O presente trabalho propõe uma leitura de composições poéticas de João Guimarães Rosa publicadas no livro híbrido Ave, Palavra (1970). Partimos da perspectiva de que os poemas rosianos filiam-se ao que Octavio Paz (1993) denominou de “poesia de convergência”, herança do diálogo entre dois extremos advindos da produção romântica, a analogia e a ironia. Atendo-nos à tendência nomeada como ironia, destacamos, dentre as produções do referido livro, quatro composições que promovem a sondagem da criação literária. Como método de análise, serão feitas aproximações dos poemas com outras obras do autor e com demais textos de Guimarães Rosa que sondam o fazer literário, como a entrevista dada pelo artista a Günter Lorenz (1973), as correspondências trocadas com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri (1980) e trechos de prefácios que compõem Tutameia (ROSA, 1976). A leitura, portanto, busca analisar como tais questões que inquietaram Rosa se realizam em suas composições em verso, ora a partir de narrativas embrionárias, alegóricas, ora valendo-se de composições de tom mais lírico, trazendo à tona imagens recorrentes em suas produções, evidenciando que suas poesias não são um mero acidente, mas compõem o projeto estético do autor.
Filiados a um contexto literário em que o poeta busca a reconciliação entre o “eu” e o universo sem rejeitar a consciência do fazer poético e a renovação da linguagem, os poemas de Guimarães Rosa em Ave, Palavra aproximam-se do que Octavio Paz denominou de “poesia de convergência”. Tal visão analógica metaforiza-se nos poemas por meio do mito de Narciso e por imagens que associam o reflexo e o encontro do Outro como forma de conhecer a si mesmo. O presente trabalho objetiva apresentar uma leitura das referidas composições poéticas examinando como a analogia se estabelece, aproximando-as das demais produções de Guimarães Rosa, identificando-as, não como acidente na obra o autor, mas como produção portadora das inquietações que acompanham o artista em sua trajetória literária.
A dissertação tem como corpus as poesias de João Guimarães Rosa, sob assinatura de anagramáticos, presentes no livro híbrido Ave, Palavra. Tais composições foram um tanto inexploradas pela crítica literária, ficando subestimadas pela magistral linguagem de suas narrativas. É objetivo do trabalho analisar as referidas poesias ressaltando a qualidade estética dessas composições e reconhecendo-as não como acidente em meio às produções em prosa, mas como parte significativa e integrada da obra do escritor. Partindo da concepção de poesia de convergência, apresentada por Octavio Paz, verificamos que, dentre as poesias, estão presentes poemas de caráter analógico - caracterizadas pela busca do autoconhecimento e figurativizadas pelo mito de Narciso - e também composições cujo enfoque é o fazer literário. Em grande parte das composições, a visão analógica surge atrelada a aspectos metapoéticos, presentificando, nas poesias, a correlação que Guimarães Rosa estabelece entre renovação lingüística e renovação humana. Para tanto, utilizamos, como embasamento teórico, estudos acerca da linguagem poética e da concepção de poesia, como os de Roman Jakobson, T. S. Eliot, Jean Cohen, Todorov e Octavio Paz. O livro de Hugo Friedrich, A Estrutura da Lírica Moderna, também nos auxilia na análise dos poemas, além de estudos sobre a produção artística de João Guimarães Rosa, em especial, os de Heloisa Vilhena de Araujo, Paulo Jorge Haranaka, Maria Célia Leonel, Eduardo Faria Coutinho, Manuel Cavalcanti Proença, dentre outros.