Neste trabalho procuramos dar uma modesta contribuição para o levantamento de questões podem conduzir a um enriquecimento dos estudos da tradução literária de modo geral e, em particular, da obra de Guimarães Rosa; e, por outro lado, como produto inerente e desejável desse processo, lançar alguma luz sobre um conto complexo e obscuro de Sagarana, A hora e vez de Augusto Matraga. A partir dessas atividades foi possível enunciar algumas exigências cujo cumprimento pelo tradutor do autor mineiro consideramos essencial. No fundo, elas não diferem do que é preconizado pela maioria dos estudiosos da tradução, mas o que torna peculiar a tradução de Guimarães Rosa é a intensidade com que tais exigências devem ser preenchidas. O fato de Rosa, em sua narrativa, utilizar-se de ampla gama de ramos do conhecimento para gerar elementos de interpretação que somente são revelados ao leitor por meios indiretos, faz que a capacidade analítica do texto de partida tenha lugar de destaque entre as habilidades do tradutor. No final das contas, este terá de transcrever na língua de chegada a sua leitura da obra - dentre a infinidade de leituras possíveis -, e ler Guimarães Rosa é tão difícil quanto rescrevê-lo.
O objetivo deste trabalho é o de demonstrar que o conjunto dos nove contos de Sagarana apresenta uma unidade de conteúdo. Desenvolvendo as idéias gerais de Luiz Dagobert de Aguirra Roncari expostas em um curso de pós-graduação ministrado na Universidade de São Paulo (USP) no segundo semestre de 2005, foi possível concluir que uma representação do Brasil da Primeira República constitui o significado central da obra. Esta visão possibilita posicionar Guimarães Rosa entre os intelectuais que se ocuparam de um tema candente na primeira metade do século XX, o de analisar o Brasil com a finalidade de corrigi-lo. Adicionalmente, o trabalho pretende mostrar que a determinação desse significado central é indispensável para a compreensão de Sagarana na sua totalidade.