O Silêncio e a Jasmim

Nesse jardim não cresce mais flores, nem mesmo as pragas as quais tinha o prazer de arrancar. A terra, como eu, já seca e improdutiva, nem mesmo os canários e sabiás visitam mais. Como gostaria de ouvir a sinfonia de assobios novamente. Agora, o desprazer em observar o silêncio mortal que paira no quintal, na garagem e nos cômodos dessa casa. Muito tempo se passou até que a velhice atingisse seu ápice e de nada mais resta do que esperar o último suspiro.

Em outros anos, talvez eu deveria ter me preocupado mais sobre os prazeres da juventude. O peso de carregar o fardo de uma história pobre e de puro desinteresse, que honra teria de contar sobre os instrumentos que usei desde criança? Ou que belas histórias teriam para contar sobre os campos de batalha nas quais lutei no passado? A troco de quê? Não tenho respostas, apenas mágoas. E hoje, nesta humilde casa silenciosa, quase morta, não trago nenhum prazer que não seja fechar os olhos e esperar o coração parar.

Nem mesmo o casamento perdurou como imaginávamos, e os filhos? Talvez já tivessem esquecido este endereço. Foi-se cedo demais, minha amada, ou talvez, eu tenha ficado até tarde demais.

Nem as lágrimas ousam cair de meus olhos, nem as palavras querem sair da minha boca, e os ventos já não me causam mais frio como antigamente. Tudo passa rápido, tudo demora tanto e em poucos segundos já não temos mais nada além de uma carcaça definhada, enrugada e frágil.

Nas manhãs de segunda-feira procuro caminhar entre as vielas solitárias desse pobre bairro, onde velhacos, como eu, costumam tomar banho de sol. De cabeça baixa, escondendo o rosto de um derrotado, a pequenos passos, numa respiração quase imperceptível. Vejo na esquina um prédio que antes era o antigo café que eu e minha velhinha costumávamos ir todas as manhãs, ela pedia um capuccino e eu um café preto, como de costume, acendia um cigarro para acompanhar e toda vez o menino me trazia um cinzeiro e tirava a placa de ‘proibido fumar’, pois sabia que eu nunca respeitava. Ela sempre me dizia que morreria muito rápido e a deixaria só num mundo tão cruel, eu ria e prometera sempre que enquanto estivesse viva eu também estaria. Sonhos que eram tão belos e hoje um pesadelo diário. À tarde, costumávamos colher as flores do quintal: tulipas, girassóis, dente de leite e jasmim, a preferida dela. E quando chovia cantávamos músicas tristes que combinavam com a melancolia dos dias cinzas.

Da esquina daquela rua, virei-me e fui ao cemitério, assim como todos esses malditos anos após a sua partida não tive mais flores de jasmim para deixar em sua lápide, pois depois que ela se fora, nunca mais cresceu uma única flor naquele quintal, e entre todas as dores que a idade me propunha, a dor de não tê-la mais é a mais cruel de todas. Às vezes procuro conversar em pensamento, olhando para a lápide, imagino as respostas e me pego num riso rápido e fico até o sol alcançar o meio do céu e volto aquela casa silenciosa outra vez.

Foi ela quem cuidou dos traumas da guerra e que me mostrou a arte, e me ensinou sobre os pássaros, as flores, os animais e como a poesia tudo parecia belo. Até sua ida foi poética, adormeceu calmamente com um riso como se estivesse satisfeita de salvar uma alma como a minha. E eu, agora espero que ela me chame para acompanhar nos vales e jardins além do infinito.

Hoje, como qualquer segunda-feira, na aurora, lembrei de seu canto e por um momento ouvi sua doce voz. Olhei para o jardim como se a voz viesse de lá, e numa surpresa vi uma flor de jasmim, bela e reluzente no meio daquele solo seco, meu coração devagar se acalmou e uma lágrima sem perceber desceu de meus olhos. Suavemente me ajoelhei e a ouvi me chamando para o belo infinito. Seus belos cabelos, seu cheiro e sua voz. O último sentimento acompanhado pelo último suspiro.

* Pasqualin é escritor e ativista cultural.