais à constituição da lírica moderna. Ao abolir a linha divisória entre poesia e prosa narrativa, Rosa coloca-se na linha de frente daqueles narradores que, ao conceder primazia ao artesanato formal do objeto literário, creditam à palavra o poder de extravasar os grilhões da referencialidade naturalista à qual se rendera grande parte da ficção brasileira produzida até então. Inquieta, obscura, experimental, a escritura de Rosa subverte os dados cristalizados pela tradição e oferece ao leitor uma experiência de estranhamento em relação à própria linguagem, tomada como instrumento privilegiado de investigação de um real fugidio e paradoxal, arisco às investidas da razão objetiva.
O presente estudo é uma leitura interpretativa do conto “Conversa de Bois”, de João Guimarães Rosa.
Interessa-nos investigar de que maneira o Rosa pensador transpõe para o domínio literário seu
pensamento filosófico. Subsidiados pelos escritos de Friedrich Nietzsche e pelo testemunho do próprio Rosa, trabalhamos aqui com a idéia de crítica da razão, segundo a qual o conto em questão pode ser entendido como a metáfora do combate entre razão e instintividade De um lado, o homem,
representante da instância lógica, aferrada ao intelecto; de outro, o boi, tomado como símbolo da
consciência artística, criadora de inéditas realidades.
A proposta deste breve artigo é discutir a posição ocupada por João Guimarães Rosa (1908-1967) dentro da historiografia literária brasileira, assim como examinar alguns dos mecanismos de canonização que, a despeito do valor intrínseco do objeto literário, elevaram a obra de Rosa a um patamar compartilhado por poucos criadores. Propõe-se, ainda, uma revisão de tal estatuto canônico, capaz de compreender a escritura de Rosa não como matéria alienígena em relação à tradição literária, mas como partícipe de um amplo panorama espaço-temporal no qual o escritor funda raízes e do qual extrai seu instrumental estético.
O presente estudo, intersecção entre os campos da literatura e da filosofia, é uma reflexão a respeito da presença de um pensamento trágico no discurso de Riobaldo, protagonista de Grande sertão: veredas, romance de João Guimarães Rosa publicado em 1956. Os pilares que sustentam a noção de “pensamento trágico” são, sobretudo, as formulações da filosofia madura de Nietzsche. Parte-se, no capítulo primeiro, de um esboço da gradual passagem de uma “poética da tragédia” (de índole aristotélica) a uma “filosofia do trágico”, verificada no âmbito da modernidade filosófica, especialmente na Alemanha. No pensamento de Nietzsche, o trágico, como noção que polariza e reflete traços fundamentais da experiência humana, atua como índice de uma postura francamente afirmativa em relação à existência, liberta do anseio metafísico por fundamento. No capítulo segundo, “A negação”, busca-se investigar os diversos estratagemas aos quais Riobaldo lança mão no intuito de esclarecer o sentido da experiência narrada. Procedimentos que, de um modo ou outro, barram o acesso ao trágico, na medida em que burlam ou encobrem os aspectos dolorosos e problemáticos da existência em favor das ficções do Ser baseadas nos atributos de duração, permanência, identidade, estabilidade, etc. No capítulo terceiro, “A afirmação”, entra em cena a possibilidade do trágico, dada a falência das estratégias retilíneas rumo ao Sentido, captada pela argúcia do próprio narrador. Nesse estágio, busca-se entrever de que forma a reflexão de Riobaldo opera no limite opaco além do qual as noções herdadas por uma longa tradição do pensamento são continuamente postas em questão.