São múltiplas as epidemias na obra de Gabriel García Márquez, de esquecimento, de insónia, de doenças reais e imaginárias. Uma delas, talvez a principal, é a guerra civil, como uma grande epidemia que arrasta personagens para delírios e famílias e povos para herdar o ódio eterno. Desde seus primeiros contos, no final da década de 1940, a morte é sem dúvida um dos eixos de sua grande obra narrativa que continuará em seus grandes romances e é, junto com o amor, um dos grandes temas de sua obra e de sua vida como pode ser visto em suas memórias, Vivir para contarla. Em nosso artigo abordaremos o tema da doença e da pandemia em Cem Anos de Solidão e em Amor em Tempos de Cólera. Para isso, dialogaremos com as teorias do filósofo e médico francês Georges Canguilhem e seu já clássico livro, O normal e o patológico.
A partir de indícios encontrados nos arquivos de João Guimarães Rosa, este trabalho discorre sobre a maneira em que o corpus do autor elabora sua pró-pria teoria, em diálogo com protocolos vestigiais da literatura e em discussão com protocolos autonomistas. Mostra-se o modo em que “Meu tio o Iauaretê” desconstrói pressupostos de prioridade ontológica. Por último, reflete-se sobre a operação pela qual o escritor se põe à margem da estória, reproduzindo com o próprio silêncio o silenciamento histórico de outros, dando-lhes assim um lugar aos que nunca o tiveram.
Este artigo aborda a crônica “Uns índios (sua fala)”, publicada por Guimarães Rosa no jornal A manhã em 1954. Nessa crônica, o escritor relata o seu encontro, no estado de Mato Grosso, com índios Terenos - sua expedição a um “arranchamento de ‘dissidentes’” à procura de alguns segredos da surpreendente língua tariana. Como a crônica permite inferir, o fato de essa fala parecer ininteligível é um efeito da intervenção daquele que pretende catalogá-la ou capturá-la num dispositivo de escritura, e as identidades “índio” e “branco” são efeitos produzidos escrituralmente, assim como as distinções entre “civilização” e “barbárie”. Este artigo tentará evidenciar como essa crônica recolhe alguns dos aspectos que exigem reformular o famigerado caráter documental do corpus Guimarães Rosa, assim como modificar alguns dos pressupostos dos nossos instrumentos de leitura, geralmente cativos de um imperativo representacional.
O boom latino-americano, fenômeno editorial e literário dos anos 1960 e 1970 que chamou a atenção
da Europa e dos Estados Unidos da América para a literatura produzida na periferia, não incluiu autores brasileiros como pertencentes ao movimento. Diversas questões podem ser discutidas para entender essa exclusão: a diferença linguística entre Brasil e demais países latino-americanos e o fato de que o português, ao contrário do espanhol, não possui status de língua de cultura no ocidente; os diferentes contextos políticos e econômicos; o histórico muito diverso de escolarização e acesso à cultura letrada da América espanhola e da portuguesa. Ainda assim, mesmo que nenhum autor brasileiro tenha alcançado a projeção internacional de autores como Gabriel García Márquez e Vargas Llosa no período, o boom acabou por abrir portas no mercado internacional para alguns autores brasileiros, como Jorge Amado e Guimarães Rosa. Alguns estudos propõem análises comparativas entre autores do boom e brasileiros. Nova narrativa épica no Brasil, de José Hildebrando Dacanal, apresenta uma leitura de algumas obras brasileiras (Grande sertão: veredas; O coronel e o lobisomem;
Sargento Getúlio; Os Guaianãs) como pertencentes a um fenômeno mais amplo da literatura da periferia do ocidente, que incluiria também obras como Cem anos de solidão, de García Márquez. A teoria de Dacanal é de que há uma espécie de corte na ficção romanesca do ocidente no caso destes romances, por se afastarem do princípio fundamental da narrativa real naturalista, a verossimilhança, que funciona como uma exigência básica do pensamento lógico-racionalista constitutivo da civilização europeia e tornou-se a régua da ficção em todo ocidente. Mesmo quando há elementos mágicos ou fantásticos nas narrativas, estes são trabalhados sob uma perspectiva racional, que deixa claro que o acontecimento é incomum. A proposta deste artigo é apresentar possibilidades de diálogo entre Grande sertão: veredas e Cem anos de solidão, tendo como ponto de partida as análises de Dacanal, mas ponderando algumas questões.