Livro revela um gênio musical convivendo com mestres da música
Autor da biografia de Waltel Branco é o pirajuense Felippe Aníbal e o lançamento em Piraju será quarta, no Bistrô Seu Didí
O paranaense Waltel Branco (1929-2018) era múltiplo como músico. Além de instrumentista, compositor, maestro e arranjador, Waltel transitava por inúmeros gêneros, foi diretor musical da rede Globo e trabalhou, durante sua vida, com os mais icônicos artistas como João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Roberto Menescal, Marcos Valle, Nara Leão, Elizete Cardoso, Pixinguinha, Tim Maia, Hyldon, Toni Tornado, Odair José, Evaldo Braga, Cauby Peixoto, Alceu Valença, Zé Ramalho, Reinaldo Azevedo, Cazuza, Chico Anysio, Alcione, Elza Soares, Elis Regina, Fafá de Belém, entre tantos outros.
Essa breve referência já indica a importância de um livro sobre a vida de um dos pioneiros da criação de uma linguagem musical aplicada à televisão e que até então permanecia desconhecido.
No Paraná, em 29/11/2023, o jornalista Felippe Aníbal lançou o livro “Waltel Branco – O maestro oculto”. Agora, no estado paulista, fez questão de prestigiar sua cidade natal com esta biografia de mais de 500 páginas, resultado de longos oito anos de pesquisa e dezenas de entrevistas, além da convivência com o próprio maestro Waltel.
Felippe é jornalista há 17 anos, com textos publicados em veículos como revista Piauí, Folha de S. Paulo, UOL, The Intercept, Valor, Plural e Gazeta do Povo.
O projeto do livro foi viabilizado graças à Lei de Incentivo à Cultura, da Fundação Cultural de Curitiba, com apoio do Centro de Diagnóstico Água Verde, Instituto de Oncologia do Paraná e Hospital IPO, Viva a Cultura e as leis de incentivo. Quem puder comparecer no Seu Didí Bistrô, na próxima quarta, 10/01/2024, poderá adquirir o livro autografado pelo próprio autor. Se preferir, poderá comprá-lo pelo site www.waltel.com.br
Ficha técnica: Waltel Branco – O maestro oculto.
Páginas: 504. Formato: 16×23 cm, brochura. 1ª Edição. Ano: 2023.
Lançamento no Estado de São Paulo em 10/01/2024, quarta, às 19 horas.
Local: Seu Didí Bistro & Arte, na praça Ataliba Leonel, 219, em Piraju/SP.
Trecho do livro:
Naquela noite quente de fim do verão de 1988, Waltel escutou uma buzina soar com insistência em frente a sua casa. Pelo avançar do horário, pensou que se tratava de algo grave, uma emergência, talvez. Com cautela, saiu ao portão e, dali, viu João Gilberto, a bordo de seu Monza chumbo, ano 1987 – o xodó do cantor. Contrariando a tradição – em que costumava convencer previamente o maestro a sair em peculiares passeios noturnos –, João apareceu sem avisar: “Vamos, Waltel! Vamos dar uma volta. O violão já está aqui.” De onde estava, o arranjador viu o Di Giorgio do amigo repousando no banco de trás. Sem outro remédio, trocou de roupa e se sentou no banco do passageiro.
Desde que João comprara o Monza no ano anterior, a dinâmica das incursões noturnas dos dois tinha mudado um pouco: agora, cada qual ia ao volante de seu respectivo carro. Por isso Waltel se surpreendeu quando o velho astro pediu para que ele embarcasse, indicando que iriam ambos no mesmo automóvel. O maestro era um exímio motorista. João Gilberto, nem tanto. Mas isso não preocupava Waltel. Enquanto trafegavam em direção à Pedra de Guaratiba – de quem o cantor queria sentir as vibrações –, engataram em uma conversa entre filosófica e esotérica. João Gilberto garantiu que poderia dirigir “guiado pelas estrelas”. Fechou os olhos e, mantendo as mãos presas ao volante, seguiu conduzindo o Monza pela estrada, ora comendo faixa à esquerda, ora metendo as rodas na terra à direita. No princípio, Branco arregalou os olhos, mas não disse nada. Um bom trecho adiante, João abriu os olhos e voltou a dirigir normalmente. “Está vendo, Waltel? É só sentir a energia e ir”, explicou. Conforme soube depois, o cantor viria a exibir sua técnica de se deixar guiar pelas estrelas a outros amigos. Estes, no entanto, não reagiriam tão bem. “Eu falava que não tinha problema. O João dirigia tão mal, que tanto fazia se estava de olhos abertos ou fechados…”, zombou Waltel, na entrevista para mim.
Naquela noite, os dois foram a uma das praias mais isoladas da Pedra de Guaratiba, onde permaneceram até o meio da madrugada. Caminharam descalços, conversaram e tocaram violão. Lá pelas tantas, como de costume, João se afastou para meditar. De calça social e paletó, sentou-se em um ponto afastado, cruzando as pernas em posição de lótus, feito um iogue. Enquanto isso, Waltel ficou contemplando o mar. Quando deu por si, cadê João Gilberto? O maestro andou, andou e nem sinal do amigo. Cerca de meia hora depois, Branco começou a ficar preocupado, perguntando-se como faria para voltar. Um pouco adiante, João Gilberto reapareceu. Quando terminou a meditação, tinha tomado o carro e começado a fazer o caminho de volta. Só quando havia andado uns bons quilômetros é que se deu conta de que tinha esquecido Waltel.
“O João tinha isso. Era esquecido demais. Por isso, a gente costumava ir em dois carros. Mas como [naquele dia] a gente tinha ido só em um, aconteceu isso”, contou Waltel. “Mas quem sou eu pra falar de esquecido, né?”, completou.
* Gervásio Pozza Filho é jornalista.