Esse trabalho pretende dar uma nova abordagem ao termo contemporâneo na Literatura, conferindo-lhe um tratamento que vislumbra não sua concepção cronológico-histórica, mas uma mentalidade de desconstrução que emerge com uma série de mudanças e desilusões trazidas pelas fracassadas pretensões da modernidade. Dessa forma, as retinas do presente lerão um Guimarães Rosa contemporâneo e seu conto "Nenhum, Nenhuma" incorporará a condição de crônica intermitente, que evidencia a percepção do autor mineiro para continuidade dos grandes problemas que afligiram a história dos homens. Serão temas recorrentes na reflexão que aqui se trava a situação fragmentada do sujeito contemporâneo e o estiolamento de sua experiência identitária, o apárecimento da figura do outro, do exilado e, sobretudo, o papel da memória na lógica de ser no mundo contemporâneo e na estruturação das peculiaridades desse fazer literário, como, por exemplo, a narrativa arruinada benjaminiana.
Fita verde no cabelo: nova velha estória, de João Guimarães Rosa, transita entre as vertentes ficcionais que Jaime Alazraki denominou de neofantástico e aquelas que Renato Prado Oropeza subscreveu no fantástico contemporâneo. Em qualquer dos casos, o conto rosiano, que revisita a tradição dos contos maravilhosos e ressignifica Chapeuzinho Vermelho, configura-se como um novo discurso genericamente fantástico, abdicando da hesitação face à manifestação do insólito, que, ainda assim, lhe é próprio. Rosa, resgata a história de Chapeuzinho Vermelho, apresentando-a sob novos olhares, no que tange, em especial, ao trabalho literário com a linguagem, e atualiza, trazendo para seu tempo, aspectos temáticos da referencialidade semionarrativa. Dessa forma,
pode-se remir o trabalho de Lenira Marques Covizzi sobre Rosa e Jorge Luis Borges, injustamente quase sempre esquecido, e, reunindo duas recuperações, uma no nível da ficção, outra no da crítica, ler o texto rosiano como representante do insólito ficcional.
Os protagonistas do conto "Partida do audaz navegante", extraído do livro Primeiras estórias de João Guimarães Rosa, do filme Corra Lola, corra, de Tom Tykwer, e do romance PanAmérica, de José Agrippino de Paula, são responsáveis por engendrar narrativas contemporâneas, já que, simultâneas ao ato de contar, constituem-se como narrativas em processo, marcadas pela deriva de um contar sempre inacabado, um contar móvel e de inesperadas conexões. Rompendo com a linearidade do tempo do Cronos, desenham suas errantes narrativas no inapreensível tempo do devir, marca de um tempo contemporâneo, que se constitui como limiar incessante de um "já" e um "ainda não", impossibilitando a fixação de temporalidades pontuais. O contar móvel e improvisado desses protagonistas é, portanto, a chave de leitura que nos permite colocar em diálogo essas obras tão distintas e suas configurações de tempo, espaço e identidade: um tempo do devir, um espaço modelável e de conexões inusitadas e uma identidade mutante.